domingo, 20 de maio de 2012

O regime jurídico do Licenciamento Ambiental


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Direito do Ambiente – 2º Semestre

2011/2012

O regime Jurídico do Licenciamento Ambiental


Trabalho realizado por:
Catarina Faria, nº 17229
Turma A, Subturma 7
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Índice

1. Notas introdutória
2. Licença ambiental – o que é?
3. A tramitação na licença ambiental
            Ÿ 3.1. Fase Prévia
            Ÿ 3.2. Pedido e Instrução do pedido
            Ÿ 3.3. Avaliação Técnica
            Ÿ 3.4. Acesso à informação e participação pública
            Ÿ 3.5. A decisão final
4. Indeferimento da Licença
5. Deferimento tácito
6. Licença Ambiental e outros regimes jurídicos
7. Conclusão
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 1. Notas Introdutórias
Cientes da importância do Direito do Ambiente como disciplina jurídica e da Licença Ambiental como um dos mecanismos dirigidos à prevenção de protecção jurídica do ambiente, decidimos debruçar-nos neste tema: a licença ambiental e o seu regime jurídico.
Neste trabalho, tentámos não só esclarecer alguns aspectos do Regime, plasmado no DL. 173/2008, como estabelecer algumas comparações relativamente ao regime anterior, o DL 194/2000, que representou a introdução da Licença Ambiental na ordem jurídica portuguesa.
Tal como determina o próprio preâmbulo do regime, depois de oito anos de vigência do Regime em apreço “resulta a necessidade de proceder à sua actualização, por forma a adequar e tornar mais célere o procedimento de licença ambiental nele previsto, harmonizando-o com outros regimes jurídicos que prevêem, igualmente, procedimentos de licenciamento ou autorização de instalações”. No novo regime veio então espelhada a necessidade de uma maior celeridade e eficiência dos procedimentos de concessão de licenças, bem como a harmonização com os regimes de exercício da actividade industrial e da actividade pecuária.
A licença ambiental constitui um elemento indispensável das políticas públicas de prevenção e combate integrado à poluição, representando uma das armas constitucionais e comunitárias à protecção do ambiente, ainda que tenha sido precedida de outros instrumentos de semelhante índole, como a Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril), onde já se falava na necessidade de um procedimento de licenciamento das actividades potencial ou efectivamente poluidoras, e onde a licença ambiental era referida no art.27 nº1, al.h).
A própria Constituição da República Portuguesa elenca, no seu art.66, quais as incumbências do Estado concernentes a assegurar o direito ao ambiente, atribuindo-lhe inclusivamente [na al.a) do nº2] a tarefa de “prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão”.
Como elemento essencial e impulsionador da introdução do regime em Portugal, destacamos também o Direito da União Europeia, inclusivamente o Tratado da Comunidade Europeia, onde foi prevista a necessidade de prevenção, controlo e eliminação da poluição (dentro do possível), isto no âmbito do princípio da prevenção plasmado no art.174 nº2. Ainda para demonstrar a importância do Direito Comunitário no âmbito da Licença ambiental e seu regime, destacamos a Directiva 96/91/CE como fonte primária do DL. 194/2000, já que foi ela que originou a sua aprovação.
Ainda hoje esta importância é evidente, mais que não seja pelo facto de terem sido alterações introduzidas no plano comunitário que levaram à reforma legislativa e à aprovação do novo diploma regulador da licença ambiental, o já referido DL. 173/2008 (que, mais especificamente, veio transpor para a nossa ordem jurídica a Directiva 2008/1/CE, tal como refere o art.1º, relativo ao objecto do Diploma).

