Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
A política
comunitária do Ambiente – Em especial, a Rede Natura 2000
Por Sílvia A.R.
de Mesquita Borges
4º Ano
Subturma 8
Nº 18413
Direito do Ambiente
Professor Doutor Vasco Pereira da
Silva
Doutor João Miranda
Índice
1
- Introdução
2
- A necessidade do Direito Comunitário do Ambiente
3 - A
comunitarização do Ambiente. Evolução histórica
3.1) A motivação das atribuições
ambientais da EU
3.2)
O Tratado de Roma
3.3)
O primeiro programa
3.4)
A importância do Acto Único Europeu
3.5)
O Tratado de Maastricht
3.6) Após o Tratado de Amesterdão
4 – O Tratado de Lisboa
4.1) A definição do conceito de desenvolvimento sustentável.
Um passo num ainda por percorrer longo caminho
4.2) A luta contra as alterações climáticas
4.3)
A promoção das energias renováveis
5
– A política comunitária do ambiente
5.1) Âmbito
5.2) As áreas de combate ambiental
6 – A Rede Natura 2000
6.1) Introdução
6.2) As Directivas Aves e Habitats
6.3) Processo de Classificação dos Sítios da Rede Natura
6.4) A
Rede Natura 2000 em Portugal
6.5) Medidas
de conservação dos habitats da Rede Natura 2000
6.6)
Financiamento da Rede Natura 2000
Introdução
No âmbito
da disciplina de Direito do Ambiente, por iniciativa do Dr. João Miranda e o
Sr. Professor Vasco Pereira da Silva, tive a oportunidade de investigar um tema
à escolha, relacionado com a disciplina.
Assim, escolhi falar um pouco
sobre Direito Comunitário do Ambiente. Mas, sob pena do trabalho tornar-se
demasiado extenso e sem conteúdo específico, resolvi desenvolver um trabalho
também sobre a Rede Natura 2000, um dos instrumentos jurídicos europeus de
conservação do meio ambiente, representando uma rede ecológica europeia.
A necessidade do Direito Comunitário
do Ambiente
A União Europeia constitui hoje
um espaço comunitário. Assim, poderemos olhar para o conjunto dos países como
todo um território, um mercado comum, um espaço de habitação comum, um viver
conjunto. Tal atingiu a sua plenitude com a abertura das fronteiras. Deste
modo, o ar e as águas também circulam livremente por este espaço de todos os
cidadãos europeus. O mercado comum de bens e serviços torna-se também um
mercado comum de poluição. Os problemas ambientais de uns são também o de
outros. Ou seja, há problemas ambientais transfronteiriços que exigem uma
regulamentação supranacional. Só assim a protecção do ambiente poderá ser
eficaz, havendo normas iguais ou pelo menos harmonizadas para todos os
Estados-Membros.
Como é sabido, as mercadorias
circulam livremente pelo território da EU. Um dos meios de proteger o ambiente
é adoptar normas relativas às características, composição e qualidade dos
produtos potencialmente poluentes, de modo a reduzir a sua perigosidade. Sem
esta uniformização, os objectivos de prevenção e protecção nunca conseguiram
ser cumpridos. O mesmo se poderá dizer do estabelecimento de empresas no
território comunitário. Em relação a este estabelecimento, também terão de
existir normas harmonizadas. Se num determinado Estado as exigências ambientais
forem menores que noutro, tal constituiria um factor de atracção de empresas
poluentes, fazendo surgir focos de poluição.
Por outro lado, não seria
garantida a liberdade de concorrência se os Estados-Membros pudessem livremente
manipular as condições ambientais de funcionamento das empresas sediadas no seu
território. Os Estados mais pobres poderiam tentar fomentar o desenvolvimento
das suas economias à custa da degradação do seu meio ambiente que é, afinal, de
todos. A disparidade entre os elevados custos de produção das empresas situadas
em Estados-Membros com políticas ambientais mais rigorosas, baseadas no princípio
do poluidor-pagador, e entre os países com custos de produção mais baixos das
suas empresas concorrente, sediadas em países com uma menor política de
protecção ambiental, geraria desigualdades na competitividade das empresas,
visto haver uma falta de equivalência entre as condições de mercado em que se
inserem. Esta pressão dos agentes económicos poderia influenciar a produção das
normas ambientais nacionais. Daí a necessidade de haver normas comunitárias
supranacionais.
Na Europa, não há organismo em
melhor posição que a União Europeia para resolver estes problemas. O âmbito
estadual é muito limitado.
