segunda-feira, 21 de maio de 2012


(Por ter sido impossível publicar ontem aqui, publico hoje. De qualquer maneira, o trabalho seguiu ontem, domingo,  por email)

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa



Direito do Ambiente



Docente, Prof. Doutor João Miranda





Algumas muito breves questões retiradas do “Tiro aos pombos” na jurisprudência portuguesa”, por André Dias Pereira















Por, Maria Benedita Bettencourt, nº 17872, subturma 8







Índice



1 - Dentro de uma perspectiva mais positivista…………………………….3

2 – Argumentos não desenvolvidos à exaustão relacionados com a diferença ou não entre o Homem e “o Animal”………. …… …………….5

3 – Questão prendida apenas com uma preocupação de interpretação do artigo 9.º/1. do Código Civil……………………………………………......8




Estamos perante uma questão que atravessa os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 29.10.2003 e do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2004, bem como da Anotação a ambos de André Dias Pereira, no “Tiro aos pombos” na jurisprudência portuguesa”, Cadernos de Direito Privado n.º12 de Outubro/Dezembro 2005.

         A mencionada questão transversal é, ao fim e ao cabo, como entender e interpretar todos os conceitos indeterminados, tais como “violências injustificadas”, “necessidade” e “sofrimento cruel”, que apresenta o número 1. do artigo 1.º da Lei n.º 92/95, intitulada “Protecção aos animais”.

         Várias são as interpretações feitas, ora pela Relação de Guimarães, ora pelo Supremo Tribunal de Justiça, por André Dias Pereira e, ainda, por outros acórdãos que o mesmo cita em sua Anotação.



         1 - Dentro de uma perspectiva mais positivista, é possível concordar com André Dias Pereira, quando faz uma interpretação da Lei em análise, conforme à nossa Constituição e, quando invoca o sentido axiológico-normativo do direito internacional: “Parece-me ainda mais relevante, porque mais conclusivo, o facto de a nossa Constituição ser “amiga do direito internacional” (CANOTILHO), como ressalta claramente dos artigos 8.º e 16.º. Trata-se de uma Constituição aberta ao Direito internacional, impondo-se directamente não apenas o ius cogens, mas ainda o Direito Internacional Geral ou Comum, de acordo com a recepção automática que se estabelece no n.º 1 do art. 8.º CRP.

         A Declaração Universal dos Direitos do Animal foi aprovada em 15/10/1978 pela Liga Internacional dos Direitos do Animal, tendo sido posteriormente adoptada pela UNESCO e pela ONU. Este texto, não tendo força convencional, é já aceite como um dos exemplos paradigmáticos do direito internacional de raíz costumeira. Deste modo, devemos interpretar a Lei n.º 92/95 do modo que mais respeite os comandos normativos dessa importante Declaração.”

         Diz ainda o autor, em relação à “interpretação conforme ao Direito comunitário, maxime ao “Direito Constitucional Europeu” (o Protocolo relativo à protecção e ao bem-estar dos animais e o Tratado Constitucional europeu)” que,um dos princípios fundamentais do Direito Comunitário que tem implicações decisivas na metodologia de interpretação jurídica – de resto bem conhecido na nossa jurisprudência – é o chamado princípio da interpretação conforme, o qual se enquadra no princípio da efectividade (e cooperação leal).” Citando Miguel Gorjão-Henriques, explica André Dias Pereira: “O princípio da interpretação conforme afirma que o intérprete e aplicador do direito, internamente, deverá, ainda quando deva aplicar apenas direito nacional, atribuir a este uma interpretação conforme com o sentido, economia e termos das normas comunitárias”.

         O Protocolo relativo à protecção e ao bem-estar dos animais, refere que, “AS ALTAS PARTES CONTRATANTES, DESEJANDO garantir uma protecção reforçada e um maior respeito pelo bem-estar dos animais, enquanto seres dotados de sensibilidade(…)”

         Conclui o autor que, “o tiro aos pombos sendo uma clara violação do respeito pelo bem-estar dos animais, enquanto seres dotados de sensibilidade, não deve ser permitido, de acordo com uma interpretação conforme a este Protocolo.”