2. Licença Ambiental – O que é?
A Licença Ambiental é um dos instrumentos jurídicos mais importantes no âmbito do Direito do Ambiente, já que estabelece medidas destinadas a evitar ou reduzir as emissões poluentes; nesta medida, ela é indispensável no quadro das políticas públicas de prevenção e combate à poluição
O conceito de licença ambiental encontra-se estipulado no art. 2º, alínea i) do Decreto-Lei 173/2008, que veio alterar o regime jurídico da prevenção e controlo integrado da poluição, antes regulado pelo Decreto-Lei 194/2000 (este novo diploma resultou da necessidade de adequação do regime à Directiva 2008/1/CE, bem como da urgência de uma maior celeridade e eficiência aos procedimentos de concessão de licenças).
Nesta nova redacção da definição de licença ambiental veio-se, enfim, determinar que o seu objectivo redunda à prevenção e o controlo integrados da poluição proveniente de instalações abrangidas pelo diploma, sendo ela, para estes efeitos, uma condição necessária de exploração das novas instalações (já no DL 194/2000, ela era condição necessária do licenciamento ou autorização dessas instalações).
A licença deixa de ser uma condição da emissão de licenciamento ou autorização legislativa em causa, passando a ser parte da decisão da entidade coordenadora do procedimento global quanto ao início da exploração (art. 9º, número 2 do novo Diploma). A licença é, então, apenas indispensável e essencial quanto ao início de exploração da instalação.
Desta alteração resultaram vantagens para os particulares, mas não só. Vantagens porque, com o estabelecimento da licença ambiental como mera condição de exploração das novas instalações, abre-se caminho para que o particular avance com os restantes procedimentos de licenciamento necessários à concretização do projecto, garantindo-se assim uma maior celeridade procedimental e, por outro lado, uma maior desburocratização. Desvantagens, na medida em que o disposto pode aumentar o risco do particular, ficando este na iminente possibilidade de, depois de realizar investimentos nas instalações, se vê obrigado a enfrentar um obstáculo inultrapassável de última hora.
Nestes casos, e tendo em conta que todas as decisões proferidas com falta de licença ambiental (ou seu indeferimento tácito) são nulas (art. 9º, nº4), o particular fica com a possibilidade única de proceder a alterações à instalação.
A licença ambiental tem um tempo de duração máxima de 10 anos [art. 18º, nº2, al. g)], tendo sido eliminado os 5 anos de duração mínima que se previam no regime anterior. Ela deve fixar os valores limites de emissão para as substâncias poluentes, indicar medidas de protecção de solo e água, de gestão de resíduos e de ruído, assim como medidas de monitorização das emissões (cujos dados devem ser comunicados periodicamente à APA) e medidas relativas às condições não habituais de exploração que possam afectar o ambiente. Ela tem ainda no seu conteúdo obrigações de informação de incidentes à APA, à entidade coordenadora e ao IGAOT (art. 18º, nº2).
Relativamente ao âmbito de aplicação da licença, a alínea i) do art. 2º refere “instalação” sendo que, mais concretamente, esta vem definida na aliena h) do mesmo artigo. No entanto, com o novo regime ocorreu uma importante alteração do âmbito de aplicação do regime da licença ambiental relativamente às alterações substanciais das instalações.
Verificou-se assim um alargamento do conceito “alterações substanciais das instalações”, sendo que passou a ser considerada como tal “qualquer modificação ou ampliação de uma instalação que seja susceptível de produzir efeitos nocivos e significativos nas pessoas ou no ambiente ou cuja ampliação, em si mesma, corresponda aos limiares estabelecidos no anexo I” [art. 2º, al.) b]. Ou seja, basta que exista uma alteração a uma instalação susceptível de produzir efeitos nocivos e significativos, para que se venha activar o regime de sujeição a nova licença ambiental.
O art.3º manda aplicar o DL às instalações, tal como definidas na al. h) do art.2º, excluindo de seguida o âmbito de aplicação a instalações ou parte delas usadas exclusivamente para investigação, desenvolvimento ou experimentação de novos produtos ou processos.
Ainda relativamente ao âmbito de aplicação, nos termos do art.4º existe a possibilidade de o particular pedir a exclusão do regime de licença ambiental, ainda que, mesmo assim, existe uma garantia de acompanhamento da instalação por parte da Administração, por forma do nº5 do mesmo artigo.
Mais inovações se fizeram sentir com a entrada em vigor do novo regime, incluindo no que refere a entidades passíveis de intervir no procedimento, tendo o número de intervenientes principais sido reduzido a duas entidades: entidade coordenadora e a Agência Portuguesa do Ambiente. De resto, as entidades intermediárias passaram a ter um papel meramente secundário, de apoio à realização da conduta pública (art.15º).
Relativamente à Comissão Consultiva para a Prevenção e Controlo Integrado da Poluição, esta manteve o seu papel de acompanhamento da aplicação da lei e monitorização da evolução das melhores técnicas disponíveis (art.8º).
A Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, as CCDR e as Administrações de Região Hidrográfica ficaram, por sua vez, com o papel de fiscalização e inspecção.
Por fim, quanto à força jurídica da licença ambiental, há que sublinhar o seu papel essencial na conclusão do procedimento autorizativo global, já que todas as decisões relativas ao início da exploração proferidas sem esta licença são sancionadas com nulidade. Ou seja, ainda que a licença tenha deixado de ser condição para o licenciamento ou autorização da actividade em causa e seja agora uma condição de início da exploração da instalação, continuam a existir consequências decorrentes da sua violação ou da prática de actos na sua falta (o que difere agora é que essas consequências vão produzir-se numa fase mais avançada do procedimento).
 