Em síntese, poderá afirmar-se que a
temática ambiental foi introduzida na agenda europeia por quatro razões: a
necessidade de harmonizar as políticas ambientais dos vários Estados-Membros; a
necessidade de afectar os recursos naturais ao desenvolvimento, de uma forma
racional; a internacionalização das repercussões dos problemas ambientais; e,
por fim, a salvaguarda dos recursos naturais.
A comunitarização do ambiente.
Evolução histórica
A motivação das atribuições ambientais da EU
Até aos anos 50, não havia uma
grande preocupação com a tutela do ambiente porque ainda não havia focos de
poluição muito grandes. A partir dos anos 70 é que os países europeus começaram
a sentir a necessidade de formular políticas de tutela ambiental, devido ao
fenómeno da industrialização e a sua consequente alastrante poluição. Em
acrescento, começaram a ocorrer os primeiros grandes desastres ambientais, como
o naufrágio de petroleiros provocando marés negras e explosões de instalações
industriais. Deste modo, as preocupações ambientais surgiram já numa
perspectiva curativa ou de remedeio, em vez de uma perspectiva de prevenção. Os
Estados aperceberam-se que actuar à
posteriori não era um meio adequado e eficiente.
No reverso da moeda, certos
Estados, ao começaram a implementar medidas preventivas, aperceberam-se que
estas influenciavam a capacidade de produção e de competitividade da industria.
Surgiram assim disparidades entre as indústrias dos países com politicas
preventivas com os países sem qualquer politica. Era necessário chegar a um
equilíbrio.
Em Setembro de 1968, a
Comunidade Internacional reuniu-se numa Conferência sobre “As bases científicas
da utilização racional e da conservação dos recursos da Bioesfera”, de
iniciativa das Nações Unidas. Em Dezembro do mesmo ano, as Nações Unidas
decidem convocar para 1972 uma conferência internacional. Assim, deu-se a
Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, em Estocolmo. Nesta Cimeira,
alertou-se para a necessidade de elaborar uma política comunitária do ambiente.
Assim, passou a existir uma maior consciência ambiental. Surgiu também uma
verdadeira cooperação com os chamados países de terceiro mundo, iniciando-se
uma política selectiva de cooperação, concedendo-se ajudas financeiras, por exemplo,
e realizando-se várias Convenções.
Na esteira desta Conferência, a
Comunidade Europeia elaborou uma declaração pública, após uma reunião de Chefes
de Estado, em Paris, a Outubro de 1972, onde exprimiu a sua preocupação com a
protecção do meio ambiente e assumiu o compromisso de elaborar um programa de
acção nesse âmbito. Esta reunião é o primeiro importante marco do caminho
comunitário em prol do ambiente. Declarou-se expressamente que “a expansão
económica, que não é um fim em si mesma, deve, prioritariamente, permitir
atenuar as disparidades das condições de vida; deve prosseguir-se com a
participação de todas as forças sociais e deve traduzir-se numa melhoria da
qualidade e do nível de vida. Conceder-se-á particular atenção à protecção do
meio ambiente com o fim de pôr o progresso ao serviço do homem”.
Assim, aprovou-se em 1973 um
programa de acção das Comunidades Europeias em matéria ambiental. O primeiro de
cinco.
O Tratado de Roma
O Tratado de Roma, que institui
a Comunidade Económica e Europeia, consagrava no seu art. 100º que só era
permitida a adopção de medidas em matérias que tivessem incidência directa no
estabelecimento ou funcionamento do mercado comum. Tal limitava bastante a
abertura à protecção do ambiente, já que era um entrave à harmonização de políticas
comunitárias susceptíveis de tal protecção. Todavia, a Comunidade Europeia
adoptou algumas medidas de protecção do ambiente com pouca incidência sobre o
mercado comum, através duma interpretação hábil do preâmbulo e do art. 2º do Tratado,
que tratava dos objectivos essenciais da Comunidade. O seu preâmbulo fixava
“como objectivo essencial dos seus esforços a melhoria constante das condições
de vida e de trabalho dos povos”. Deste modo, foi possível explorar as
virtualidades desta cláusula. Estas vagas referências no Tratado foram
suficientes para fixar a protecção do ambiente como objectivo essencial da
Comunidade. Por exemplo, foi elaborada uma directiva sobre a protecção das aves
e dos seus habitats, em 1979. Este “novo” objectivo essencial começou a ser
invocado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu.
