ACESSO
À JUSTIÇA EM MATÉRIAS AMBIENTAIS: O
SISTEMA
LEGAL E A PRÁTICA JUDICIÁRIA
ACESSO
À JUSTIÇA EM MATÉRIAS AMBIENTAIS: O SISTEMA
LEGAL
E A PRÁTICA JUDICIÁRIA1
I –
QUADRO
JURÍDICO-LEGAL..................................................................................
2
Principais
características do Direito do Ambiente no ordenamento português
......... 3
Disciplina
constitucional relativa ao direito do ambiente e ao acesso à
justiça............ 3
Quadro
legislativo....................................................................................................................4
Legitimidade
processual
...............................................................................................................
4
Formas
possíveis de acção popular (administrativa, civil e penal)
…....................,,........................
7
A.Acção
Popular Administrativa
.............................................................
…........................7
B.Acção
Popular
Civil.............................................................................................................
8
C.Acção
Popular Penal
.............................................................................
….........................9
Poderes
especiais do tribunal
.......................................................................................................
10
Patrocínio
judiciário
...................................................................................................................
11
Custas
judiciais...........................................................................................................................
11
Publicidade
da decisão
.................................................................................................................12
Procedimentos
administrativos
....................................................................................................
12
Processos
de contra-ordenação
......................................................................................................
13
II–
RESULTADOS
EMPÍRICOS........................................................................................14.
Principais
conclusões retiradas
...............................................................................
…........15
IIIR-
ESULTADOS
GLOBAIS...........................................................
................ …..........16
Conclusão..................................................................................................................................17
- QUADRO JURÍDICO-LEGALPrincipais características do Direito do Ambiente no ordenamento português
O
Direito do Ambiente é um sector do Direito relativamente novo no
ordenamento jurídico português, tendo sido impulsionado,
essencialmente, por via da legislação comunitária (grande parte
das normas ambientais decorrem da transposição de directivas
comunitárias). Além da sua “juventude”, caracteriza-se ainda
pela transversalidade: as disposições que protegem o ambiente
atravessam os vários ramos do direito –administrativo, civil,
penal, tributário, etc. Será contudo seguro afirmar que uma parte
significativa
do Direito do Ambiente recai no âmbito do Direito Administrativo,
uma vez que são vários os diplomas que impõem ao Estado deveres e
tarefas no sentido da protecção do ambiente.
As
respostas do ordenamento jurídico às violações das normas
ambientais variam consoante o ramo do direito em que as mesmas se
enquadrem e o agente infractor. Se, por exemplo, o Estado agir em
violação de uma norma (de direito administrativo) que lhe exige a
protecção de um qualquer bem ou valor ambiental, essa conduta ou os
seus efeitos poderão ser anulados por um tribunal administrativo.
A
maioria das normas do Direito do Ambiente que disciplinam actividades
susceptíveis de provocar impactes ambientais prevêem a aplicação
de sanções administrativas no caso de serem violadas pelos
particulares que sejam destinatários das mesmas. As infracções
(contra-ordenações) são, numa primeira fase, apreciadas por uma
autoridade administrativa, a qual poderá, caso considere que ficou
provada a prática da contra-ordenação, aplicar uma coima (sanção
pecuniária) ao infractor. Esta decisão é passível de recurso
judicial, ou seja, de controlo pelos tribunais.
A
actuação de particulares pode ainda ofender o direito ao ambiente
sadio e ecologicamente equilibrado de um qualquer cidadão, gerando
aí responsabilidade civil dos infractores. Nesse caso serão os
tribunais civis os competentes para determinar a forma possível de
reparação (cessação da actividade, indemnização ou
reconstituição natural da situação anterior ao dano). O Estado
também poderá ser responsável civilmente, sempre que provoque um
dano ambiental a um particular fora do âmbito da actividade
administrativa de prossecução e satisfação das necessidades
colectivas, ou seja, sempre que não esteja a agir dotado de
autoridade pública.
Esta
última distinção ficou bem ilustrada no estudo de caso realizado
em que o Estado, enquanto
proprietário
do edifício do tribunal de Nisa, decidiu retirar das paredes deste
todos os ninhos de andorinha aí existentes e colocar no seu lugar
espigões que impedissem, de futuro, a nidificação de mais aves. A
remoção dos ninhos e a colocação dos espigões foi contestada
pelo FAPAS (Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens) perante o
tribunal judicial (jurisdição cível), por se tratar de uma
violação das normas que protegem as aves selvagens praticada pelo
Estado, como o poderia ter sido por qualquer proprietário de
qualquer edifício. Já quando o Estado adjudicou as obras de limpeza
a uma determinada empresa, essa decisão (um acto administrativo) foi
objecto de uma outra impugnação (pelo
Ministério
Público, após denúncia do FAPAS) perante os tribunais
administrativos. Ao verificar que a mesma questão estava a ser
apreciada pelos tribunais cíveis, o tribunal administrativo decidiu
declarar a inutilidade da lide (mas não a incompetência) e
extinguir a instância, decisão que foi, contudo, objecto de
recurso.
Algumas
condutas violadoras de bens ambientais, por serem consideradas mais
graves, são
tipificadas
como crimes, sendo portanto passíveis da aplicação de pena de
prisão ou multa
pelos
tribunais criminais.
Disciplina
constitucional relativa ao direito do ambiente e ao acesso à justiça
A
Constituição da República Portuguesa define a protecção do
ambiente numa dupla vertente: como uma tarefa do Estado e como um
direito fundamental de todos. Inserido no capítulo dos direitos e
deveres sociais, o direito a um ambiente de vida humano, sadio e
ecologicamente equilibrado, tal como estabelecido no artigo 66º,
implica ainda para oscidadãos o dever de o defender.
Como
uma garantia básica de todos os Estados de Direito Democráticos e
por forma a garantir a protecção efectiva dos direitos
fundamentais, a Constituição, no seu artigo 20º, assegura ainda a
todos os cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa
dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, proibindo a
denegação de justiça por insuficiência de meios económicos. O
artigo 268º reafirma o princípio da tutela jurisdicional efectiva,
enquanto garantia dos administrados face à actuação da
Administração Pública.
