terça-feira, 8 de maio de 2012

Contratos de Adaptação Ambiental

Os contratos de
Adaptação Ambiental
Direito Do Ambiente
2011/2012

Ana Sofia Silva Santos
- subturma 2 –




Índice

 

1. De uma administração autoritária para uma administração negociadora: a consciencialização


2. Contratos de adaptação ambiental


3. Relação dos Contratos de Adaptação Ambiental com o Principio da Legalidade


4. Conclusão: a necessidade do acordo do particular


5. Bibliografia









1.     De uma administração autoritária para uma administração negociadora: a consciencialização.

Atendendo ao tipo de análise a que se irá proceder ao longo do presente trabalho, importa fazer uma breve referência à mudança encarada na caracterização da actividade Administrativa. Para chegarmos à problemática em causa, teve de se superar a dualidade existente ao nível dos contratos públicos. Ora, tal foi alcançado, de forma muito resumida já que não é esse o objecto de estudo aqui pretendido, através da unificação do controlo judicial de toda a actividade contratual administrativa, conferindo-a aos tribunais administrativos.
Para além disso, verificou-se um alargamento da noção de relação jurídica administrativa, a qual passa a abranger não apenas o exercício do poder administrativo mas também todas as ligações jurídicas decorrentes da satisfação das necessidades colectivas. Desta forma, consegue-se a consideração de contratos administrativos num sentido mais amplo e, portanto, menos autoritário, pois acertam-se acordos de vontade entre a administração e os particulares que contribuem significativamente para a unificação do regime jurídico de toda a actividade contratual da Administração.
Podemos afirmar que houve como que uma consciencialização por parte da Administração, da maior facilidade em alcançar os seus objectivos de prossecução do interesse público se baseasse a sua actuação, não já na emissão e imposição de actos administrativos aos particulares, mormente às empresas, mas numa conciliação de interesses, de forma a conseguir o cumprimento voluntário das suas pretensões. Esta consciencialização fez-se sentir, naturalmente, também ao nível dos objectivos ambientais que são cada vez mais exigentes: assim, será mais fácil obter o cumprimento de qualquer medida de cariz ambiental se a administração tiver o acordo do particular, do que se tiver que impô-la ao mesmo.
Fica, então, demonstrada a importância do estudo dos contratos de adaptação ambiental, na medida em que os mesmos constituem uma importante fonte negocial entre a Administração e os particulares, sendo que, torna-se absolutamente necessário delimitar os critérios da sua admissibilidade, sob pena de estarmos a permitir uma total frustração dos objectivos de prossecução do interesse público se admitirmos a celebração deste tipo de contratos sem qualquer limite, nunca esquecendo que tudo é equacionado com base na ideia de desenvolvimento sustentável. (1)


2.     Contratos de adaptação ambiental
2.1 O Conceito
Os Contratos de Adaptação Ambiental tiveram a sua origem na constatação de que a via legislativa punitiva nem sempre é a mais aconselhável para se atingirem os objectivos desejados, tal como evidenciado, em termos gerais, no ponto anterior. Temos, no fundo, um compromisso entre o Estado e a Indústria tendo em vista o cumprimento da legislação ambiental em vigor, legislação essa que vem sendo aperfeiçoada ao longo dos tempos, através de novos meios de produção mais eficientes e muito menos poluentes que obedecem, por sua vez, a critérios cada vez mais exigentes fixando-se, para o efeito, uma calendarização adequada e metas intermédias que terão de ser cumpridas durante a vigência do contrato.
Os contratos de adaptação são, então, contratos celebrados entre a administração e as associações empresariais de alguns sectores onde operam indústrias poluentes destinados a conferir às empresas determinados prazos para que estas se adaptem às estipulações legais que vão surgindo em matéria ambiental, evitando que as mesmas sofram as sanções previstas para a situação de incumprimento ambiental. Não obstante estes contratos terem sido inicialmente pensados para combater a poluição aquática rapidamente se generalizaram como medida de combate a qualquer domínio da poluição