O primeiro programa
Apresentava três prioridades: a
redução e a prevenção das poluições; a melhoria do ambiente e da qualidade de
vida; a junção das acções comunitárias a favor do ambiente com as acções
internacionais. Mas, devido ao princípio europeu da competência de atribuição,
estas medidas não podiam ser executadas enquanto tais por falta de base
jurídica, pelo que a política comunitária do ambiente será conduzida, através
de abordagens económicas e sociais, em ligação directa com os Tratados de Paris
e de Roma, pelo que se avançará em vários âmbitos. Em 1975 é criada a Fundação
Europeia para o Melhoramento das Condições de Vida e de Trabalho. A partir daí,
o tratamento das questões ambientais ficou ligado a esta Fundação. A Comissão e
o Conselho adoptam resoluções e emanam recomendações, apesar de estas não
poderem ser obrigatórias ou coercivas. Assim, surgem as recomendações sobre “a
protecção do património arquitectónico e natural”, “a intervenção dos poderes
públicos”, “a protecção das aves e dos seus habitats”
A importância do Acto Único Europeu
Em 1987 deu-se o Acto Único
Europeu. Surge um novo título, o VII, sobre o Ambiente. Foi feito um aditamento
ao art. 130º do Tratado de Roma que atribui, pela primeira vez, competências em
matéria de protecção do ambiente à Comunidade. Reconheceu-se assim a natureza
transnacional dos fenómenos de degradação do ambiente e a sua mais eficaz
protecção através de medidas supranacionais.
Nos termos do referido artigo,
as competências atribuídas deveriam ser direccionadas para a realização de três
objectivos: “preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente; contribuir
para a protecção da saúde das pessoas; assegurar uma utilização prudente e
racional dos recursos naturais”.
O primeiro objectivo propugna
uma protecção directa do ambiente, entendido como fim em si mesmo. O segundo
consagra o ambiente como bem jurídico, numa perspectiva antropocêntrica e
conservadora, porque é apenas meio e pressuposto da realização de outros
valores, neste caso a saúde humana. Por fim, no terceiro objectivo, ao
utilizar-se palavras como “prudente e racional”, revela uma visão da natureza
como matéria-prima ou como prestadora de serviços ao Homem. Assim, orienta-se
de novo a natureza para a utilização humana, de modo a que esta não ponha em
causa no futuro os recursos naturais. Neste objectivo enquadra-se a ideia de
desenvolvimento sustentável, ainda carecida de concretização efectiva.
O art. 130º no seu número 2
consagrou ainda os princípios fundamentais em matéria de tutela ambiental:
“A acção
da Comunidade em matéria de ambiente fundamenta-se nos princípios da acção
preventiva, da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente e no
princípio do poluidor-pagador. As exigências em matéria do ambiente são uma
componente das outras políticas da Comunidade”.
Assim,
foram consagrados o princípio da prevenção, o da reparação na fonte, o do
poluidor-pagador e o da integração.
Assim, o Acto Único Europeu vem
dar uma maior importância à questão ambiental, consagrando um título dedicado à
política de ambiente. Proporcionou uma base necessária para uma acção decidida
e adequada em matéria de protecção do ambiente, particularmente no que se
refere à necessidade de integrar as considerações ecológicas e as preocupações
ambientais nas decisões sobre as várias políticas sectoriais, como a
industrial, agrícola ou energética. Assim, a protecção do ambiente torna-se,
não apenas uma política específica da Comunidade Europeia, mas uma política
integrante das demais, já que nenhuma política de outro sector pode ignorar os
efeitos ambientais na tomada de decisões, exigindo-se sempre a mediação das
consequências ambientais.
O Tratado de Maastricht
O Tratado da União Europeia
introduziu algumas alterações. Formalmente, passou a denominar como “política”
em vez de “acção” a competência comunitária em matéria de protecção ambiental
Há
ainda um aditamento ao nº2 do referido art. 130º: “A política da Comunidade no
domínio do ambiente visará a um nível de protecção elevado, tendo em conta a
diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade”. A
exigência do nível de protecção elevado resulta da possibilidade de certas
decisões nesta matéria serem adoptadas por maioria e não unanimidade, sendo tal
uma novidade do Tratado. Os Estados do Norte da Europa, tradicionalmente mais
rigorosos na protecção do ambiente, receavam que os Estados mais pobres, do
Sul, pudessem reunir a maioria necessária para a tomada de decisões e com isso
diminuir o nível de protecção da política comunitária do ambiente. Esta
exigência traduz-se numa proibição de redução da protecção do ambiente ao
“mínimo denominador comum”. Por outro lado, a ressalva do respeito pelas
diversidades regionais foi uma exigência dos países do Sul, cujas preocupações
se orientavam para a solução de problemas sociais económicos mais prementes.