Quando
está em causa a protecção, não de direitos ou interesses
individuais, mas de bens colectivos ou difusos pertencentes a uma
colectividade ou grupo de indivíduos, e por isso insusceptíveis de
apropriação individual, como é o caso dos bens ambientais (ex. A
qualidade do ar) o princípio geral da tutela jurisdicional necessita
de ser ajustado, no sentido de se identificar quem pode reivindicar a
sua protecção e em que termos. A resposta a essa questão é dada,
de forma bastante generosa, pelo artigo 52º da Constituição que
consagra o direito de acção popular, permitindo a todos,
pessoalmente ou
através
de associações de defesa dos interesses em causa, o acesso aos
tribunais para promover a prevenção, a cessação ou a perseguição
judicial das infracções contra a saúde pública, os direitos dos
consumidores, a qualidade de vida, a preservação do ambiente e do
património cultural.
Ora,
temos então que, a partir da leitura deste dispositivo
constitucional é possível, desde logo, retirar as principais linhas
definidoras da acção popular:
a)
legitimidade – todos os indivíduos, pessoalmente ou através de
associações de defesa dos
interesses
em causa;
b)
interesses protegidos - saúde pública, direitos dos consumidores,
qualidade de vida, ambiente,
património
cultural, bens do Estado, autarquias locais e regiões autónomas,
etc. – interesses
difusos,
colectivos e homogéneos;
c)finalidade
– preventiva, correctiva, repressiva, supletiva e indemnizatória.
A
norma referente ao direito de acção popular está inserida no
capítulo relativo aos direitos, liberdades e garantias de
participação política, o que significa que, nos termos do artigo
18º da Constituição, se trata de um preceito directamente
aplicável e vinculativo para entidades públicas e privadas.
A
redacção do artigo 52º é, contudo, genérica, remetendo
expressamente para a lei a
definição
dos termos de exercício do direito de acção popular. Apesar de
algumas referências legislativas pontuais que entretanto surgiram,
só em 1995, com a aprovação da Lei de Acção Popular (Lei n.º
83/95 de 31-08) se definiram regras procedimentais que tornaram
possível, na prática, o exercício deste direito.
Quadro
legislativo
A
regulamentação legislativa das formas de acesso à justiça em
matérias ambientais por parte de cidadãos e ONGAs é feita de forma
algo fragmentária por diversos diplomas, sendo os principais:
- Lei de Acção Popular ou LAP (Lei n.º 83/95 de 31-08, relativa ao direito de participação procedimental e de acção popular) – não regula exaustivamente a acção popular, limitando-se a introduzir excepções e especialidades face às regras gerais de direito processual administrativo, civil e penal e aos tipos de acção que estas estabelecem, para proteger um objecto próprio (os interesses colectivos e difusos);
- Lei das Organizações Não Governamentais de Ambiente/ONGA (Lei n.º 35/98 de 19-07) – reafirma, na linha da Constituição e da LAP, a legitimidade destas organizações para intervir e iniciar tanto em procedimentos administrativos como acções judiciais para a protecção do ambiente. Vai depois mais longe do que a Lei de Acção Popular e concede às ONGA isenção de custas pela intervenção em acções judiciais em que esteja em causa a protecção do ambiente;
- Lei de Acesso aos Documentos Administrativos ou LADA (Lei n.º 65/93 de26-08, alterada pelas Leis n.º 8/95 de 29-03 e 94/99 de 16-07) – estabelece umprocedimento administrativo específico para salvaguarda do direito de acesso à informação.
Partindo
destes diplomas legislativos, será feita de seguida a descrição
das condições e formas possíveis de recurso à via judicial por
parte de cidadãos e ONGAs, como forma de obter uma tutela de bens
ambientais.
- Legitimidade processual
Têm
legitimidade para recorrer a tribunal e requerer a tutela de bens e
valores ambientais, independentemente de terem ou não interesse
directo na demanda:
a)
quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e
políticos (individualmente ou
em
grupo)8,
b)
associações e fundações para a defesa dos interesses em
causa, desde que
preencham
os seguintes requisitos (que, no fundo, correspondem aos requisitos
para
que uma associação seja considerada ONGA)9:
1.
possuírem personalidade jurídica,
2.
incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus
objectivos
estatutários
a defesa dos interesses em causa no tipo de acção de que se
trate
(tem de haver correspondência com fins e âmbito de actuação)
3.
não exercerem qualquer tipo de actividade profissional concorrente
com
empresas
ou profissionais liberais
8
artigo 52º da Constituição, 2º da LAP e 26º-A do Código de
Processo Civil
9
artigo 52º da Constituição, artigos 2º e 3º da LAP, artigo 26º-A
do Código de Processo Civil e artigos 2º e
10º
da Lei das ONGA
c)
as autarquias locais em relação aos interesses de que sejam
titulares residentes na
área
da respectiva circunscrição10.
Parece
claro não existir qualquer controlo de representatividade no que
respeita tanto aos
cidadãos
como às ONGA, ou seja, quem propõe a acção não tem de demonstrar
ser
representativo
de um determinado número mínimo de pessoas.
Dúvidas
já existem, por omissão da lei e inexistência de jurisprudência
significativa, sobre
outros
pontos, como por exemplo:
1.
a eventual necessidade do nexo geográfico entre o autor da acção e
a questão a ser nela discutida, sempre que esteja em causa um dano
ambiental localizado (por exemplo a contaminação de solos numa área
restrita) – as ONGA locais e regionais, por força da definição
estatutária dos interesses que visam proteger, terão
necessariamente a sualegitimidade restringida à defesa de interesses
locais e regionais referentes ao seu âmbito geográfico, havendo
quem defenda uma solução similar para o caso de acções intentadas
por cidadãos11;
2.
a possibilidade de cidadãos estrangeiros proporem uma acção
judicial para tutela do ambiente – a LAP refere-se a “cidadãos”,
enquanto a Constituição utiliza uma expressão mais abrangente
(“todos”) e reconhece já expressamente outros direitos de
participação política a cidadãos comunitários.