2.2 A diferença entre contratos de adaptação ambiental e contratos de promoção ambiental
Cabe, em primeiro lugar, referir que tanto um tipo de contrato como o outro se encontram regulados no DL nº 236/98 de 1 de Agosto, cujo objectivo vem estabelecido no seu art. 1º e passa pelo estabelecimento de “normas, critérios e objectivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos.” Tratam-se, genericamente, de contratos destinados a fazer com que os particulares se submetam voluntariamente ao cumprimento de valores/padrões ambientais, estipulados na lei, pois, nesta matéria, o acordo entre as partes é preferível à utilização de procedimentos sancionatórios, sendo efectivamente, um meio mais eficaz de repressão, ou seja, um meio mais viável de obter a colaboração dos particulares com vista ao cumprimento de importantes objectivos de preservação ambiental que podem alterar a qualidade de vida de toda a Humanidade.
                Apesar de extremamente similares no que aos seus regimes diz respeito, os contratos em causa têm um elemento diferenciador bastante importante: o seu objecto. Enquanto os contratos de promoção ambiental se destinam à promoção da melhoria da qualidade das águas e da protecção do meio aquático - art. 68º/1 DL nº 236/98, de 1 de Agosto, e têm por conteúdo o estabelecimento de um prazo e a fixação de um calendário, nos termos dos quais os particulares se comprometam a seguir “as normas de descarga mais exigentes do que as que se encontrem em vigor para o sector da actividade e para as empresas aderentes ” – art. 68º/3; os contratos de adaptação ambiental destinam-se à adaptação à legislação ambiental em vigor (…) e à redução da poluição causada pela descarga das águas residuais no meio aquático e no solo – art.78º, do DL nº 236/98, de 1 de Agosto e têm, por sua vez, como conteúdo, de acordo com o disposto no art. 78º/3, a “concessão de um prazo e fixação de um calendário para adaptação da legislação ambiental em vigor”.
Para além disso, cumpre assinalar as restantes diferenças entre ambos, de forma à correcta qualificação de um contrato como de promoção ou adaptação ambiental:
ü  Enquanto nos contratos de adaptação, os sujeitos constam do art.78º do referido diploma (associações representativas dos sectores agro-industriais e agro-alimentares de um lado e Ministério do Ambiente e Ministério responsável pelo sector da actividade económica, por outro);
ü  Nos contratos de promoção, os sujeitos constam do art.68º do DL 236/98 e, embora estejam igualmente em causa os Ministérios referidos, as associações representativas variam, naturalmente, sendo as representativas dos sectores aqui em causa.
Não obstante a identificação dos sujeitos acima referidos, há, ainda que considerar, a existência dos contratos de adesão que podem, por sua vez, trazer à colação outro tipo de sujeitos que não os originalmente considerados. Trata-se de sujeitos que só posteriormente à celebração do contrato-tipo resolveram acordar no cumprimento das cláusulas estabelecidas pelos contraentes celebrantes, daí a distinção entre contrato-tipo e contrato de adesão; Deste modo, podemos ter empresas que aderiram posteriormente aos contratos de promoção ambiental – art. 68º/4; ou poderão estar também em causa instalações das unidades empresariais do sector que só depois da celebração do contrato de adaptação resolveram aderir a este, nos termos do art. 78º/4. Tanto num caso como no outro, de forma a assegurar a viabilidade e possibilidade de adesão ao contrato de todas as empresas que o pretendam – arts. 68º/11 e 78º/11 – é assegurada a publicidade de todo o processo.
Finalmente, quanto à fiscalização e sanções inerentes ao cumprimento/incumprimento destes contratos, dispõe o DL 236/98 o seguinte:
ü  Contratos de promoção ambiental: consagra o art. 68º/6 que o respectivo plano e calendário passam a servir de critério de fiscalização, sob pena, de em caso de incumprimento, ser a entidade gestora da instalação da infracção verificada notificada para proceder à respectiva correcção, caso queira evitar ser excluída do contrato por decisão fundamentada do director-geral do ambiente, respectivamente, art. 68º/ 7 e 8.
ü  Contratos de adaptação ambiental: consagra-se igualmente a mesma referência para a fiscalização do cumprimento das obrigações ambientais, ou seja, tem-se em conta o que foi acordado no respectivo contrato e, também em caso de desrespeito/incumprimento das exigências ambientais é previsto como consequência, a notificação para correcção do problema, sob pena, de exclusão do contrato – art. 78º/7 e 8.