Houve ainda o aditamento de um
novo objectivo: “a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a
enfrentar os problemas regionais e mundiais do ambiente”. Assim, surge o
princípio da precaução.
Também houve alterações ao nível
do art. 2º, visto que na redacção dada retira-se expressamente que o ambiente
passa a ser uma “missão” fundamental da Comunidade, condição para a melhoria da
qualidade de vida, apenas compatível com um crescimento sustentável da
economia. Surge assim o objectivo da União de promover o progresso económico e
social equilibrado e sustentável. A
doutrina comunitária despega-se da noção puramente económica de crescimento e
desenvolvimento, surgindo assim a noção de desenvolvimento sustentável.
Após o Tratado de Amesterdão
Não houve alterações significativas com este
Tratado. O procedimento deliberativo de cooperação institucional é substituído
pelo procedimento de co-decisão, que passará a ser regra de deliberação em
matérias ambientais. Passasse a exigir a consulta do Comité das Regiões, ao
lado da já prevista consulta do Comité Económico e Social.
O Tratado de Lisboa
O Tratado de Lisboa
trouxe três principais inovações: definição do conceito de desenvolvimento
sustentável; a luta contra as alterações climáticas e a promoção da utilização
de recursos renováveis.
A definição do conceito de desenvolvimento
sustentável. Um passo num ainda por percorrer longo caminho
Um grande passo foi
tomado com o Tratado de Lisboa em relação ao princípio do desenvolvimento
sustentável. O conceito ganha uma importância acrescida, figurando desde logo
do preâmbulo do Tratado. Surge também ao nível dos objectivos da União, no art.
3º do TUE, no plano interno, e no plano externo, no número cinco do referido
artigo, concretizado no art. 21º/2, alíneas d) e f).
No TFUE, este
grande passo é concretizado no art. 11º, a par do princípio da integração. O
conceito é mencionado ainda no art. 177º, relativo ao Fundo de Coesão.
Curiosamente, o Titulo XX referente ao ambiente é omisso em relação ao conceito
de desenvolvimento sustentável. Também o é o Titulo XXI, referente à política
de energia.
O princípio do
desenvolvimento sustentável pode ser definido como o
desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Não irei
desenvolver uma exposição sobre conteúdo e a evolução do conceito, sob pena deste
trabalho tornar-se demasiado longo.
Voltando
ao Tratado de Lisboa, apesar de definir expressamente pela primeira vez a noção
de desenvolvimento sustentável, há quem ainda critique o conteúdo e o alcance deste
princípio.
Na análise do texto[1] retiro a
seguinte afirmação da autoria de TOUZET:
"O desenvolvimento sustentável induz à
adopção de políticas menos sectoriais do que o Direito do Ambiente. Ainda que a
protecção do ambiente possa apresentar-se como um objectivo maior do
desenvolvimento sustentável, ela não pode arrogar-se o objectivo único".
É detectado nos textos dos Tratados uma tripla perspectiva conciliatória da qual
depende a efectivação do princípio. Em que sentido? Alguma doutrina nega a
natureza de princípio ao conceito por este só ser operável por recurso a três
pilares: o económico, o social e o ambiental. Assim, nos Tratados nunca
encontramos a consagração do princípio com a substância de tal “estatuto”. É
que a sua efectivação é sempre interligada com o progresso económico, a
promoção do bem-estar e a protecção do ambiente. Tal resulta claramente do art.
3º/3 do TUE, por exemplo.
Desta perspectiva, o Tratado de Lisboa nada
vem trazer de novo às consagrações anteriores do princípio e à sua efectivação.
O próprio artigo 11º do TFUE refere que as “exigências em matéria de protecção
do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e acções
da União, em especial com o objectivo de promover o desenvolvimento sustentável”.
A formulação do artigo aponta que a política de ambiente não se impõe aos
restantes objectivos da União. Apenas deve-se ter em conta a protecção
ambiental na tomada de decisões, nada proibindo que o denominado princípio do
desenvolvimento sustentável seja afastado. Daqui decorre uma das velhas críticas
a este princípio. É que este não é absoluto, já que mesmo que haja alguns danos para o ambiente, os benefícios
económicos de uma decisão podem prevalecer à protecção ambiental.
O que se pretende, não erradamente,
é salvaguardar um equilíbrio entre os valores ecológicos e os valores
económicos da União. Isto é, “a economia deverá desenvolver-se de forma menos
lesiva para o ambiente e a protecção do ambiente deverá ser prosseguida da
forma mais económica possível”. Assim, não se trata de um objectivo ou valor
prevalecer sobre outro, mas sim de haver uma interdependência entre eles. A
conservação da natureza também depende de factores económicos. Assim, os
Autores apontam que “é precisamente a estas
ideias de equilíbrio e de interconexão ou interdependência que o princípio do desenvolvimento
sustentável faz referência”.