No
âmbito da Lei de Acção Popular, o Ministério Público tem o seu
papel limitado ao controlo da legalidade e à representação do
Estado, de ausentes, menores e demais incapazes e outras pessoas
colectivas públicas quando autorizado por lei. No âmbito da
fiscalização da legalidade e para evitar conluios entre as partes,
o MP pode substituir-se ao autor em caso de desistência da lide,
transacção ou comportamento lesivo dos interesses em causa.
Existem,
contudo, outros preceitos legais que permitem ao Ministério Público
agir em juízopara defesa de interesses difusos como o ambiente e,
com esse objectivo, propor acçõesjudiciais. De resto, estudos
anteriores revelam que tem sido relativamente significativo onúmero
de acções propostas pelo Ministério Público, sendo ainda, muitas
vezes, opção das
próprias
ONGA ou de indivíduos apresentar uma queixa junto do MP para que
esta actue,em vez de proporem eles próprios uma acção judicial,
eventualmente confiantes na melhor
preparação
técnica destes magistrados.
Uma
legitimidade tão ampla implica um regime especial de
representação processual.
A
LAP determina que quem propõe a acção (o autor) “representa por
iniciativa própria,com dispensa de mandato ou autorização
expressa, todos os demais titulares dos direitos ou interesses em
causa que não tenham exercido o direito de auto-exclusão”14,
quesignifica que, em regra, a decisão final do tribunal (o caso
julgado) tem eficácia geral, ouseja, vincula e obriga todos os
demais titulares do mesmo interesse, prejudicando a possibilidade de
vir a ser proposta nova acção com o mesmo pedido e fundamento.
artigo
2º da LAP e 26º-A do Código de Processo Civil
vd.
“Acção Popular – Novo Paradigma”, Carlos Adérito Teixeira
artigo
16º da LAP
artigo
26º-A do Código de Processo Civil e artigo 45º da Lei de Bases do
Ambiente
artigo
14º da LAP
Recebida
a petição inicial são citados (por anúncio(s) tornado(s)
público(s) através de qualquer meio de comunicação social ou
editalmente) os titulares dos interesses em causa na acção de que
se trate, e não intervenientes nela, para o efeito de, no prazo
fixado pelo juiz, e se o pretenderem, passarem a intervir no processo
a título principal, aceitando-o na fase em que se encontrar, ou
declararem simplesmente se aceitam ou não ser representados pelo
autor. O silêncio vale como aceitação da representação, mas o
direito de auto-exclusão pode ainda ser exercido até mais tarde
(até ao termo da produção de prova ou fase equivalente), sempre
por declaração expressa nos autos.
A
possibilidade de recusa de representação ou de auto-exclusão da
eficácia geral do caso julgado, não faz muito sentido para os casos
de protecção do ambiente, em que a decisão do tribunal vai recair
sobre um bem único (o interesse difuso). Apesar de existir uma
pluralidade de titulares do interesse, este é uno e portanto
passível de uma única regulação.
Situação
diferente é a dos interesses individuais homogéneos, ou seja,
situações em que existe uma pluralidade de indivíduos, cada um
titular do seu direito individual, sendo que todos estes têm
conteúdo semelhante e uma fonte comum (por exemplo os contratos de
adesão, na área do consumo). Por serem semelhantes, estes direitos
podem ser apreciados
conjuntamente
numa acção popular, mas sendo juridicamente distintos, também
poderão ser regulados separadamente e por isso se abre a
oportunidade de o respectivo titular se
auto-excluir
(e eventualmente propor uma acção individual para o seu caso
concreto).
Já
numa acção relativa, por exemplo, a descargas poluentes se o
tribunal decide que a actividade foi realizada ilegalmente e tem de
cessar, essa decisão é necessariamente válida para todos, não
podendo mais tarde vir a ser decidido de outra forma para outro
interessado que não tenha participado na primeira acção.
Já,
por outro lado, a possibilidade de intervenção posterior (após a
propositura da acção e dentro do prazo fixado pelo juiz) poderá
revelar-se bastante útil em acções para a protecção do ambiente,
sendo uma oportunidade para conjugar esforços, adicionar novos
argumentos e, eventualmente, cumular um novo pedido, desde que conexo
com o primeiro e assim alargar o âmbito da discussão. Esta
possibilidade aparentemente não tem sido porém usada.
No
sentido de evitar que uma falta de diligência do autor, ou um
eventual conluio deste com o réu prejudique todos os interessados
que não intervieram na acção mas que se consideram legalmente
representados, a lei determina que a decisão final não será
aplicável àqueles que não intervieram na acção nos seguintes
casos:
A.
quando acção seja considerada improcedente por falta de provas (o
autor não
cumpriu
o seu ónus de provar os factos alegados),
B.
quando o juiz decida de forma diversa fundado em motivações
próprias do caso
concreto
(nomeadamente quando o tribunal chegue à conclusão que o autor está
a
usar
a acção popular como forma de servir interesses próprios ocultos e
não o
interesse
difuso alegado),
Nos
casos acima descritos, em que a decisão final tem uma eficácia
apenas entre as partes do processo, qualquer outro titular do mesmo
interesse, que não tenha participado na acção, pode vir a iniciar
um outro processo judicial exactamente com o mesmo fim.
- Formas possíveis de acção popular (administrativa, civil e penal)
Com
algumas especialidades pontuais (como as acima apontadas e outras que
abaixo se descreverão) derivadas da situação excepcional de
legitimidade do autor popular, a acção popular pode revestir
qualquer das formas processuais previstas na lei processual
administrativa, civil e penal.
I.
Acção Popular Administrativa
Como
já se referiu, sempre que esteja em causa uma actuação da
Administração Pública no âmbito do seu ius imperii lesiva
do Ambiente, a tutela jurisdicional dos bens ambientais violados
compete aos tribunais administrativos e à respectiva jurisdição.