3.     Relação dos Contratos de Adaptação Ambiental com o Principio da Legalidade
Se é verdade que os contratos de adaptação ambiental resultam da necessidade da Administração Pública, ao invés de criar políticas imperativas e mesmo sancionatórias, de modo a obter a responsabilização legal e social com vista ao combate da degradação do ambiente, criar uma alternativa de modo a que esses objectivos sejam cumpridos, é certo também que esta questão levanta alguns problemas nomeadamente ao nível do princípio da legalidade, constitucionalmente garantido.
Há que ponderar factores como a necessidade da Administração Pública prosseguir interesses públicos, de modo eficaz e com uma maior abertura na procura de soluções conformes ao caso concreto. Para além destes factores, estes contratos permitem ainda à Administração Pública uma maior legitimidade fundada directamente nas relações que vai estabelecendo diariamente com a sociedade no exercício dos seus poderes.
Este problema coloca-se porque o contrato de adaptação ambiental implica uma derrogação do regime legalmente estabelecido, por via negocial, relativamente a cada uma das empresas aderentes, o que parece contrariar o art. 112º/6 da CRP. Para resolver o problema com que aqui nos deparamos torna-se necessário fazer uma análise a partir dos vários valores em confronto, sobretudo, o princípio da constitucionalidade, da legalidade e da tipicidade das formas de lei a que se “opõem” o princípio da eficácia da realização da politica ambiental pela via contratual, da participação e da colaboração dos particulares no exercício da administração do ambiente, e o princípio da tutela da confiança dos particulares, quando se verifique alteração dos padrões decisórios da Administração em matéria ambiental.
Em que redundará esta análise? Esta ponderação quererá dizer que, se por um lado não poderão ser violados o 1º leque de princípios enunciados, também não poderá obstar tal conclusão à admissibilidade de contratos de adaptação ambiental em razão dos valores que eles próprios também prosseguem. Há então que descobrir qual o ponto de equilíbrio entre todos estes valores, o que permitirá, por sua vez, delimitar o campo de aplicação legal dos contratos em análise.
Não se pretende com isto afastar de todo o princípio da legalidade, mas antes proceder a uma diminuição da densidade normativa do comando legal, permitindo uma maior margem de discricionariedade à actuação da Administração, nunca deixando de lado as garantias dos particulares.
Levar-nos-á tal conclusão a afirmar que a finalidade do art. 112º/6 da CRP é a de evitar fugas à hierarquia dos actos normativos, ou seja, desde que o contrato de adaptação ambiental não configure uma situação de fraude à lei, a celebração de tais contratos não acarretam uma situação de inconstitucionalidade, isto se, ficar provado que se trata de um mecanismo de concretização da própria lei e não de fuga à mesma. Mas tal consideração não pode sem mais ser tomada de ânimo leve: é necessário que se verifiquem determinadas condições para que tal possibilidade de concretização possa ser defendida, nomeadamente: há que considerar, através da análise concreta, que a interpretação feita decorre de um regime jurídico previamente determinado (ainda que com alguma margem de discricionariedade da Administração) e não de uma norma em branco; para além disso, esse regime parcialmente determinado está sempre condicionado pelo respeito aos princípios fundamentais da actividade administrativa e, claro está, às regras de competência aplicáveis.
É de concluir então, na minha opinião, que não devemos recusar desde logo a admissibilidade dos contratos de adaptação ambiental, mas também não podemos encará-los de forma superficial e sem qualquer análise mais aprofundada: é preciso que olhar para cada caso concreto e aferir, desde logo, se não se trata de um meio de fugir à lei aplicável e às exigências que dela decorrem e, no caso de concluirmos que o fim do contrato é um mecanismo de concretização a até aperfeiçoamento da lei aplicável, há, ainda que ver, se o mesmo respeita as regras e princípios necessários à sua admissibilidade



