Os contratos de
Adaptação Ambiental
Direito Do Ambiente
2011/2012
Ana Sofia Silva Santos
- subturma 2 –
Índice
1. De uma administração autoritária para uma administração negociadora: a consciencialização
2. Contratos de adaptação ambiental
3. Relação dos Contratos de Adaptação Ambiental com o Principio da Legalidade
4. Conclusão: a necessidade do acordo do particular
5. Bibliografia
1.
De uma administração autoritária para
uma administração negociadora: a consciencialização.
Atendendo ao tipo de análise a que se irá proceder
ao longo do presente trabalho, importa fazer uma breve referência à mudança
encarada na caracterização da actividade Administrativa. Para chegarmos à
problemática em causa, teve de se superar a dualidade existente ao nível dos
contratos públicos. Ora, tal foi alcançado, de forma muito resumida já que não
é esse o objecto de estudo aqui pretendido, através da unificação do controlo
judicial de toda a actividade contratual administrativa, conferindo-a aos tribunais
administrativos.
Para além disso, verificou-se um alargamento da
noção de relação jurídica administrativa, a qual passa a abranger não apenas o
exercício do poder administrativo mas também todas as ligações jurídicas
decorrentes da satisfação das necessidades colectivas. Desta forma, consegue-se
a consideração de contratos administrativos num sentido mais amplo e, portanto,
menos autoritário, pois acertam-se acordos de vontade entre a administração e
os particulares que contribuem significativamente para a unificação do regime
jurídico de toda a actividade contratual da Administração.
Podemos afirmar que houve como que uma
consciencialização por parte da Administração, da maior facilidade em alcançar
os seus objectivos de prossecução do interesse público se baseasse a sua
actuação, não já na emissão e imposição de actos administrativos aos particulares,
mormente às empresas, mas numa conciliação de interesses, de forma a conseguir
o cumprimento voluntário das suas pretensões. Esta consciencialização fez-se
sentir, naturalmente, também ao nível dos objectivos ambientais que são cada
vez mais exigentes: assim, será mais fácil obter o cumprimento de qualquer
medida de cariz ambiental se a administração tiver o acordo do particular, do
que se tiver que impô-la ao mesmo.
Fica, então, demonstrada a importância do estudo
dos contratos de adaptação ambiental, na medida em que os mesmos constituem uma
importante fonte negocial entre a Administração e os particulares, sendo que,
torna-se absolutamente necessário delimitar os critérios da sua
admissibilidade, sob pena de estarmos a permitir uma total frustração dos
objectivos de prossecução do interesse público se admitirmos a celebração deste
tipo de contratos sem qualquer limite, nunca esquecendo que tudo é equacionado
com base na ideia de desenvolvimento sustentável. (1)
2.
Contratos de adaptação ambiental
2.1 O Conceito
Os Contratos de Adaptação Ambiental tiveram a sua
origem na constatação de que a via legislativa punitiva nem sempre é a mais
aconselhável para se atingirem os objectivos desejados, tal como evidenciado,
em termos gerais, no ponto anterior. Temos, no fundo, um compromisso entre o
Estado e a Indústria tendo em vista o cumprimento da legislação ambiental em
vigor, legislação essa que vem sendo aperfeiçoada ao longo dos tempos, através
de novos meios de produção mais eficientes e muito menos poluentes que
obedecem, por sua vez, a critérios cada vez mais exigentes fixando-se, para o
efeito, uma calendarização adequada e metas intermédias que terão de ser
cumpridas durante a vigência do contrato.
Os contratos de adaptação são, então,
contratos celebrados entre a administração e as associações empresariais de
alguns sectores onde operam indústrias poluentes destinados a conferir às
empresas determinados prazos para que estas se adaptem às estipulações legais
que vão surgindo em matéria ambiental, evitando que as mesmas sofram as sanções
previstas para a situação de incumprimento ambiental. Não
obstante estes contratos terem sido inicialmente pensados para combater a
poluição aquática rapidamente se generalizaram como medida de combate a
qualquer domínio da poluição
2.2 A diferença entre
contratos de adaptação ambiental e contratos de promoção ambiental
Cabe, em primeiro lugar, referir que tanto um tipo
de contrato como o outro se encontram regulados no DL nº 236/98 de 1 de Agosto,
cujo objectivo vem estabelecido no seu art. 1º e passa pelo estabelecimento de “normas,
critérios e objectivos de qualidade com a finalidade de proteger o meio
aquático e melhorar a qualidade das águas em função dos seus principais usos.”