Em
comparação por exemplo com as possibilidades de actuação no
âmbito da jurisdição civil, o contencioso administrativo era,
tradicionalmente, apontado como bastante rígido e complexo, assente
nas formas clássicas de actuação administrativa (o acto, o
contrato e a norma administrativa), o que deixava sem protecção uma
série de situações em que a ofensa não cabia nesses parâmetros
formais, sendo muito limitado o escopo de pedidos admissíveis em
tribunal.
Com
a entrada em vigor, a 1 de Janeiro de 2004, das novas regras do
contencioso
administrativo16,
passou a existir uma maior diversidade de meios processuais e pedidos
que podem ser apresentados perante os tribunais administrativos.
Reafirmando o princípio da tutela jurisdicional efectiva, o artigo
2º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos estabelece
que a todo o direito ou interesse legalmente protegido corresponde a
tutela adequada junto dos tribunais administrativos. Como novidade
face ao quadro legal anterior surge, por exemplo, a possibilidade de
obter a condenação da Administração à abstenção de
comportamentos e, em especial, à abstenção da emissão de actos
administrativos, quando exista a ameaça de uma lesão futura, ou a
condenação da Administração à prática de actos administrativos
legalmente devidos ou à prática dos actos e operações necessários
ao restabelecimento de situações jurídicas subjectivas.
Também
a organização dos tribunais administrativos foi simplificada. Os
tribunais
administrativos
de círculo funcionam em regra como tribunais de 1ª instância,
sendo o Tribunal Administrativo Central e ao Supremo Tribunal
Administrativo (STA)
essencialmente
tribunais de recurso (respectivamente 2ª e última instância),
salvo os
processos
relativos aos órgãos de soberania, reservados em 1ª instância ao
STA..
De
notar ainda, pelo seu simbolismo (pois não é uma regra nova face à
LAP), a consagração expressa no Código de Processo nos Tribunais
Administrativos17 da legitimidade de qualquer pessoa, bem como
associações e fundações dos interesses em causa para propor e
intervir nos processos principais e cautelares destinados à defesa
de interesses como o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do
território ou a qualidade de vida. artigo 12º LAP o novo Estatuto
dos Tribunais Administrativos, aprovado pela L n.º 13/2002 de 19-02,
e o novo Código de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovado
pela L n.º 15/2002 de 22-02, ambos alterados pela Lei n.º 4-A/2003
de 19-02 artigo 9º na parte geral do Código, para o qual remetem as
várias regras relativas à legitimidade activa para cada tipo de
acção, na parte especial.
Essencial
em muitas situações em que uma actuação da Administração é
lesiva do ambiente, é conseguir perante os tribunais uma regulação
provisória, nomeadamente uma ordem de suspensão imediata da
actividade, no sentido de acautelar o efeito útil da decisão a que
se possa chegar no final do processo judicial, já que muitas vezes
os danos se revelam irreparáveis. Além dos procedimentos cautelares
previstos na lei processual geral, a Lei de Bases do Ambiente
consagra a figura dos “embargos administrativos”,
determinando, noseu artigo 42º, que “aqueles que se julguem
ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado poderão requerer que seja mandada suspender
imediatamente a actividade causadora do dano”. Esta providência
cautelar pode ser pedida perante os tribunais administrativos sempre
que a actividade causadora do dano seja realizada por entidades
pertencentes à Administração Pública. A LBA não define regras
processuais quanto à tramitação do pedido de embargos, o que
provocou larga controvérsia na doutrina e jurisprudência. Ainda
antes da reforma do contencioso administrativo, alguns autores
18vieram defender que será
aplicável neste caso o regime previsto no Código de Processo Civil
para o embargo de obra nova (artigos 412º a 420º).
Outra
questão largamente debatida nos tribunais administrativos tem sido a
da (in)aplicabilidade do procedimento cautelar para a suspensão da
eficácia do acto administrativo na dependência do recurso
contencioso de anulação (designação utilizadapela lei anterior
para a impugnação de actos administrativos), uma vez que o artigo
18º da LAP prevê que o juiz, numa acção popular, pode conferir
eficácia suspensiva a um recurso,ainda que a lei não preveja esse
efeito. Alguma jurisprudência tem entendido que o pedidode suspensão
de eficácia teria assim de ser formulado com base nesta norma, tendo
o juiztotal discricionariedade para o apreciar, sem dependência dos
formalismos da lei processual
administrativa.
Esta
posição não é consensual, havendo tribunais que consideram esta
norma da LAP é aplicável não no âmbito das providências
cautelares, mas dos recursos no sentido literal do termo (revisão de
uma decisão de um tribunal inferior).
II.
Acção Popular Civil
Quando
a lesão ou ameaça ao ambiente seja provocada por uma actividade de
um particular, ou pelo Estado desde que actuando desprovido de
poderes de autoridade (no âmbito da sua gestão privada), é
possível recorrer a qualquer das formas de acção previstas no
Código de Processo Civil, propondo, perante um tribunal cível a
acção que seja adequada a fazer reconhecer em juízo o direito ao
ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, a prevenir ou reparar a
violação do mesmo e a realizá-lo coercivamente, bem como os
procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.
O
direito processual civil é bastante flexível, definindo apenas
espécies de acções de acordo com o seu fim, permitindo, em
qualquer delas, uma grande variedade de pedidos. Assim, a defesa do
ambiente pode ser efectivada através da apresentação de pedidos
como: (a) a declaração da existência do direito ao ambiente sadio
e ecologicamente equilibrado; (b) a condenação na realização de
determinada prestação ou na proibição de uma actividade,com base
no perigo de lesão do direito ao ambiente sadio; (c) a declaração
da responsabilidade civil por danos ao ambiente.
18
Vasco Pereira da Silva, “Os denominados embargos administrativos em
matéria de ambiente”, Revista
Jurídica
de Urbanismo e Ambiente, separata dos n.º 5/6, Junho/Dezembro 1996
No
que respeita às acções de responsabilidade civil por danos
ambientais, é de referir que tanto a Lei de Bases do Ambiente19
como a própria Lei de Acção Popular20 expressamente prevêem a
responsabilidade subjectiva (com base na culpa/negligência) e
também a responsabilidade objectiva (por actividade perigosa
e independentemente de culpa).