Deste modo aponta-se que o conceito, ou
princípio, é demasiado aberto e tudo
depende da elasticidade da ponderação e dos interesses em jogo. Assim, o
conceito carece de uma boa aplicação prática, pelo que goza da fama mas é pouco
o proveito, a utilidade prática dele. O Tratado de Lisboa mantém-se assim na
esteira dos tratados constitutivos anteriores, dando um passo importante, mas
ainda dentro do longo caminho de efectivação prática do princípio.
A luta contra as alterações climáticas
Este sim foi um
grande passo dado pelo Tratado de Lisboa. Introduziu-se expressamente uma referência
às alterações climáticas, no art. 191º/1, 4º travessão do TFUE. Assim, o
combate às alterações climáticas passa a ser um dos objectivos da União.
Esta consagração foi verdadeiramente uma
novidade, visto não haver qualquer referência a tal problemática nos tratados
anteriores, apesar de já desde cedo a União preocupar-se com tal questão e
tomar medidas. A questão foi logo apontada pela presidência alemã nas negociações
para um tratado reformador, por volta de 2007. Esta foi uma vitória, ainda que
tardia de tal presidência. É que foi no ano de 2007 que o mundo despertou para
o problema do efeito de estufa. Este problema ainda não tinha sido consagrado formalmente
porque a União Europeia, no âmbito do Protocolo de Quioto, já tinha feito um
compromisso em relação a este combate, havendo até um Programa Europeu para as
Alterações Climáticas, aprovado conjuntamente com ferramentas jurídicas que
serviam de base para a actuação neste combate. Hoje em dia, a União tem duas políticas
de combate ao aquecimento global, o comércio europeu de licenças de emissão
(CELE) e o Pacote Clima-Energia.
Deste modo, a União Europeia encontra-se
dotada de instrumentos jurídicos eficazes e promissores, estando a problemática
das alterações climáticas no centro de discussão da União. Assim, a esta
questão importantíssima faltava a consagração institucional, se quisermos
“constitucional”, dada pelo Tratado de Lisboa.
A promoção das energias renováveis
A temática da energia encontra-se na génese da
construção da Comunidade Europeia. Há que recordar que esta começou como sendo
a CECA, Comunidade Europeia de Carvão do Aço.
Foi introduzido no Tratado de Lisboa um novo
Título, o XXI, dedicado à política de energia. A União já se preocupava com
esta questão anteriormente. O apelo à harmonização legislativa tendente ao
estabelecimento e consolidação do mercado interno, serviu como fundamento da
adopção de diversos programas comunitários em sede de eficácia do uso da
electricidade (PACE), de incremento da eficiência energética (SAVE) ou de
promoção das tecnologias energéticas europeias (THERMIE). Houve ainda a
aprovação do Programa ALTENER I, com vista ao fomento da utilização de fontes
de energia renovável.
O
grande contributo do Tratado de Lisboa no que diz respeito à política
energética da União reside no facto de esta passar a contar com uma base
habilitante expressa e autónoma, já que a definição e a concretização das
políticas vêm na esteira do que já era prosseguido.
Do
artigo 194º resulta uma aliança entre a política energética e a protecção do
ambiente. O sector das energias renováveis encontra-se hoje em expansão e é um
forte aliado da preservação do meio ambiente. Nos termos do artigo 191/1 do
TFUE, os objectivos da política da União no domínio do ambiente são: a
preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente; a protecção da
saúde das pessoas; a utilização prudente e racional dos recursos naturais; e, a
promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os
problemas regionais ou mundiais do ambiente, designadamente a combater as
alterações climáticas. Como observa DOMINGO LÓPEZ, "o aumento da
utilização de energias renováveis implica uma estabilização das emissões de
CO2, o que contribuirá para a consecução dos dois primeiros objectivos da
política ambiental da União; quanto ao terceiro objectivo, é indubitável a
necessidade de aproveitamento das fontes de energia renovável como medida
tendente à utilização racional e prudente dos recursos naturais". Deste
modo, a ligação entre os dois é evidente.
A política comunitária do ambiente
Do
exposto anteriormente retira-se que o Tratado de Lisboa prosseguiu com o quinto
programa ambiental, não havendo propriamente um novo programa, mas sim certos
aspectos que foram aprimorados.