Tratam-se, genericamente, de contratos destinados a fazer com que os
particulares se submetam voluntariamente ao cumprimento de valores/padrões ambientais,
estipulados na lei, pois, nesta matéria, o acordo entre as partes é preferível
à utilização de procedimentos sancionatórios, sendo efectivamente, um meio mais
eficaz de repressão, ou seja, um meio mais viável de obter a colaboração dos
particulares com vista ao cumprimento de importantes objectivos de preservação
ambiental que podem alterar a qualidade de vida de toda a Humanidade.
Apesar de extremamente similares no que aos seus
regimes diz respeito, os contratos em causa têm um elemento diferenciador
bastante importante: o seu objecto. Enquanto os contratos de promoção ambiental
se destinam à promoção da melhoria da qualidade das águas e da protecção do meio
aquático - art. 68º/1 DL nº 236/98, de 1 de Agosto, e têm por conteúdo o
estabelecimento de um prazo e a fixação de um calendário, nos termos dos quais
os particulares se comprometam a seguir “as normas de descarga mais exigentes
do que as que se encontrem em vigor para o sector da actividade e para as
empresas aderentes ” – art. 68º/3; os contratos de adaptação
ambiental destinam-se à adaptação à legislação ambiental em vigor (…) e à
redução da poluição causada pela descarga das águas residuais no meio aquático
e no solo – art.78º, do DL nº 236/98, de 1 de Agosto e têm, por sua vez, como
conteúdo, de acordo com o disposto no art. 78º/3, a “concessão de um prazo e
fixação de um calendário para adaptação da legislação ambiental em vigor”.
Para além disso, cumpre assinalar as restantes
diferenças entre ambos, de forma à correcta qualificação de um contrato como de
promoção ou adaptação ambiental:
ü
Enquanto nos contratos de adaptação, os sujeitos
constam do art.78º do referido diploma (associações representativas dos
sectores agro-industriais e agro-alimentares de um lado e Ministério do
Ambiente e Ministério responsável pelo sector da actividade económica, por
outro);
ü
Nos contratos de promoção, os sujeitos constam
do art.68º do DL 236/98 e, embora estejam igualmente em causa os Ministérios
referidos, as associações representativas variam, naturalmente, sendo as
representativas dos sectores aqui em causa.
Não obstante a identificação dos sujeitos acima
referidos, há, ainda que considerar, a existência dos contratos de adesão que
podem, por sua vez, trazer à colação outro tipo de sujeitos que não os originalmente
considerados. Trata-se de sujeitos que só posteriormente à celebração do
contrato-tipo resolveram acordar no cumprimento das cláusulas estabelecidas
pelos contraentes celebrantes, daí a distinção entre contrato-tipo e contrato
de adesão; Deste modo, podemos ter empresas que aderiram posteriormente aos
contratos de promoção ambiental – art. 68º/4; ou poderão estar também em causa instalações
das unidades empresariais do sector que só depois da celebração do contrato de
adaptação resolveram aderir a este, nos termos do art. 78º/4. Tanto num caso
como no outro, de forma a assegurar a viabilidade e possibilidade de adesão ao
contrato de todas as empresas que o pretendam – arts. 68º/11 e 78º/11 – é
assegurada a publicidade de todo o processo.
Finalmente, quanto à fiscalização e sanções
inerentes ao cumprimento/incumprimento destes contratos, dispõe o DL 236/98 o
seguinte:
ü
Contratos de promoção ambiental: consagra o art.
68º/6 que o respectivo plano e calendário passam a servir de critério de
fiscalização, sob pena, de em caso de incumprimento, ser a entidade gestora da
instalação da infracção verificada notificada para proceder à respectiva correcção,
caso queira evitar ser excluída do contrato por decisão fundamentada do
director-geral do ambiente, respectivamente, art. 68º/ 7 e 8.