Determina
a LAP que, nos casos de responsabilidade civil subjectiva, a
indemnização tem de ser pedida para todos os titulares do interesse
difuso. Se os titulares são indeterminados, ela é pedida
globalmente (não tendo de indicar um montante exacto e preciso), se,
pelo contrário, houver titulares identificados, todos eles devem ser
apresentados como tal. A indemnização é fixada globalmente,
cabendo, posteriormente a cada um dos interessados/lesados requerer21
que lhe seja atribuída a sua parte de acordo com os danos sofridos.
O direito à indemnização prescreve no prazo de 3 anos a contar do
trânsito em julgado da sentença que o tiver reconhecido. Os
montantes não reclamados são entregues ao Ministério da Justiça
que os escriturará em conta especial e o afectará ao pagamento de
procuradoria e ao apoio no acesso ao direito e tribunais por
titulares de acção popular.
Mais
uma vez trata-se de um regime processual aplicável no caso de haver
interesses individuais homogéneos (situação em que cada indivíduo
sofre um dano próprio e individualizável, tendo portanto direito à
correspondente indemnização), não se adequando a danos ambientais
não quantificáveis individualmente, onde só faz sentido uma
destinação colectiva da indemnização. Haverá que preencher esta
lacuna da lei e determinar qual deve ser essa destinação,
eventualmente equacionando a afectação destes valores a um fundo
especial para conservação da natureza.
No
que toca à responsabilidade objectiva há uma quase total
inexistência de regras substantivas (não é definido o conceito de
“actividade objectivamente perigosa”, que serve de base ao dever
de indemnizar), bem como processuais (estabelece-se a obrigação de
contratação de um seguro de responsabilidade civil para o exercício
de actividades que envolvam um risco anormal para os interesses
difusos protegidos pela LAP, remetendo-se a definição dos seus
termos para uma regulamentação posterior, ainda inexistente).
Haverá
provavelmente que aguardar pela aprovação e transposição da
directiva comunitária sobre responsabilidade por danos ambientais
para poder encontrar mais acções (e condenações) nos tribunais
portugueses por responsabilidade civil ambiental.
No
âmbito da acção popular civil é ainda possível recorrer a
providências cautelares para obter uma decisão provisória que
acautele o direito que se visa tutelar na acção judicial. O Código
de Processo Civil prevê procedimentos cautelares especificados,
adequados a determinadas situações tipo, permitindo, fora desses
casos, a formulação do pedido de providências não especificadas
que melhor se adequem à situação.
Remete-se
aqui para o que já foi dito acima sobre os embargos administrativos,
aplicáveis no âmbito da acção popular civil (perante tribunais
cíveis) sempre que a actividade lesiva do ambiente seja causada por
um particular.
19
artigoS 40º n.º 4 e 41º da LBA
20
artigos 22º e 23º da LAP
21
através do incidente de liquidação prévio à acção executiva
(art. 805º a 809º CPC)
III.
Acção Popular Penal
Os
crimes ambientais estão tipificados no Código Penal (danos contra a
natureza22, poluição23
e poluição com perigo comum24),
existindo ainda incriminações em diplomas avulsos, nomeadamente na
regulamentação da caça.
Sendo
provada a prática de um crime será aplicável uma pena de prisão
ou de multa.
As
pessoas colectivas, como por exemplo, as empresas, não são
responsáveis criminalmente, apenas o podendo ser os indivíduos que
agem em seu nome, desde que quanto a eles se demonstrem preenchidos
todos os requisitos do tipo penal (ilicitude, dolo,culpa e
punibilidade).
Os
cidadãos e as ONGA podem intervir num processo crime de diversas
formas25:
a.
Apresentando uma denúncia, queixa ou participação ao Ministério
Público (este organismo tem o dever de abrir um inquérito para
averiguar se existem indícios da prática do respectivo crime),
b.
Constituindo-se assistentes no processo, o que lhes permite:
1.
Intervir em várias fases do processo oferecendo provas e requerendo
as
diligências
que se afigurarem necessárias,
2.
Deduzir acusação e requerer abertura de instrução,
3.
Interpor recurso das decisões que os afectem.
A
LAP não prevê expressamente a possibilidade de apresentar pedido de
indemnização civil no âmbito do processo penal quando se trata de
uma acção popular. Alguns tribunais já têm, contudo, recusado
apreciar tais pedidos apresentados por ONGA ou cidadãos, recorrendo
a uma norma do Código de Processo Penal26 que permite ao tribunal
remeter oficiosamente as partes para tribunais civis quando as
questões suscitadas forem susceptíveis de gerar incidentes que
retardem intoleravelmente o processo penal.
- Poderes especiais do tribunal
Tendo
em atenção o carácter supra-individual dos interesses em causa, e
no sentido de assegurar o princípio da igualdade substancial das
partes (muitas vezes posto em causa quando o réu é o Estado ou uma
grande empresa), bem como para evitar representações abusivas, a
Lei de Acção Popular confere um papel bastante activo ao juiz neste
tipo de processos judiciais.
Logo
após a recepção da petição inicial, ouvido o Ministério Público
e feitas preliminarmente as averiguações que o juiz tenha por
justificadas ou que o Ministério Público ou Autor solicitem, pode o
juiz indeferir liminarmente o pedido caso entenda que é
manifestamente improvável a respectiva procedência27.
22
artigo 278º do Código Penal
23
artigo 279º do Código Penal
24
artigo 279º do Código Penal
25
artigo 25º da LAP e artigos 68º, 69º e 70º do Código de Processo
Penal
26
artigo 82º n.º 3 do Código de Processo Penal
27
artigo 13º da LAP
No
momento de proferir a decisão final, o tribunal pode ainda decidir
pela improcedência do pedido fundado em motivações próprias do
caso concreto (por exemplo a utilização abusiva da acção popular
pelo autor para obter benefícios próprios), excluindo assim a
vinculatividade erga omnes do caso julgado28,
o que salvaguarda os verdadeiros titulares do interesse em causa.
