Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito
Direito do Ambiente
2011/2012
Prof. Doutor Vasco Pereira da Silva
O
DANO ECOLÓGICO E O SEU REGIME JURÍDICO: A DIRECTIVA 2004/35/CE E O DL 147/2008
Maria
Margarida Pereira
Indice
1.
Introdução
------------------------------------------------------------ 3
2.
A
Directiva 2004/35/CE -------------------------------------------- 5
3.
O
Decreto-Lei 147/2008 ------------------------------------------- 8
4.
Conclusão
------------------------------------------------------------ 11
5.
Bibliografia
---------------------------------------------------------- 12
Introdução
O
fundamento da existência do instituto da responsabilidade por dano ecológico é
o de ressarciar a geração presente pela degradação do estado de um determinado
componente ambiental e, outrossim, proporcionar às gerações vindouras idêntico
grau de fruição desse componente, repondo, sempre que possível, o estado
anterior à ocorrência do facto lesivo. Com efeito, o facto de o Homem ser um
ser mortal, fá-lo muitas vezes sacrificar o ambiente, ignorando os efeitos dos
danos ambientais que provoca em detrimento do seu conforto ou do lucro que visa
obter.
Assim,
as instituições da Comunidade Europeia, levando a sério a prossecução da
política ambiental comunitária, tomaram a dianteira do processo de elaboração
de um quadro normativo inovador de regulação da prevenção e reparação do dano ecológico
através da Directiva 2004/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de
Abril. Esta directiva, cujo prazo de transposição expirou em Abril de 2007, foi
transposta para o nosso ordenamento através do DL 147/2008, de 29 de Julho
(adiante designado RRPDE).
Note-se
que até ao surgimento do RRPDE o ordenamento jurídico português não
autonomizava o dano ecológico do dano ambiental (atente-se, nomeadamente, na
Lei de Bases do Ambiente (Lei 11/87, de 7 de Abril)). Tal falha é, de resto,
expressamente assumida pelo legislador, no Preâmbulo do diploma:
"Durante muitos anos a
problemática da responsabilidade ambiental foi considerada na perspectiva do
dano causado às pessoas e às coisas. O problema central consistia na reparação dos
danos subsequentes às perturbações ambientais — ou seja, dos danos sofridos por
determinada pessoa nos seus bens jurídicos da personalidade ou nos seus bens
patrimoniais como consequência da contaminação do ambiente.
Com
o tempo, todavia, a progressiva consolidação do Estado de direito ambiental
determinou a autonomização de um novo conceito de danos causados à natureza em
si, ao património natural e aos fundamentos naturais da vida. (...) Assim,
existe dano ecológico quando um bem jurídico ecológico é perturbado, ou quando
um determinado estado-dever de um componente do ambiente é alterado
negativamente".
Assim,
com o RRPDE afirmou-se, enfim, a diferença entre dano pessoal/patrimonial (dano
ambiental strictu sensu) e dano ecológico. Mas não só. Clarificou-se igualmente
a legitimidade para reclamar a sua reparação, fixaram-se os critérios de
avaliação do dano e indicaram-se as formas da sua reparação.
Deste
modo, procurar-se-à, na breve exposição que se segue, apresentar de forma sucinta
(assim o exigem as ciscunstâncias em que o mesmo se desenvolve, não me
imiscuindo, no entanto, de futuramente desenvolver o tema, já que muito mais
haveria a acrescentar, tendo já, nessa altura, em conta os muitos
desenvolvimentos que certamente se seguirão após a escrita deste paper) o regime estabelecido pelo RRPDE.
Para tal começar-se-à, no entanto, por analisar a Directiva 2004/35/CE que
esteve na génese do mesmo e cujas directrizes apontadas coincidem, em grande
parte, com as adoptadas pelo legislador nacional pelo que nos centraremos, após
a análise da Directiva, a identificar apenas algumas das inovações preconizadas
pelo legislador nacional.