ü
Contratos de adaptação ambiental:
consagra-se igualmente a mesma referência para a fiscalização do cumprimento
das obrigações ambientais, ou seja, tem-se em conta o que foi acordado no
respectivo contrato e, também em caso de desrespeito/incumprimento das
exigências ambientais é previsto como consequência, a notificação para
correcção do problema, sob pena, de exclusão do contrato – art. 78º/7 e 8.
3.
Relação dos
Contratos de Adaptação Ambiental com o Principio da Legalidade
Se é verdade
que os contratos de adaptação ambiental resultam da necessidade da Administração
Pública, ao invés de criar políticas imperativas e mesmo sancionatórias, de
modo a obter a responsabilização legal e social com vista ao combate da
degradação do ambiente, criar uma alternativa de modo a que esses objectivos
sejam cumpridos, é certo também que esta questão levanta alguns problemas
nomeadamente ao nível do princípio da legalidade, constitucionalmente
garantido.
Há que
ponderar factores como a necessidade da Administração Pública prosseguir interesses
públicos, de modo eficaz e com uma maior abertura na procura de soluções
conformes ao caso concreto. Para além destes factores, estes contratos permitem
ainda à Administração Pública uma maior legitimidade fundada directamente nas
relações que vai estabelecendo diariamente com a sociedade no exercício dos
seus poderes.
Este problema coloca-se porque o contrato de adaptação
ambiental implica uma derrogação do regime legalmente estabelecido, por via
negocial, relativamente a cada uma das empresas aderentes, o que parece
contrariar o art. 112º/6 da CRP. Para resolver o problema com que aqui nos
deparamos torna-se necessário fazer uma análise a partir dos vários valores em
confronto, sobretudo, o princípio da constitucionalidade, da legalidade e da
tipicidade das formas de lei a que se “opõem” o princípio da eficácia da
realização da politica ambiental pela via contratual, da participação e da
colaboração dos particulares no exercício da administração do ambiente, e o princípio
da tutela da confiança dos particulares, quando se verifique alteração dos
padrões decisórios da Administração em matéria ambiental.
Em que redundará esta análise? Esta ponderação quererá
dizer que, se por um lado não poderão ser violados o 1º leque de princípios
enunciados, também não poderá obstar tal conclusão à admissibilidade de
contratos de adaptação ambiental em razão dos valores que eles próprios também
prosseguem. Há então que descobrir qual o ponto de equilíbrio entre todos estes
valores, o que permitirá, por sua vez, delimitar o campo de aplicação legal dos
contratos em análise.
Não se
pretende com isto afastar de todo o princípio da legalidade, mas antes proceder
a uma diminuição da densidade normativa do comando legal, permitindo uma maior
margem de discricionariedade à actuação da Administração, nunca deixando de
lado as garantias dos particulares.
Levar-nos-á tal conclusão a afirmar que a
finalidade do art. 112º/6 da CRP é a de evitar fugas à hierarquia dos actos
normativos, ou seja, desde que o contrato de adaptação ambiental não configure
uma situação de fraude à lei, a celebração de tais contratos não acarretam uma situação
de inconstitucionalidade, isto se, ficar provado que se trata de um mecanismo
de concretização da própria lei e não de fuga à mesma. Mas tal consideração não
pode sem mais ser tomada de ânimo leve: é necessário que se verifiquem
determinadas condições para que tal possibilidade de concretização possa ser
defendida, nomeadamente: há que considerar, através da análise concreta, que a
interpretação feita decorre de um regime jurídico previamente determinado
(ainda que com alguma margem de discricionariedade da Administração) e não de
uma norma em branco; para além disso, esse regime parcialmente determinado está
sempre condicionado pelo respeito aos princípios fundamentais da actividade
administrativa e, claro está, às regras de competência aplicáveis.