Ainda
que limitado às questões fundamentais definidas pelas partes, o
juiz tem iniciativa própria em matéria de recolha de provas, sem
estar vinculado à iniciativa das partes (ao contrário do que
acontece nas regras gerais de processo civil)29.
Finalmente,
outra excepção às regras processuais gerais é a, já referida,
possibilidade do juiz conferir eficácia suspensiva a um recurso,
para evitar dano irreparável ou de difícil reparação, ainda que a
lei não preveja esse efeito para o recurso30.
Como se anotou acima, alguns tribunais têm entendido que se trata
aqui de conferir eficácia suspensiva no momento de apresentação do
pedido de anulação de acto administrativo (designado pela lei
processual administrativa anterior como “recurso contencioso de
anulação”), enquanto que outras decisões defendem que a
aplicabilidade desta norma ao recursos proprio sensu, ou seja,
aos pedidos de revisão de uma sentença apresentados perante um
tribunal superior.
- Patrocínio judiciário
Nos
processos da competência dos tribunais administrativos a
constituição de advogado é sempre obrigatória31.
Já
na jurisdição civil, o patrocínio por advogado só é
obrigatório32 nas causas
em que seja admissível recurso, ou em função da matéria ou em
função do valor da causa (ou seja, quando este ultrapasse o valor
da alçada do tribunal de que se recorre33).
As acções sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor
equivalente à alçada da Relação e mais € 0,0134, tornando-se,
consequentemente, obrigatória a presença de um advogado.
Os
assistentes em processo penal são sempre representados por
advogado35.
A
parte vencida numa acção está, em princípio, obrigada a
reembolsar a outra parte das quantias devidas a título de
procuradoria, uma quantia que deveria cobrir os encargos com o
patrocínio judiciário. A LAP expressamente determina que o juiz
deve arbitrar o montante da procuradoria de acordo com a complexidade
e o valor da causa36. No entanto, na ausência de critérios
subjectivos a jurisprudência tem sido muito restritiva, não
permitindo muitas vezes o reembolso de valores que minimamente
correspondam às despesas com advogados e outras.
28
artigo 19º n.º 1 da LAP
29
artigo 17º da LAP
30
artigo 18º da LAP
31
artigo 11º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos
32
artigo 32º do Código de Processo Civil
33
a alçada do tribunal de primeira instância é de (euro) 3 740,98 e
a alçada dos tribunais da Relação é de
(euro)
14 963,94
34
artigo 312º do Código de Processo Civil
35
artigo 70º do Código de Processo Penal
36
artigo 21º da LAP
Em
princípio, seria possível recorrer ao regime do apoio judiciário,
na modalidade da nomeação e/ou dispensa de honorários ao patrono.
A Lei n.º 30-E/2000 de 20-12, que define o regime de acesso ao
direito e aos tribunais, com o objectivo de cumprir a exigência
constitucional de garantir que a justiça não seja denegada por
insuficiência de meios económicos, no seu artigo 9º remete para
regulamentação posterior a definição dos esquemas destinados à
tutela de interesses difusos e dos direitos só indirecta ou
reflexamente lesados ou ameaçados de lesão. Esta regulamentação
continua sem existir, levantando a questão de uma possível
inconstitucionalidade por omissão.
- Custas judiciais
Motivos
económicos não devem ser um obstáculo ao acesso ao direito e,
nomeadamente, à utilização da acção popular.
A
Lei n.º 35/98 de 18-07 isenta as ONGA do pagamento de preparos,
custas e imposto do selo devidos pela sua intervenção nos processos
que intentem para a protecção do ambiente.
O
novo Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
324/2003 de 27 deDezembro e que entrou em vigor em 1 de Janeiro de
2004, passou a consagrar também a isenção de custas para qualquer
“cidadão, associação ou fundação que seja parte activa em
processos destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente
protegidos, nos termos do n.º 3 do artigo 52º da Constituição da
República Portuguesa, salvo em caso de manifesta improcedência do
pedido” (artigo 2º n.º 1 d) do Código das Custas). Ficam assim
cobertos todos os casos de acção popular e ressalvam-se,
simultaneamente, os casos de utilização abusiva deste meio
processual.
- Publicidade da decisão
Uma
vez que o objecto de uma acção popular diz respeito e interessa a
uma generalidade de indivíduos, as decisões judiciais aí
proferidas são publicadas, a expensas da parte vencida, em dois dos
jornais presumivelmente lidos pelo universo dos interessados no seu
conhecimento, à escolha do juiz da causa, que poderá determinar que
a publicação se faça por extracto dos seus aspectos essenciais,
quando a sua extensão desaconselhar a publicação por inteiro37.
- Procedimentos administrativos
A
Lei n.º 65/93 de 26 de Agosto (Lei de Acesso aos Documentos da
Administração [LADA]) consagra o princípio da Administração
aberta, concedendo a todos o direito à informação mediante o
acesso, consulta e reprodução dos documentos administrativos não
nominativos que têm origem ou são detidos por órgãos do Estado e
das Regiões Autónomas que exerçam funções administrativas,
órgãos dos institutos públicos e das associações públicas e
órgãos das autarquias locais, suas associações e federações e
outras entidades no exercício de poderes de autoridade. Possuindo um
âmbito material mais vasto, o diploma abrange o acesso à informação
ambiental, transpondo a directiva n.º90/313/CEE de 17 de Junho.
37
artigo 19 da LAP
Nos
casos em que a Administração recuse o acesso aos documentos
solicitados, a LADA prevê a possibilidade de apresentação de uma
queixa perante a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos
(CADA), uma entidade pública independente que funciona junto da
Assembleia da República. A CADA pronuncia-se sobre a queixa
apresentada num prazo de 30 dias, emitindo um relatório de
apreciação da situação que deverá ser tido em conta, embora sem
valor vinculativo, pelo órgão administrativo reclamado para a
tomada de uma decisão final, em segunda leitura. Se persistir a
recusa no acesso ao documentoresta o recurso à via judicial, perante
os tribunais administrativos, como descrito acima.