 
3. A tramitação na licença ambiental
3.1 - Fase Prévia
O Processo inicia-se com uma fase prévia em relação aos casos de alterações à instalação, tendo sido introduzidas novidades pelo novo regime neste âmbito. De novo, veio o art.10º passar a prever com maior detalhe os prazos aplicáveis após a comunicação pelo privado (ou operador) à entidade coordenadora de que pretende proceder a alterações à instalação, estabelecendo no seu número 1 que “o operador deve comunicar à EC qualquer proposta de alteração da exploração da instalação”, devendo esta obrigada a remeter a proposta à APA no prazo de três dias para que esta deduza apreciação. Esta pronúncia deve ocorrer no prazo de 15 dias, e deve incidir no facto de a alteração em questão configurar ou não uma alteração substancial que careça de novo licenciamento (art.10, nº2).
Se se concluir que a alteração é substancial a APA deve comunicar à EC a necessidade de o operador desencadear o pedido de licença ambiental.
Já se a conclusão incidir sobre a existência de uma alteração não substancial, a APA dispõe de 30 dias para proceder ao aditamento dos elementos relevantes à licença ambiental já emitida (art.10, nº3).

3.2 - O Pedido e a instrução do pedido
O art.11º do DL 173/2008 vem regular o Pedido, sendo que daí se retira que o procedimento se desencadeia mediante a apresentação do pedido pelo operador junto da entidade coordenadora. O operador deve apresentar à EC o pedido em formulário único, devendo fazer constar os elementos referidos nas alíneas a) a n) do art.
Este elenco de elementos é muito semelhante ao presente na legislação anterior, sendo de sublinhar a novidade que constitui a possibilidade de entrega simultânea de dados relativos a outros procedimentos autorizativos em matéria ambiental.
Da al. m) do artigo em questão decorrem duas situações de articulação facultativa entre procedimentos administrativos em matéria ambiental, devendo ser entregues os dados relevantes para a apreciação do pedido de título de emissão de fases com efeitos de estufa e dados relevantes para o pedido de título de utilização de recursos hídricos, quando o operador tiver apresentado esses pedidos em simultaneamente nos termos dos artigos 25 nº2 e 26 nº2.
Na al. n) encontramos ainda duas entidades sujeitas a uma eventual articulação com o procedimento de licenciamento ambiental nos termos do art.12º (casos de sujeição da instalação a avaliação de impacto ambiental ou ao regime de prevenção de acidentes graves que envolvam substâncias perigosas).
Os regimes a aplicar variam consoante os procedimentos em causa, sendo que no caso de uma instalação sujeita a AIA (avaliação de impacto ambiental), o pedido de licença ambiental é entregue depois da emissão de declaração de impacto ambiental (DIA) favorável, se a AIA decorrer em fase de projecto de execução; depois da emissão de parecer relativo à conformidade do projecto de execução com a DIA, se a AIA decorrer em fase de estudo prévio; depois da decisão de dispensa de procedimento de AIA; e no fim do decurso do prazo necessário para o deferimento tácito nos termos do regime da AIA.
O nº3 do art.12º descreve a possibilidade de o operador optar por desencadear simultaneamente o procedimento de licenciamento ambiental e o procedimento de AIA, desde que este seja relativo a um projecto de execução.