4.     Conclusão: a necessidade do acordo do particular
 
A implementação de medidas para a redução ou eliminação das fontes de poluição tem vindo a ser concretizada através da publicação de um quadro legislativo apropriado, associado a um conjunto de programas e incentivos económicos que colocam à disposição das indústrias meios financeiros capazes de melhorar a qualidade do ambiente e são também este tipo de medidas que devem presidir na verificação das condições de admissibilidade dos contratos de adaptação ambiental. É importante que as indústrias assegurem a adequação dos seus processos produtivos ao normativo ambiental, investindo em tecnologias de redução das suas cargas poluentes dos efluentes líquidos, gasosos e resíduos, mas não devem os contratos de adaptação ambiental servir para os particulares obterem certas vantagens através da intervenção da administração, de forma a ocultarem determinados incumprimentos ou desadequações ao plano seguido pelo desenvolvimento sustentável, disfarçando tal facto com a celebração de supostos contratos tendentes à promoção e adaptação da legislação ambiental.
Cabe, por fim, evidenciar a ideia de que estamos nestes casos a utilizar um instrumento jurídico bilateral em oposição à multilariedade exigida, numa área que tem repercussões directas em terceiros, pois no que toca ao ambiente todos somos afectados, daí a lógica presente na verificação de todas as condições indicadas, com vista ao cumprimento mínimo de todos os princípios fundamentais inerentes à actuação da administração, sobretudo, no que à prossecução do interesse público diz respeito. Reconhece-se, hoje em dia, o ambiente como um bem em si mesmo que cumpre proteger, devendo encarar-se o direito ao ambiente como um direito complexo de dupla dimensão que não poderá ser convenientemente protegido se não se atender à sua complexidade.
Parece-me que os contratos de adaptação resultam, então, de um esforço de compatibilização entre o princípio da autonomia púbica contratual e eficácia da administração na prossecução do interesse público com o princípio da prevenção e do poluidor pagador. De certo modo existe uma cedência aos interesses dos sectores económicos em questão, mas sem a colaboração destes mais difícil seria chegar às metas propostas. Podemos afirmar que a cedência de alguma margem de manobra, no que à negociação da Administração com os particulares em sede Ambiental diz respeito, funciona como um mal menor, em prol de um objectivo muito mais importante: um desenvolvimento sustentável que permita a devida evolução industrial, sem que a qualidade de vida seja afectada ou, pelo menos, que ela seja afectada o menos possível e por motivos devidamente justificados.



                        

Bibliografia


- SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado, Direito Administrativo Geral, Tomo III, D. Quixote, 2ºed. 2009;

-Silva, Vasco Pereira da, Verde Cor de Direito, 2ª reimpressão da edição de Fevereiro de 2002. Almedina. 2005.



[1] Ao mesmo tempo que a Administração insere mudanças no seu modo de actuar, temos também a crescente consciencialização de que é necessário adoptar novas modalidades de intervenção ambiental, atendendo igualmente às evoluções que se foram fazendo sentir em todo o sector industrial. Sabendo nós, à partida, que a relação entre o sector industrial e o ambiente nem sempre tem sido fácil, a verdade é que é inevitável a constatação de que a actividade industrial se encontra associada a uma certa degradação da qualidade do ambiente, uma vez que não existem processos de fabrico que sejam totalmente limpos. O desenvolvimento industrial que se fez sentir por todo o Mundo trouxe consigo uma nova realidade: uma poluição cada vez mais acentuada e com consequências mais gravosas, provocada pelas “mãos do próprio Homem”. Como tal, começou a criar-se um novo modelo de desenvolvimento industrial destinado a uma produção em maior número mas também com mais qualidade, consumindo menores quantidades de recursos e poluindo menos e com menores riscos para a saúde humana e para o ambiente.

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