A Directiva 2004/35/CE
O
objecto da Directiva 2004/35/CE é, desde logo, estabelecido no seu artigo 1.º “A
presente directiva tem por objectivo estabelecer um quadro de responsabilidade
ambiental baseado no princípio do "poluidor-pagador", para prevenir e
reparar danos ambientais.”. Ressalta, ab initio, que o intuito comunitário com
a Directiva foi o de instituir uma disciplina comum relativa ao dano ecológico,
com o objectivo de obter resultados a custos racionais para a sociedade. Assim,
subjacente a este objectivo, pretende-se incitar os promotores a evitarem os
danos. De facto, em regra, as despesas para a prevenção permitem evitar ou
reduzir a possibilidade de que se produzam danos cujos custos de reparação
seriam superior às despesas em prevenção dos mesmo. Consequentemente, os
sujeitos potencialmente responsáveis são encorajados a investirem na prevenção
em vez de suportarem os custos elevados da reparação. Não obstante, caso não o
façam, serão responsabilizados para reparar os mesmos com respeito pelo
princípio do “poluidor-pagador”.
Já
no que concerne ao âmbito de aplicação material da Directiva, o mesmo é
circunscrito aos danos às espécies e habitats naturais protegidos ao abrigo do
regime da Rede Natura 2000 (ou
seja, qualquer dano que produza efeitos negativos significativos sobre
o atingimento ou a manutenção de
um estado de conservação favorável a tais espécies e habitats), às águas indicadas
na Directiva 2000/60/CE e ao solo (o dano é aqui limitado às contaminações que
comportem um risco significativo sobre a saúde humana conforme se retira do artigo
11º/e) iii) e Anexo III, ponto 2, não se tratando assim de um verdadeiro dano
ecológico, mas antes de um dano ambiental strictu sensu). Note-se, no entanto, que a Directiva deixa aos Estados
a decisão de poderem alargar o âmbito do dano ecológico a outros componentes
ambientais.
Acresce que na Directiva o dano deve apresentar algumas
características genéricas, ou seja, ser concreto, qualificável e significativo.
Prevê igualmente a Directiva uma “protecção antecipada”
face a uma ameaça iminente, ou seja, em virtude de um perigo actual e concreto
de ocorrência de um dano futuro (veja-se o seu artigo 5.º).
A Directiva aplica-se a dois tipos de actividades
profissionais, as elencadas no Anexo III (tratam-se de doze actividades
económicas consideradas de risco intrinseco ao desenvolvimento das mesmas e já
disciplinadas noutras Directivas especiais) e, a todas as actividades não
elencadas no Anexo III em que se cause um dano ou ameaça às espécies e habitats
protegidos com culpa ou negligência. Com efeito, a Directiva estatui
expressamente no seu artigo 3.º, al. d), que a responsabilidade tem natureza
subjectiva (depende de culpa ou dolo do agente) para as actividades não
elencadas no Anexo III pelo que, implicitamente, se pode retirar que está
prevista responsabilidade objectiva para as actividades elencadas no Anexo III
(com consequente inversão do ónus da prova).
A Directiva preocupou-se ainda em prever
os casos de exclusão obrigatória da responsabilidade. Os mesmo estão previstos
no artigo 4.º, no artigo 8.º, n.º 3, als. a) e b) e no artigo 17.º. Acresce que
existem também casos de exclusão facultativa da responsabilidade, ou seja,
permite-se que os Estados-membros excluam, total ou parcialmente, a
responsabilidade do operador quando não tenha havido culpa do operador e a
actividade foi validamente autorizada; quando não tenha havido culpa do
operador e os danos se filiam em riscos imprevisíveis; quando o custo da adopção
de medidas complementares tomadas para atingir o estado inicial ou um nível
similar for desproporcionado em relação aos benefícios ambientais a obter.