Já no caso previsto na al. n) do art.11º (instalação sujeita ao regime jurídico de prevenção de acidentes graves que envolvam substâncias perigosas), o pedido de licença ambiental é entregue depois de emitido um parecer da APA favorável à localização e da aprovação do relatório de segurança.
Tal como no caso referido anteriormente, também aqui tem o operador a possibilidade de decidir pela realização em simultâneo dos procedimentos de licenciamento ambiental e de prevenção de acidentes graves que envolvam substâncias perigosas.
Passando para a fase da instrução do pedido (art.13º), e já recebido o pedido de licença ambiental, a APA dispõe de 15 dias para verificar a presença da totalidade dos elementos exigidos. Nestes 15 dias pode haver uma conferência instrutória, por iniciativa da APA, onde o operador é chamado a participar e onde são abordados os aspectos considerados necessários para a boa decisão do pedido (nº3).
Se não se verificar a presença de todos os elementos necessários, ou se concluir pela não conformidade do pedido com os requisitos legais, a APA pode escolher entre: solicitar esclarecimentos complementares ao operador (art.13, nº2) assim como o aditamento ou reformulação do pedido (a que o operador fica adstrito no prazo de 45 dias [nº4]), sob pena de indeferimento (quando assim é, o prazo para decisão de licença ambiental suspende-se na data em que a CE recebe o pedido da APA, só vindo a retomar com a recepção por esta entidade de todos os elementos solicitados); indeferir liminarmente o pedido, em caso de impossibilidade de suprimento ou correcção dos elementos em falta [art.13, nº2, al. b)], daí resultando a extinção do procedimento.
Se nenhuma das opções indicadas for seguida, considera-se que o pedido está correctamente instruído (art.13 nº7).

3.3 - Avaliação técnica
Após a instrução a APA inicia uma fase de apreciação técnica do pedido de licença, no âmbito da qual pode realizar visitas técnicas ao local da instalação, bem como reuniões com o operador (art.14 nº 2). Aqui é garantida uma “abordagem integrada e efectiva de todas as vertentes ambientais que assegure a poluição e o controlo da poluição para a água, o ar e o solo, incluindo medidas relativas ao ruído e aos resíduos, de modo a assegurar um nível elevado de protecção do ambiente no seu todo” (nº 1).

3.4 - Acesso à informação e participação pública
Com a regular instrução dos pedidos referidos no nº1 do art.15, eles são divulgados pela APA, com o fim de garantir a informação e participação do público, garantindo-se assim a participação dos particulares. O nº2 do artigo estabelece quais os elementos que a divulgação em questão deve abranger e, por sua vez, o nº3 indica a forma de publicitação (anúncio em jornal de circulação nacional, regional ou local; afixação de edital na CCDR e câmara municipal da área de localização; e divulgação pela Internet). Os pedidos devem ainda ser disponibilizados ao público nas instalações da APA e da CCDR durante 15 ou 20 dias, consoante os casos (nº4), sendo que no decurso deste prazo o público interessado pode apresentar sugestões e observações por escrito junto da APA (nº6).
Há uma diminuição do prazo de disponibilização ao público dos elementos referidos relativamente ao regime anterior, sendo que para os projectos não sujeitos a avaliação de impacto ambiental o legislador subtraiu 10 dias ao período de participação pública. Ainda neste âmbito, se tiver existido apresentação simultânea de pedidos de AIA e de licença ambiental, a participação pública de ambos os procedimentos deve ocorrer em simultâneo (art.15 nº8).