É de concluir então, na minha opinião, que não
devemos recusar desde logo a admissibilidade dos contratos de adaptação
ambiental, mas também não podemos encará-los de forma superficial e sem
qualquer análise mais aprofundada: é preciso que olhar para cada caso concreto
e aferir, desde logo, se não se trata de um meio de fugir à lei aplicável e às
exigências que dela decorrem e, no caso de concluirmos que o fim do contrato é
um mecanismo de concretização a até aperfeiçoamento da lei aplicável, há, ainda
que ver, se o mesmo respeita as regras e princípios necessários à sua
admissibilidade
4. Conclusão: a necessidade do acordo do particular
A implementação de medidas para a redução ou
eliminação das fontes de poluição tem vindo a ser concretizada através da
publicação de um quadro legislativo apropriado, associado a um conjunto de
programas e incentivos económicos que colocam à disposição das indústrias meios
financeiros capazes de melhorar a qualidade do ambiente e são também este tipo
de medidas que devem presidir na verificação das condições de admissibilidade
dos contratos de adaptação ambiental. É importante que as indústrias assegurem
a adequação dos seus processos produtivos ao normativo ambiental, investindo em
tecnologias de redução das suas cargas poluentes dos efluentes líquidos,
gasosos e resíduos, mas não devem os contratos de adaptação ambiental servir
para os particulares obterem certas vantagens através da intervenção da
administração, de forma a ocultarem determinados incumprimentos ou
desadequações ao plano seguido pelo desenvolvimento sustentável, disfarçando
tal facto com a celebração de supostos contratos tendentes à promoção e
adaptação da legislação ambiental.
Cabe, por fim, evidenciar a ideia de que estamos
nestes casos a utilizar um instrumento jurídico bilateral em oposição à
multilariedade exigida, numa área que tem repercussões directas em terceiros,
pois no que toca ao ambiente todos somos afectados, daí a lógica presente na
verificação de todas as condições indicadas, com vista ao cumprimento mínimo de
todos os princípios fundamentais inerentes à actuação da administração,
sobretudo, no que à prossecução do interesse público diz respeito. Reconhece-se,
hoje em dia, o ambiente como um bem em si mesmo que cumpre proteger, devendo
encarar-se o direito ao ambiente como um direito complexo de dupla dimensão que
não poderá ser convenientemente protegido se não se atender à sua complexidade.
Parece-me que os contratos de adaptação resultam,
então, de um esforço de compatibilização entre o princípio da autonomia púbica
contratual e eficácia da administração na prossecução do interesse público com
o princípio da prevenção e do poluidor pagador. De certo modo existe uma
cedência aos interesses dos sectores económicos em questão, mas sem a
colaboração destes mais difícil seria chegar às metas propostas. Podemos
afirmar que a cedência de alguma margem de manobra, no que à negociação da
Administração com os particulares em sede Ambiental diz respeito, funciona como
um mal menor, em prol de um objectivo muito mais importante: um desenvolvimento
sustentável que permita a devida evolução industrial, sem que a qualidade de
vida seja afectada ou, pelo menos, que ela seja afectada o menos possível e por
motivos devidamente justificados.
Bibliografia
- SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS,
André Salgado, Direito
Administrativo Geral, Tomo III, D. Quixote, 2ºed. 2009;
-Silva, Vasco Pereira da, Verde
Cor de Direito, 2ª reimpressão da edição de Fevereiro de 2002.
Almedina. 2005.
[1]
Ao mesmo tempo que a
Administração insere mudanças no seu modo de actuar, temos também a crescente consciencialização
de que é necessário adoptar novas modalidades de intervenção ambiental,
atendendo igualmente às evoluções que se foram fazendo sentir em todo o sector
industrial. Sabendo nós, à partida, que a relação
entre o sector industrial e o ambiente nem sempre tem sido fácil, a verdade é
que é inevitável a constatação de que a actividade industrial se encontra
associada a uma certa degradação da qualidade do ambiente, uma vez que não
existem processos de fabrico que sejam totalmente limpos. O desenvolvimento
industrial que se fez sentir por todo o Mundo trouxe consigo uma nova
realidade: uma poluição cada vez mais acentuada e com consequências mais
gravosas, provocada pelas “mãos do próprio Homem”. Como tal, começou a criar-se
um novo modelo de desenvolvimento industrial destinado a uma produção em maior
número mas também com mais qualidade, consumindo menores quantidades de
recursos e poluindo menos e com menores riscos para a saúde humana e para o ambiente.
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