O
quinto programa ambiental introduziu uma divisão de responsabilidades e, com
ela, a participação activa de todos os sectores económicos, numa mobilização
interactiva, visando instaurar um novo equilíbrio entre os interesses, a curto
prazo, das entidades privadas e, das empresas públicas e os interesses sociais,
a longo prazo, o que faz alargar o elenco destes agentes, que são, além dos
indivíduos e consumidores, os poderes públicos e as empresas públicas e
privadas, sob todas as formas.
Os
princípios fundamentais da base da política comunitária ao nível ambiental são
os seguintes[2]:
- o principio da prevenção – a melhor politica do ambiente
consiste em evitar, na origem, a criação de poluições ou nocividades e não
apenas em combatê-las depois da sua ocorrência
- principio do
desenvolvimento sustentável – impõe que a politica do ambiente tenha de
acompanhar o desenvolvimento económico e social
- principio da
avaliação prévia das decisões com incidência negativa – obriga a ter em conta,
o mais cedo possível, a incidência de quaisquer pregressos técnicos de
planificação e de decisão sobre o ambiente
-
principio da preservação do equilíbrio natural – exige que toda a exploração de
recursos e do meio natural, que implique danos sensíveis sobre o equilíbrio
ecológico, deva ser evitada
- principio da
promoção da investigação cientifica pró-ambiental – implicando a necessidade de
melhorar o nível de conhecimentos científicos e tecnológicos da Comunidade,
visando a realização de uma acção mais eficaz de preservação e melhoramento do
ambiente e de luta contra a poluição, o que implica a promoção de investigações
com estes fins
- principio do
poluidor-pagador – significa que as acções de prevenção e supressão dos
elementos nocivos incumbem, em principio, ao poluidor
- principio da
solidariedade intracomunitária – consubstancia uma interdição comunitária, nos
termos da qual as actividades desenvolvidas, num Estado-Membro, não devem
provocar a degradação do ambiente noutro Estado
- principio da
solidariedade com os países em desenvolvimento – coloca a cargo da EU e dos
seus Estados, nas suas politicas estaduais sobre o ambiente, o dever de tomar
em conta os interesses dos países em desenvolvimento, e, em particular, de
examinar as repercussões eventuais das medidas, que pretendem adoptar, no
quadro das politicas sobre o desenvolvimento económico desses países
- principio do
empenhamento global da EU nas instâncias internacionais – a União e os seus
Estados devem-se empenhar no tratamento dos temas do ambiente, nos debates a
efectivar nas Organizações Internacionais, dando uma contribuição geral para a
sua solução
- principio do
envolvimento dos cidadãos na defesa do ambiente – a defesa do ambiente é uma questão
de toda a sociedade, logo tem de haver acções para sensibilizar e educar a
opinião publica
- principio da
escolha da acção adequada a cada tipo de poluição – sendo certo que há
diferentes tipos de poluição, que podem ser atacadas de forma diferente,
devendo-se procurar o nível de acção mais adequado a cada tipo de poluição
- principio do
tratamento integrado dos aspectos mais relevantes da politica ambiental –
implica que os domínios mais importantes da politica do ambiente não devam ser
considerados e resolvidos isoladamente
- principio da
articulação das politicas estaduais – exige que a politica do ambiente na EU
deva procurar coordenar e harmonizar as politicas dos Estados-Membros, sem pôr
em causa os progressos já obtidos ou a obter, a este nível decisório, desde que
estes não coloquem em causa a realização do Mercado comum.
Âmbito
Deste modo, temos um âmbito subjectivo de intervenção e um objectivo. O
âmbito subjectivo visa a acção dos poderes públicos e das empresas privadas. Os
poderes públicos têm grandes responsabilidades, como gestores e fomentadores de
iniciativas, tomando decisões de implementação de medidas que podem ter impacto
no âmbito do ambiente. Decisões estas em áreas como o ordenamento do
território, o desenvolvimento económico ou a gestão de resíduos, ou ainda a
politica de transportes, por exemplo. Quanto às empresas, as indústrias
transformadoras, por exemplo, utilizam recursos naturais, o que cria resíduos,
que contribuem para a poluição do ar, da água e do solo. Assim, o programa
tenta fomentar a consciência das vantagens a prazo de estas empresas tomarem em
consideração a ecologia nas suas políticas de gestão.
Quanto ao âmbito objectivo de intervenção, este vai incidir sobre cinco
sectores. A novidade de programa está em prever mecanismos de conciliação de
estratégias e calendários. Estes sectores são os sectores energético, dos
transportes, da agricultura e silvicultura, o industrial e o do turismo.
As áreas de combate ambiental
No programa visa-se sete áreas ambientais especificas de actuação
directa, com o estabelecimento de objectivos e metas. Passo a enumerar,
resumidamente.