3.5 - A decisão final
Quanto à fase de decisão final, esta veio a ser objecto de uma redução de prazos com a instituição do DL 173/2008.
O prazo geral (sem que tenha havido procedimento de AIA) é de 75 dias (art.16 nº1), menos 15 dias do que no regime anterior; caso tenha havido prévia avaliação de impacto ambiental, o prazo é de 55 dias (redução de 5 dias face ao regime anterior). Ambos estes prazos podem ser reduzidos para metade caso o pedido de licença ambiental tenha sido validado por entidade acreditada (nº3).
No caso de tramitação simultânea dos procedimentos de avaliação de impacto ambiental ou de prevenção de acidentes graves com substâncias perigosas e de pedidos de licenciamento ambiental, o prazo de 10 dias começa a contar a partir da emissão da declaração de impacto ambiental ou da emissão de parecer de localização ou da aprovação do relatório de segurança (nº4).
Nos casos em que é necessário título de utilização de recursos hídricos para exploração da instalação e este não seja emitido até ao termo dos prazos gerais do art.16, a decisão sobre a emissão de licença ambiental é proferida no prazo de 3 dias após a recepção do título de utilização de recursos hídricos pela APA (nº5).
Esta tendência de diminuição de frases em relação ao regime anterior pode levar a que seja questionada a qualidade da decisão final e a adequada ponderação de todos os elementos.


4. Indeferimento da licença
Os fundamentos nos quais pode assentar o indeferimento do pedido de licença ambiental estão elencados no art.16 nº6, sendo eles: a existência de DIA desfavorável, caso o procedimento tenha corrido em simultâneo com a avaliação de impacto ambiental [al.a)]; o parecer desfavorável à localização ou não aprovação do relatório de segurança, caso o procedimento tenha ocorrido em simultâneo com o procedimento do regime de prevenção de acidentes graves com substâncias perigosas [al.b)]; o indeferimento do pedido de título de utilização dos recursos hídricos ou de título d emissão de gases com efeitos de estufa [al.c)]; a incapacidade da instalação atingir os valores limite de emissão [al.d)]; a desconformidade das condições de exploração da instalação com as melhores técnicas disponíveis, designadamente a incapacidade de atingir valores de emissão dentro da gama de valores de emissão associados a essas técnicas [al.e)]; e, por fim, as demais características e especificações de instalação descritas no pedido de licença ambiental que contrariem ou não cumpram condicionamentos legais e regulamentares em vigor, e desde que tais desconformidades tenham relevo suficiente para a não permissão do início da exploração da instalação [al.f)].
Previamente, no âmbito do DL 154/2000, era no art.21º onde constavam os fundamentos do indeferimento, sendo que o número 2 deste artigo remetia para o incumprimento dos requisitos do diploma, incluindo os princípios gerais mencionados no art.8º, ou para o incumprimento de critérios formais, isto é, a falta dos elementos elencados no art.17º.
Isto era, obviamente, demasiado abstracto, sobretudo comparando com a opção tomada pelo novo regime, que veio incluir um elenco vasto de fundamentos do indeferimento do pedido de licença ambiental, tal como indicado supra.
Os fundamentos constantes das alíneas a), b) e c) espelham a necessária articulação do regime de licença ambiental com outros procedimentos obrigatórios em matéria ambiental, como a AIA (avaliação de impacto ambiental [al.a)]), ou o procedimento do regime de prevenção de acidentes graves que envolvem substâncias perigosas [al.b)], já que decorrendo os procedimentos em paralelo, existe uma relação de dependência entre os dois.
As alíneas seguintes do art.16º são já centradas na própria avaliação do procedimento de licenciamento ambiental, sendo que, na alínea d) o critério em causa é objectivo, já que têm a ver com valores que, quando ultrapassados, determinam o indeferimento da licença. Não há aqui qualquer margem para discricionariedade, contrariamente à al.e), onde já se pressupõe a concretização do conceito de Melhores Técnicas Disponíveis, sendo que esta concretização não depende de valores e medidas numéricas. Por fim, a al.f) é aquela que maior grau de abertura confere ao intérprete, já que remete genericamente para o incumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis.