O
procedimento perante a CADA não envolve qualquer custo.
- Processos de contra-ordenação
Apesar
de os processos contra-ordenacionais representarem, porventura, a
forma de repressão mais frequente contra violações de normas
ambientais, a possibilidade de intervenção de cidadãos e ONGAs nos
mesmos é muito limitada. Apenas podem apresentar, junto da
autoridade administrativa competente, uma denúncia da prática de
uma contra-ordenação38, não podendo intervir como parte no
processo que a partir daí se iniciará (nem na fase administrativa
nem na eventual fase de impugnação judicial).
As
ONGA podem acompanhar o processo de contra-ordenação, quando o
requeiram, apresentando memoriais, pareceres técnicos, sugestões de
exames ou outras diligências de provas até que o processo esteja
pronto para decisão final, mas não podem recorrer judicialmente da
decisão administrativa que aplique (ou não) uma coima, nem
constituir-se como assistentes39.
Dada
o limitado alcance da intervenção de cidadãos e ONGA nestes
processos, e a quase impossibilidade prática de a detectar, o
levantamento de dados que a seguir se apresenta, não abrangeu
processos de contra-ordenação.
38
artigo 54º do Decreto Lei n.º 433/82 de 27-10 (Regime Geral das
Contra-ordenações)
39
artigo 10º d) Lei das ONGA
Resultados
Empíricos
Os
números são bastantes baixos, o que de imediato permite retirar uma
das principais conclusões do relatório nacional que foi
apresentado: apesar de amplamente permitido na lei, o direito de
acção
popular tem sido escassamente utilizado em Portugal.
Uma
análise mais detalhada dos resultados parciais permite retirar
outras conclusões interessantes e perceber melhor os eventuais
obstáculos a um maior acesso aos tribunais.
O
maior volume de processos judiciais perante os tribunais
administrativos (cerca de 60% do total das acções
identificadas) evidencia talvez que a actividade da Administração
Pública constitui uma frequente ameaça ao ambiente, ou pelo menos a
mais combatida.
Contudo,
o sucesso obtido com estes processos é bastante reduzido,
principalmente tendo em conta que, de entre os processos
identificados, a grande maioria das acções ganhas dizem respeito a
pedidos de acesso a documentos administrativos, não se traduzindo
por isso numa protecção directa do ambiente. É ainda significativo
o número de acções que improcedem por motivos formais, o que se
justificará pela complexidade e formalismo do contencioso
administrativo.
Em
termos de mecanismos processuais utilizados é ainda interessante
assinalar que, à parte do pedido de intimação para consulta de
documentos (foram identificados 22 pedidos e, de acordo com as
entrevistas realizadas este número é extremamente inferior ao
volume real deste tipo de pedidos), o contencioso administrativo
esteve ainda muito centrado na anulação do acto administrativo (19
acções identificadas), geralmente precedido do pedido de suspensão
da eficácia do acto (em nove situações). Talvez a reforma do
contencioso administrativo conduza a uma maior diversidade no tipo de
litigação.
As
acções judiciais administrativas listadas dizem essencialmente
respeito a questões no âmbito do direito do urbanismo e ordenamento
do território, protecção da natureza (áreasprotegidas), água e,
em menor escala, resíduos.
O
menor número de acções identificadas nos tribunais cíveis é
compensado por uma maior taxa de decisões que analisam a
substância dos pedidos e que concedem um provimento total ou parcial
do pedido garantindo uma protecção efectiva do ambiente. Parece
haver uma maior receptividade dos tribunais civis aos novos
princípiosdo Direito do Ambiente40 e, eventualmente, um maior
equilíbrio entre as partes (o réu já não é o Estado com a sua
auctoritas, embora por vezes seja uma empresa com considerável
poder económico). Ainda assim, as dificuldades de interpretação
das regras de competência e de distinção entre a jurisdição
civil e administrativa foram responsáveis pelas decisões de não
provimento por motivos formais assinaladas no quadro abaixo.
Os
pedidos apresentados nos tribunais cíveis, nas acções
identificadas, respeitam essencialmente a actividades de particulares
lesivas da natureza (áreas ou espécies protegidas – 14 acções),
ou causadoras de poluição atmosférica (4 acções) ou de resíduos
(4acções). O genérico direito a um ambiente sadio e ecologicamente
equilibrado também surge muitas vezes invocado (7 acções).
A
protecção do ambiente em acções cíveis surge ainda muitas vezes
como um reflexo, ou uma consequência indirecta da defesa de
interesses individuais (ex. a propriedade) essencialmente no âmbito
das relações de vizinhança.
Quanto
aos processos judiciais por crimes ambientais, apenas em 11
situações foi possível determinar em concreto a existência de um
impulso processual (denúncia ou queixa) ou outra intervenção por
parte de ONGAs ou cidadãos. Cinco destes processos terminaram com o
arquivamento determinado pelo Ministério Público após o inquérito.
Em
alguns destes casos esteve em causa o preenchimento do conceito de
poluição “em medida inadmissível” contido na norma
penal do crime de poluição, a qual deixa alguma margem de
discricionariedade ao aplicador.
Talvez
pelas lacunas legais ainda existentes, são quase inexistentes as
acções de responsabilidade (subjectiva e objectiva) por danos
ambientais em qualquer das jurisdições.
40
As decisões do Tribunal da Relação de Évora e do Supremo Tribunal
de Justiça analisadas a propósito do
estudo
de caso fazem, inclusivamente, uma extensa análise e reflexão
acerca dos princípios basilares do
Direito
do Ambiente, ultrapassando a mera resolução da questão sub
judice
Principais
conclusões retiradas
A
publicação da Lei de Acção Popular em 1995 constitui um progresso
considerável em termos da criação de condições de acesso à
justiça em matérias ambientais por parte de cidadãos e ONGAs. Em
execução do imperativo constitucional a LAP permite um amplo acesso
aos tribunais, com a possibilidade de utilização de todos os
mecanismos processuais disponíveis no nosso ordenamento. Portugal é,
deste modo, um dos países europeus comum sistema mais progressivo e
aberto em termos de meios colocados à disposição dos cidadãos e
ONGAs para protecção do ambiente.