Quanto às alterações climáticas, a protecção ambiental incide sobre a
protecção das orlas costeiras, recursos hídricos e resíduos, e um pouco mais
desenvolvidamente, quanto à acidificação, protecção da natureza, degradação dos
solos e ambiente urbano.
Quanto à mudança climática, a meta é conseguir a redução de dióxido de
carbono, metano, dióxido nitroso, a progressiva eliminação de clorofluorocarbono
e, em geral, das emissões de substâncias que reduzem a camada de ozono.
Quanto às zonas costeiras, pretende-se um desenvolvimento dos recursos de
acordo com a capacidade suportável para atingir um desenvolvimento sustentável,
com recurso ao planeamento.
Quando à gestão de resíduos, pretende-se impedir a sua criação,
eliminá-los de modo seguro e criar circuitos de reciclagem e saídas comerciais
para os materiais reciclados, permitindo a sua recuperação.
Quanto à gestão dos recursos hídricos, pretende-se impedir a contaminação
das águas. Equilibrar a procura e a concessão de água através de um uso e
gestão mais racional dos recursos.
Deste modo conclui-se que a ambiente é um domínio importante da política
comunitária. Esta dispõe de um orçamento diminuto para intervir nesta área mas
este está em aumento progressivo. A competência da União abrange um vasto campo
de áreas, destacando o ambiente marinho, a gestão da água e dos resíduos, a
poluição atmosférica, a política agrícola comum, a segurança nuclear, por
exemplo.
A
Rede Natura 2000
Introdução
A
Rede Natura 2000 é o centro da política de biodiversidade da União. É uma rede
no âmbito do território dos Estados-Membros composta por áreas de protecção da
natureza. Esta rede ecológica foi estabelecida pela aplicação da Directiva Aves
(Directiva nº 79/409) e pela Directiva Habitats (Directiva nº 92/43).
Esta
rede tem como finalidade assegurar a conservação a longo prazo das espécies e
dos habitats mais ameaçados da Europa, contribuindo para parar a perda de
biodiversidade. Constitui o principal instrumento para a conservação da
natureza na União Europeia.
A
Rede Natura 2000 foi criada a 21 de Maio de 1992, com o objectivo de alcançar os
objectivos estabelecidos pela Convenção sobre Diversidade Biológica das
Nações Unidas, aprovado na Cimeira da Terra do Rio de Janeiro, em 1992.
A
formação da rede estava, em princípio, prevista para Junho de 2004. Os Estados-membros tinham de
seleccionar os sítios naturais do seu território que iam formar a rede, e ter
em Junho de 1995 uma lista nacional de lugares previstos para a formação da
Rede Natura 2000. Em Junho de 1998, deveria completar-se a segunda fase do
estabelecimento da Rede Natura 2000, a selecção final dos Sítios de Importância
Comunitária (SIC), que logo se integraram na Rede Natura 2000 sob a designação
definitiva de Zonas Especiais de Conservação (ZEC).
Esta
Rede é, assim, composta por:
-
Zonas de Protecção Especial (ZPE) – estabelecidas ao abrigo da Directiva Aves,
que se destinam essencialmente a garantir a conservação das espécies de aves e
seus habitats (presentes no Anexo 1 da Directiva), e das espécies de aves
migratórias, cuja ocorrência seja regular;
-
Zonas Especiais de Conservação (ZEC) – criadas ao abrigo da Directiva Habitats,
com o objectivo de contribuir para assegurar a biodiversidade, através da
conservação dos habitats naturais (Anexo 1 da Directiva) e dos habitats de
espécies de flora e a fauna selvagem (Anexo 2), considerados ameaçados no
espaço da União Europeia.
É
estabelecido que a Rede que não são excluídas as actividades humanas nestas
áreas, mas que estas têm de ser compatíveis com a preservação dos habitats e
das espécies, visando uma gestão sustentável do ponto de vista ecológico,
económico e social.
Como
já foi referido, no âmbito do quinto programa ambiental da UE, a garantia da
prossecução destes objectivos passa necessariamente por uma articulação da
política de conservação da natureza com as restantes políticas sectoriais, como
a turística ou a de obras públicas, por forma a encontrar os mecanismos para
que os espaços incluídos na Rede Natura 2000 sejam espaços vividos e geridos de
forma sustentável.
A
Rede é extensa, abrangendo também o meio marinho.
Existe
o barómetro Natura 2000 que fornece informações estatísticas do progresso da
implementação da Rede.