         Depois do exposto, tem razão o autor na sua conclusão. Estamos pois, sujeitos ao princípio da interpretação conforme e, se a nossa lei é algo vaga a concretizar conceitos relacionados com o tema direitos (ou não) dos animais, direitos da natureza/à natureza, etc, as variadas leis comunitárias (e também as declarações internacionais), não são.



         2 - Chamo a atenção para os seguintes argumentos de André Dias Pereira:

         Quando se trata de tentar esbater uma diferença entre seres humanos e animais (ou animais não-humanos, como prefere), com o previsível escopo de atribuir direitos aos animais, a qualquer custo, ataca a mais evidente diferença entre humanos e animais, citando KANT, dizendo que este “parte da premissa segundo a qual os seres humanos são os únicos que são racionais e autónomos, pelo que apenas estes podem ser titulares de direitos, porque podem responder pelos correspondentes deveres. Todavia, esta teoria põe em risco os humanos que em razão de doença ou da idade carecem dessas capacidades, os chamados “casos marginais”.”

         Um passo à frente, refere que: “o princípio do respeito significa que nós devemos tratar os indivíduos que existem como fins em si próprios (aqueles que têm um valor intrínseco) e nunca como meios. E de entre os animais, TOM REGAN reconhece esse valor intrínseco aos que são “sujeitos-de-uma-vida”, isto é, aqueles que têm capacidade de desejar, de memória de agir intencionalmente e sentir emoções: aqui se inserindo os mamíferos e as aves.” Diz o autor: “seguimos, muito sumariamente, TOM REGAN(…)”.

         Já com dúvidas sobre o que acontecerá aos répteis, por exemplo, uma vez que só estão inseridos os mamíferos e as aves, a minha grande questão perante o critério “sentir emoções/ter um sistema nervoso”, será a mesma, provavelmente, que a do autor perante o critério “racionalidade e autonomia” de KANT. É que, se este último critério não serve para diferenciar seres humanos e animais, para efeitos de se atribuir direitos subjectivos, ou não, e a quem, ou a todos, sob pena de excluirmos como titulares de direitos subjectivos, humanos que padeçam de doenças que não os permitam raciocinar, então o novo critério para a atribuição de direitos do “sentir dor”, decerto não servirá de muito, pois que há seres humanos que não a sentem. Desde logo os que padeçam de Síndrome de Riley-Day, uma desordem do sistema nervoso que tem como consequência a insensibilidade à dor física. Como se fala de “emoções” e, de como os animais as sentem, cumpre dizer desde já que também existem seres humanos que, por causa de doenças do foro psiquiátrico, não as sentem, ou não as sentem como a generalidade das pessoas. Está assim comprometido o novíssimo elo de ligação dos humanos aos animais, para que seja “racional”(?) atribuir direitos subjectivos aos animais. A busca incessante por um denominador comum entre o Homem e o animal, para que se atribuam os mesmos direitos a ambos, parece-me condenada ao fracasso.

         Em boa verdade, ninguém parece saber sequer, o motivo pelo qual se concedem direitos aos seres humanos. É por serem racionais? É por sentirem? É porquê, afinal?

         (Ninguém “concede” direitos aos seres humanos. Os Homens foram criando ao longo do tempo, sistemas de convivência social. A ordem jurídica é só mais uma ordem a par da ordem social e da ordem moral. E todas formam um naturalmente constituído sistema de convivência social. Ou seja, nós, os humanos, não temos direitos atribuídos por uma alta entidade, qual “rei-do-mundo” que não existe, mas temos regras que nos permitem conviver. O fundamento dessas regras é a necessidade delas, para uma boa vivência em sociedade.)

         A grande questão será em saber então, qual a derradeira diferença entre o Homem e o animal. Para uns, será a alma ou, a eternidade das nossas vidas, que os animais não terão. Mas para quem recuse a existência da alma, realmente só poderá sobrar o critério da “racionalidade”. Mas mesmo esse, pelos vistos já é refutado.