A
Directiva estatui que todo o custo de prevenção ou reparação do dano incide
sobre o autor do dano (ressalve-se, no entanto, que a directiva autoriza os
Estados-membros a dispensar o operador de custear as operações de reparação de
danos ecológicos advenientes de actividade por si desenvolvida em determinados
casos, e nomeadamente quando inexistir culpa daquele). Note-se que o custo
compreende a lesão do ambiente, os serviços conexos e as despesas de avaliação
administrativa e legais, de recolha dos dados, de controlo e de vigilância. Não
obstante, em caso de existência de uma pluralidade de autores aplicam-se as
normas nacionais. Realce-se que o titular do direito a reparação/prevenção é a
Autoridade Pública e não os privados. Com efeito, estes últimos têm direito à
saúde e ao património, não à restauração do dano ambiente.
É
indubitável que o dano ambiental assume uma tripla dimensão: pessoal, social e
pública. Nesse sentido, a Directiva reconhece no artigo 12.º um papel às
pessoas físicas ou jurídicas e às ONG no sentido de poderem activar um
procedimento administrativo perante a Autoridade, consistente num pedido de
acção de reparação, acompanhada dos
dados e informações relevantes e, ainda, de intervir no procedimento
desencadeado pela Autoridade por iniciativa própria. Já o artigo 13.º permite
às pessoas físicas e jurídicas activarem um procedimento de recurso perante um
órgão judiciário ou administrativo para controlar a legalidade processual e
substantiva das decisões, dos actos ou das omissões da autoridade competente.
São, não obstante, ressalvadas as disposições nacionais sobre o acesso à
justiça.
Os
Estados-membros deverão, segundo a Directiva (artigo 14.º), “tomar medidas
destinadas a incentivar o desenvolvimento, pelos operadores económicos e
financeiros devidos, de instrumentos e mercados de garantias financeiras,
incluindo mecanismos financeiros em caso de insolvência, a fim de permitir que
os operadores utilizem garantias financeiras para cobrir as responsabilidades
que para eles decorrem da Directiva”.
Reconheceu-se, deste modo, a necessidade de cobertura de riscos
agravados por parte dos operadores.
O Decreto-Lei 147/2008
A
transposição da Directiva para o nosso ordenamento deu-se, como se disse,
através do DL 147/2008 (RRPDE). No entanto, o nosso legislador, em vez de se
limitar a regular neste diploma a prevenção e reparação de dano ecológico,
inclui nele um Capitulo II sob a epígrafe “Responsabilidade Civil” que se
revela perfeitamente desnecessário já que vem duplicar disposições do Código
Civil aplicáveis em sede de danos pessoais e patrimoniais (danos ambientais strictu
sensu), desvirtuando, de certo modo, a finalidade do diploma regular tão-só a
prevenção e reparação de danos ecológicos. Feita esta ressalva, passar-se-ão a
referir as principais inovações presentes no diploma em relação à Directiva.
Começando
pelo âmbito de aplicação material do RRPDE o nosso legislador procedeu a um
alargamento do mesmo, nomeadamente no que diz respeito à protecção de espécies
e habitats protegidos. Com efeito, a Directiva refere apenas como objecto de
protecção as espécies e habitats protegidos ao abrigo do regime da Rede Natura
2000, enquanto que o RRPDE remete a identificação para a "legislação
aplicável”, o DL 142/2008, de 24 de Julho (Regime da conservação da natureza e
da biodiversidade) que alarga as áreas protegidas para além das contantes no regime
da Rede Natura 2000 a outras classificadas ao abrigo de outros instrumentos
internacionais assumidos pelo Estado Português .
Verifica-se
igualmente um alargamento do âmbito subjectivo de aplicação. De facto, enquanto
que a Directiva estatui a responsabilização, assente na culpa, de todos os
sujeitos e entidades, independentemente da actividade, por danos infligidos a
espécies e habitats protegidos ao abrigo do regime da Rede Natura 2000, o RRPDE
acrescenta a este universo a responsabilização daqueles por quaisquer danos ecológicos, desde que
compreendidos nas categorias enunciadas no artigo 11º., n.º1, al.e), ou seja,
também ao solo e à água.