5. Deferimento tácito
No novo regime procedeu-se a uma outra alteração, desta feita considerada negativa, que consiste na consagração do diferimento tácito como regra em caso de silêncio da Administração, uma vez decorridos os prazos para a tomada de decisão.
Esta opção vem expressamente regulada do art.17º do DL 173/2008, cuja epígrafe não deixa margem para dúvidas: “deferimento tácito”.
Estabelece então o número 1 do art. Que decorrido o prazo para a decisão do pedido de licença ambiental, sem que a APA tenha proferido decisão, e sem que se verifique qualquer causa de indeferimento constante nas alíneas do art.16º nº6, considera-se tacitamente deferida a pretensão do operador.
Já o número 4 do mesmo artigo dispõe que o diferimento tácito não prejudica a obrigatoriedade de cumprimento, pelo operador, do conteúdo do pedido de licença ambiental, assim como do cumprimento dos valores limite de emissão aplicáveis, bem como do cumprimento dos valores de emissão associados à utilização das melhores técnicas disponíveis, nem o dever de informação constantes no art.18 nº2, als.d) e f).
É de notar que esta introdução do deferimento tácito tem sido objecto de várias críticas negativas, havendo quem diga que esta é contrária à finalidade do regime jurídico da licença ambiental, já que o que com ele se pretende é assegurar a intervenção obrigatória de uma entidade administrativa antes do início de exploração de uma instalação poluente, objectivo este que fica obviamente descurado mediante a possibilidade de deferimento tácito.
As críticas apontam também uma desconformidade desta figura não só com a Lei de Bases do Ambiente, como com o a própria Constituição da República Portuguesa, já que ao afastar a necessidade de prévia apreciação por uma entidade pública, há uma violação do princípio da prevenção [art.66, nº2, al.a)], já que os poderes públicos renunciam a uma intervenção que lhes é imposta pela Constituição.
Ainda neste sentido, referem que a adopção do diferimento tácito viola também o disposto na Directiva 2008/1/CE, já que esta determina a obrigatoriedade de adopção pelos Estados Membros das medidas necessárias para que nenhuma instalação seja explorada sem licença, o que mais uma vez é contrariado pela instituição do diferimento tácito.
São ainda levantadas objecções relativamente à própria construção jurídica da figura do diferimento tácito no âmbito do regime, já que o legislador veio exigir a presença de elementos adicionais à formação do diferimento tácito (não podendo verificar-se qualquer das causas de indeferimento previstas no art. 16º nº 6), o que representa uma contradição com a própria natureza e função do deferimento tácito, que devia limitar-se à atribuição de um efeito ao silêncio da Administração.

6. Licença ambiental e outros regimes jurídicos
Tal como já foi referido anteriormente, o regime do licenciamento ambiental apresenta uma preocupação e necessidade de articulação com outros procedimentos autorizativos em matéria ambiental, sendo que é possível encontrar não só disposições no diploma que relevam essa preocupação, como o próprio capítulo III do DL. 173/2008 é totalmente dedicado a essa articulação com outros regimes.
Relativamente à Avaliação de Impacto Ambiental, muito referida em outros pontos do nosso trabalho, pensamos que ficou esclarecido o facto de existirem aspectos do regime da licença ambiental que estão dependentes da prévia existência ou não de procedimento de Avaliação de Impacto Ambiental; assim como o facto de existirem disposições destinadas a habilitar a tramitação em paralelo dos dois procedimentos.
Quanto à Prevenção de acidentes graves com substâncias perigosas, verifica-se uma tendência de harmonização semelhante à exposta no parágrafo imediatamente anterior, tendo estes aspectos vindo a ser igualmente referidos ao longo do trabalho. Não só se veio clarificar que a entrega do pedido de licença só deve ocorrer após emissão de parecer favorável à localização ou aprovação do relatório de segurança, como são condicionantes para a atribuição de licença ambiental as conclusões a que o procedimento de prevenção de acidentes graves com substâncias perigosas chegar.
Tal como ocorre em sede de Avaliação de Impacto Ambiental, regista-se uma tendência à habilitação da tramitação simultânea deste procedimento com o procedimento de licença ambiental.
De seguida, vem o art.24º do DL fazer uma referência expressa à gestão de resíduos, sendo que, no entanto o preceito vem apenas remeter tal questão para a legislação aplicável (nº1 do artigo) e, no número 2, prever a apresentação conjunta do pedido de licença ambiental e do pedido de licenciamento das instalações onde sejam exercidas operações de gestão de resíduos (remissão para o art.11º).
Também no Capítulo III do Diploma, desta feita o art.25º, com a epígrafe “Comércio europeu de emissão de gases com efeito de estufa”, remete para o diploma que disciplina o procedimento de concessão dos títulos de emissão e vem, mais um vez, referir a possibilidade de apresentação conjunta com o formulário do procedimento de licenciamento ambiental.
Em sede de utilização dos recursos hídricos, foi adoptada uma solução idêntica à relativa aos procedimentos para o título de emissão de gases com efeito de estufa. O nº1 do art.26º determina os termos e a legislação que preceitua os títulos de utilização de recursos hídricos necessários para a exploração da instalação. O artigo vem mais uma vez prever a possibilidade de formulação em paralelo de pedidos, prevendo ainda que quando o procedimento dor desencadeado autonomamente junto das Administrações de Região Hidrográfica, estas têm um dever de articulação com a APA, relativamente às condições a estabelecer quanto aos limites de emissões (art.26 nº3); assim como o dever de remeter à APA o título emitido para que ele seja anexado à licença, não podendo esta ser emitida sem aquele título (art.26 nº4). Note-se que, apesar de este título ser anexado à licença ambiental, ele mantêm a sua autonomia e independência, regendo-se pelo DL 226-A/2007 (art.26 nº5).