Comparando
os dados actuais com os resultados apresentados por um outro estudo
referente ao período de aproximadamente 5 anos, imediatamente
anterior a 1995, de imediato se verifica o efeito potenciador da Lei
de Acção Popular. José Manuel Pureza em “Tribunais, Natureza e
Sociedade: O Direito do Ambiente em Portugal”41 identificou 24
processos judiciais cíveis (20 deles propostos por cidadãos), 20
processos crime (todos iniciados por iniciativa do Ministério
Público) e 16 acções em tribunais administrativos (5 propostos por
cidadãos, 1 por uma ONGA e os restantes pelo Ministério Público).
Este estudo abrangeu tanto casos onde estava em causa apenas a
protecção de um interesse difuso, como também de interesses
privados e individuais.
No
entanto, a insignificância dos valores obtidos face aos números
totais das estatísticas da justiça em Portugal42, por um lado, e o
facto de, apesar de ser o único com a acção popular, o nosso país
ser dos que apresentou uma mais baixa taxa de litigação de entre os
oito participantes no estudo, por outro, são indícios fortes da
persistência de alguns obstáculos a uma maior e mais eficaz
utilização dos tribunais para tutela de bens ambientais. Ora é,
então possível identificar os seguintes factores condicionantes:
(a)
lacunas na regulamentação da acção popular, nomeadamente no que
respeita à
responsabilidade
por danos ambientais ou aos embargos administrativos (apenas
são
enunciados na lei, mas não concretamente regulamentados);
(b)
rigidez do contencioso administrativo e pouca permeabilidade dos
tribunais
administrativos
aos novos valores do Direito do Ambiente;
(c)
falta de meios, financeiros e humanos, por parte das ONGAs, ainda
muito baseadas em trabalho voluntário;
(d)
falta de conhecimento generalizado por parte dos cidadãos quanto aos
meios de
actuação
judicial à sua disposição;
(e)
descrença generalizada no sistema judicial (que leva a preferir
outros meios de
actuação,
nomeadamente, junto das instâncias comunitárias).
A
reforma do contencioso administrativo traz algumas esperanças quanto
à inversão da situação acima referida em (b) que tanto tem
dificultado uma eficaz protecção do ambiente em face da actuação
do Estado. Requer, no entanto, que seja desenvolvido um grande
esforço de formação de todos os operadores judiciários para que a
adaptação às novas regras seja fácil e rápida.
41
“Tribunais, Natureza e Sociedade: O Direito do Ambiente em
Portugal”, Pureza, José Manuel;
Frade,
Catarina; Dias, Cristina Silva, Centro de Estudos Sociais, Lisboa,
1997
42
No período de 1995 a 2001 deram entrada 4.789.702 acções nos
tribunais judiciais de 1ª instância e 399.776
processos
nos tribunais administrativos e fiscais, conforme dados publicados
pelo Ministério da Justiça em
Nota
deve também ser deixada no que se refere ao crescimento e
fortalecimento progressivo do movimento associativo, bem como à
iniciativa de constituição da CIDAMB – Associação para a
Cidadania Ambiental, expressamente vocacionada para facilitar a
utilização dos mecanismos à disposição do cidadão para
protecção do ambiente, nomeadamente a acção popular.
Finalmente,
deve ainda ser assinalado que, apesar do baixo número de processos e
do sucesso limitado através dos mesmos obtido, a utilização destes
mecanismos tem contribuído para uma mudança de mentalidades e um
despertar de atenções nos tribunais e nas autoridades públicas,
produzindo assim um efeito positivo na protecção do ambiente a
longo prazo.
Resultados Globais
1 –
Conclusões e recomendações formuladas à Comissão Europeia
A
análise dos resultados apresentados pelos oito países participantes
no estudo sobre as condições de exercício do direito de acesso aos
tribunais por ONGAs e cidadãos emmatérias ambientais permitiu
retirar as seguintes conclusões globais, que a seguir se enumeram
sumariamente:
- As acções propostas por ONGAs desempenham um papel cada vez mais significativo no direito ambiental, mas são de número ainda muito reduzido em comparação com o volume total de processos judiciais;
- São propostas acções judiciais em todos os sectores do direito do ambiente,com maior incidência nas questões da conservação da natureza, urbanismo e ordenamento do território;
- A taxa de sucesso dos processos intentados por ONGAs é alta;
- As acções propostas para protecção de um interesse geral, como o ambiente, têm efeitos positivos na aplicação e implementação das normas de direito do ambiente e na consciencialização do público relativamente aos seus direitos de participação;
- As condições sob as quais as ONGAs podem propor acções judiciais para protecção do interesse geral no ambiente diferem bastante nos vários Estados-Membros abrangidos pelo estudo;
- Existem limitações significativas no acesso das ONGAs aos mecanismos judiciais para tutela do ambiente, não só no que respeita aos requisitos legais (nomeadamente na definição da legitimidade), mas também em termos dos custos que uma acção judicial implica (custas judiciais, honorários de advogadose de peritos);
- As diferenças na admissibilidade da intervenção de ONGAs e no número de acções efectivamente propostas provocará, em consequência, diferenças na implementação do direito comunitário do ambiente.
Conclusão
Exige-se
que os processos ambientais, tal como regulamentados pelos
Estados-Membros, sejam adequados e eficazes, objectivos, equitativos,
rápidos e não proibitivamente onerosos.
No
que respeita aos membros do público exige-se que os mesmos possuam
interesse suficiente ou invoquem a infracção de um direito se a
legislação processual administrativa o requerer como condição
prévia. O que seja interesse suficiente ou infracção de um direito
é deixado à discricionariedade dos Estados-Membros, limitada pelo
objectivo de garantir um amplo acesso à justiça.
Sem comentários:
Enviar um comentário