3 - Não é possível concordar com a lógica do seguinte excerto do acórdão da Relação:

 “Este elemento histórico, que o recorrente faz destacar como muito relevante para concluir pela licitude da sua actividade, nesta matéria, julgamos que é um elemento a ter em conta na interpretação da lei, como o impõe o art. 9.º, n.º1, do CC quando refere “[…] as circunstâncias em que a lei foi elaborada […]”. Mas no contexto actual da doutrina, no que concerne à interpretação das leis, em que domina doutrina actualista, o elemento histórico não é muito relevante. E isto porque a forma complexa como as leis são elaboradas e aprovadas, até serem publicadas e entrarem em vigor, esbate de forma significativa a vontade intrínseca do legislador, não se sabendo, muito bem, quais os argumentos de decisivos que levaram a ter uma determinada configuração e não outra. Daí que os trabalhos preparatórios terão de ser valorados dentro do contexto global da interpretação.”

         Este argumento do recorrente é, a meu ver, o único que lhe poderia ter dado alguma hipótese de ter razão. Foi refutado, mas não como me parece que deveria ter sido. Vejamos: o tribunal julga que o elemento histórico é um elemento a ter em conta na interpretação das leis, como impõe o art. 9.º/1. CC e, logo de seguida faz uma ressalva, à lei portanto! Diz o tribunal que a doutrina actual não considera o elemento histórico “muito” relevante. Ora bem, este “muito” relevante suscita ainda mais perplexidade quando se segue a justificação: “A forma complexa como as leis são elaboradas…esbate…a vontade intrínseca do legislador, não se sabendo, muito bem, quais os argumentos decisivos…”. Porventura, então, só num sistema em que não haja um procedimento complexo de feitura de leis, terá o art. 9.º/1. CC cabimento. Talvez num regime ditatorial, onde o procedimento legislativo é, à partida, bastante simples.

         Parece então, ter presidido à argumentação que minimiza o elemento histórico de interpretação qualquer receio de ter de dar razão ao recorrente, caso se tivessem “muito” em conta “as circunstâncias em que a lei foi elaborada”.

         Ora, tal não era necessário, pois que bastava exactamente o que mais à frente diz o mesmo tribunal: “…a eliminação da alínea do número três do referido artigo que proibia “organizar provas de tiro a animais vivos”, dos projectos que estiveram na origem da redacção final da lei, não pode, só por si, implicar uma interpretação no sentido de que esta actividade foi considerada lícita pelo legislador.

         “O que apenas se constata, e é sobre isso que teremos de trabalhar, é que “organizar provas de tiro a animais vivos” não consta da lei como acto justificado e, como tal, excepcional.”

         Ou seja, não é necessário desprezar o elemento histórico imposto pelo artigo 9.º/1. CC.. Muito pelo contrário:

Ao argumento do recorrente de que, a eliminação, nos trabalhos preparatórios, da frase específica onde melhor se subsumia a sua situação, consubstancia a sua licitude, é possível o contra-argumento de que: se o legislador de facto quisesse as provas de tiros a animais vivos como excepção à regra geral do artigo 1.º/1. da Lei n.º 92/95, então, teria-o feito. E não o fez. Apesar de até lhe ter ocorrido a frase “provas de tiros a animais vivos” e, portanto, pensou nela. No entanto, as excepções à regra geral são três, e são as que constam das alíneas b), e) e f) do n.º 2. do artigo 1.º da referida lei, não tendo o legislador inserido a excepção de provas de tiros, porque assim o entendeu e, portanto, são estas as “circunstâncias em que a lei foi elaborada”. As circunstâncias de um legislador que ponderou essa situação específica, e optou por não a excepcionar.

De qualquer maneira, não é totalmente descabida a ideia do recorrente de que, o legislador não quis proibir o tiro aos pombos mas também não o é o contra-argumento que lhe cabe. Desta maneira, só é possível concluir que do elemento histórico de interpretação, não se retirará grande ajuda para este caso de se saber se o tiro aos pombos foi querido como excluído ou incluído, na proibição geral do artigo 1.º/1. da Lei 92/95, pelo legislador.


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