 
Conclusão
Tal como esclarecemos no início deste trabalho, ao fazê-lo debruçámo-nos não só nos aspectos mais relevantes do regime de licenciamento ambiental, bem como tentámos abordar algumas das mudanças e evoluções relativamente ao antigo regime (DL. 194/2000), de maneira a, no final, podermos emitir uma opinião apreciativa quanto ao novo regime e alterações por ele introduzidas.
Das considerações feitas, concluímos então que a Licença Ambiental constitui um dos elementos essenciais à disposição da Administração para a prossecução do desenvolvimento económico sem descurar o uso dos recursos naturais, um dos objectivos propugnados pelo Estado na senda do princípio do desenvolvimento sustentável; sendo que, para isso, o regime da licença ambiental parte da ideia de saber se o desenvolvimento de uma actividade é susceptível de gerar poluição ou não.
Relativamente à comparação feita entre o novo e o velho regime de licença ambiental feita ao longo de todo o trabalho, temos que concluir por uma melhoria significativa introduzida pelo novo diploma, que vem responder às exigências de maior diligência e eficiência aos procedimentos de concessão de licenças, bem como à necessidade de harmonização deste licenciamento com ouros regimes e procedimentos administrativos.
A reforma legislativa veio propugnar uma simplificação legislativa e administrativa que, aliás, veio a ser conseguida não só em termos sistemáticos, como veio permitir uma maior facilidade de leitura e apreensão das normas pelos seus destinatários.
A economia e celeridade processual pode ser comprovada, nomeadamente, pela dispensa de apresentação pelos particulares de elementos que já se encontram na posse da Administração, e até pela própria articulação entre o regime jurídico da licença ambiental com os regimes de avaliação de impacto ambiental ou de prevenção de acidentes com substâncias perigosas.
Cremos então que, apesar do trabalho que ainda deve ser adoptado para uma melhoria ainda mais significativa do Regime (como a referida introdução do deferimento tácito e críticas que nesse aspecto foram apontadas), no geral o DL. 173/2008 veio introduzir soluções merecedoras de aplauso.


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Bibliografia Consultada:
Figueiredo Dias, José Eduardo, A licença ambiental no novo regime da PCIP, em Revista CEDOUA
Pereira da Silva, Vasco, Verde Cor de Direito - Lições de Direito do Ambiente
Delgado Alves, Pedro, em O que há de novo no Direito do Ambiente?
Amado Gomes, Carla, O procedimento de licenciamento ambiental revisitado, em O Direito

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