Como
suprareferido na página seis, a directiva autoriza os Estados-membros a
dispensar o operador de custear as operações de reparação de danos ecológicos
advenientes de actividade por si desenvolvida em determinados casos, e
nomeadamente quando inexistir culpa daquele. O legislador aproveitou esta ressalva
para dois grandes grupos de casos (artigo 20º.): Responsabilidade por facto de
outrem ou instrução administrativa; Responsabilidade objectiva.
No
que respeita à responsabilidade por facto de outrem ou instrução
administrativa, o operador deverá avançar com o montante necessário exigido
pelas medidas preventivas/reparatórias disfrutando, não obstante, de direito de
regresso quer contra o terceiro que provocou a ameça ou o dano quer contra a
autoridade que emitiu a instrução que concorreu para a formação da ameaça ou
para a verificação do dano.
Já
quanto à responsabilidade objectiva (independentemente de culpa portanto) existem
dois tipos de situações em que o
operador fica dispensado de custear as operações. Assim, no caso de actividades
inscritas no Anexo III, o operador ficará isento de responsabilidade por
danos/riscos associados ao funcionamento normal da instalação, mas já não aos adjacentes
ao funcionamento anormal. Já nas actividades não inscritas no Anexo III (por
conseguinte não classificadas como tipicamente perigosas) nunca há
responsabilização a título objectivo. Assim, é o Estado que executa as medidas
necessárias e suporta estes custos, financiando-se a partir do Fundo de
Intervenção Ambiental.
Conclusão
Sem
dúvida, que existirá ainda um longo caminho a percorrer no sentido da
perservação do ambiente e no da execução das medidas de prevenção e reparação dos danos que lhe forem causados.
No
entanto, foram dados importantes passos legislativos para clarificar conceitos
e responsabilizar quem olvida que não seremos os últimos seres humanos à face
da Terra, que também os nossos filhos, netos e todas as gerações vindouras têm
direito a um ambiente saudável, que a degradação ambiental que vimos observando
nas últimas décadas obriga, cada vez mais, a que o crescimento económico, a
mera vontade de lucro ou lazer despreocupado sejam substituídas por um
desenvolvimento sustentável, respeitador do meio ambiente. De facto, já nos
alertava Albert Schweitzer, respeitável Nobel da Paz em 1952, que “Quando o
homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal,
ninguém precisará ensiná-lo a amar o seu semelhante.”.
O
tempo encarregar-se-à de nos permitir julgar facticamente se as opções
recentemente tomadas foram as ideais ou não para a defesa do Ambiente e quais
as medidas necessárias de adaptação que os novos desafios ambientais (de resto
em permanente aparecimento) se imporão. No entanto, é de aplaudir a crescente
consciencialização de que o Ambiente é, hodiernamente, um dos temas mais
sensíveis e que se impõem medidas de preservação e defesa urgentes, preocupadas
e racionais. De facto, nós, humanos, seres racionais, parecemos ter-nos
esquecido, durante largos anos, que sem ambiente não haverá vida e que o facto
de não sermos imortais, não nos deve fazer desprezar os nossos semelhantes e os
que viverão depois de nós.
Bibliografia
GOMES,
Carla Amado:
–
“A responsabilidade civil por dano ecológico” in O que há de novo no Direito do
Ambiente?, Actas das Jornadas de Direito do Ambiente, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, 15 de Outubro de 2008, org. de Carla Amado Gomes e
Tiago Antunes, Lisboa, 2009, pp. 235 e segs.
-
“Direito Administrativo do Ambiente” in Tratado de direito administrativo
especial, vol. I, Coimbra, 2009
SILVA,
Vasco Pereira da
–
“Ventos de mudança no Direito do Ambiente – A responsabilidade civil ambiental”
in O que há de novo no Direito do Ambiente?, Actas das Jornadas de Direito do
Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 15 de Outubro de
2008, org. de Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, Lisboa, 2009, pp. 9 e ss.
-
Verde Cor de Direito – Lições de Direito de Ambiente, Almedina
OLIVEIRA,
Ana Perestrelo de – Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil
Ambiental, Coimbra, Almedina (2007)
SENDIM,
José Cunhal – Responsabilidade civil por danos ecológicos, Coimbra, 1998
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