As Directivas Aves e Habitats
A Directiva Aves visa a conservação de todas as
espécies de aves que vivem no estado selvagem no território da comunidade
europeia. Para assegurar esta conservação, os Estados-Membros tomam as medidas
necessárias para garantir a protecção das populações selvagens das várias
espécies de aves, estabelecendo um regime geral para a sua protecção e gestão.
A Directiva aplica-se às aves mas também aos seus
habitats, ovos e ninhos. Regulamenta ainda o comércio de aves selvagens, a caça
e proíbe certos métodos de captura e abate.
Inclui uma lista das espécies de aves protegidas,
bem como das espécies migratórias de ocorrência regular. Estas aves e seus
habitats dão origem às Zonas de protecção especial. Os Estados-Membros têm de
classificar estas zonas, a sua extensão e habitats.
A Directiva Habitats assegura a conservação dos
habitats naturas e de espécies da flora e da fauna selvagens, com excepção das
aves, considerados ameaçados no território da União.
A Directiva criou uma rede ecológica de Zonas de
especial conservação, seleccionadas com base em critérios específicos. Criou
assim a Rede Natura 2000.
Estabelece ainda um regime de protecção para
espécies de fauna e flora que requerem uma protecção rigorosa, presentes no
Anexo 4. Estas espécies podem estar fora das áreas que integram a Rede Natura
2000.
A Directiva regula a captura, abate e colheita
das espécies, a detenção, transporte e comércio. Regula também a perturbação da
fauna e a destruição de áreas importantes para as diferentes fases do seu ciclo
de vida.
Processo de Classificação dos Sítios da Rede Natura
O território da União foi dividido em nove
Regiões Biogeográficas, de modo a assegurar a eficiente conservação das
espécies e seus habitats.
A selecção e delimitação das áreas da Rede Natura
2000 têm por base critérios exclusivamente científicos. Há que escolher as
zonas mais apropriadas à conservação de determinadas espécies em perigo e
respectivos habitats, submetendo-as a um estatuto jurídico especial, com vista
à preservação dos valores ecológicos.
As áreas designadas ao nível da Directiva Habitats surgem de uma Lista
Nacional de Sítios cuja elaboração é da competência de cada Estado-Membro. Esta
é a primeira fase do processo. Estes sítios devem ser aqueles que alberguem
espécies previstas no Anexo II e seus habitats, previstos no Anexo I. Os
critérios de elaboração desta Lista constam do Anexo III. A Directiva não o
exige mas em Portugal a inclusão de sítios nesta Lista foi sempre precedida de
consulta pública. Por exemplo, neste momento corre até 15 de Junho a fase de
consulta pública para a proposta como SIC à Comissão da Ria de Aveiro.
De
seguida, numa segunda fase, os Estados-Membros propõem esta Lista à Comissão
Europeia, que selecciona os Sítios de Importância Comunitária (SIC), com base
nos critérios do Anexo III, para cada uma das nove Regiões Biogeográficas da
Europa. A LNS é aprovada por Resolução do Conselho de Ministros, segundo o art.
5º do RJRN2000, mediante proposta do Instituto de Conservação da Natureza e da
Biodiversidade. Os sítios reconhecidos pela Comissão como SICs são publicitados
através de portaria do ministro responsável pela área do ambiente.
Caso um Estado-Membro não tenha incluído na sua
LNS um sítio que integre um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou
uma ou mais espécies prioritárias, esse sítio poderá, ainda assim, vir a ser
reconhecido como SIC, por iniciativa da Comissão e mediante decisão do
Conselho. Visa-se contornar a inércia ou o bloqueio dos Estados à integração de
um determinado sítio na Rede Natura 2000. A decisão do Conselho tem de ser
tomada por unanimidade, regra fortemente restritiva.
Na
terceira fase, os Estados-Membros classificam as SIC em Zonas Especiais de
Conservação (ZEC), passando assim estas a integrar a Rede Natura 2000. Esta
classificação tem de ocorrer no prazo máximo de seis anos e é efectuada por
decreto regulamentar. Deste modo, o processo nesta Directiva é faseado e de
co-decisão entre os Estados-Membros e a Comissão Europeia.
Este processo tem-se revelado complexo e demorado. Os
primeiros litígios apreciados pelo TJUE a propósito da Rede Natura versavam
sobre a classificação dos territórios. Isto porque houve primeiro que
constituir a rede para depois se levarem a cabo as medidas de conservação. E há
que perceber que a sujeição de um território ao regime da Rede representa
limitações e deveres acrescidos, que constituem à partida uma resistência do
poder económico e das populações.
Ao nível da Directiva
aves, o processo é mais simplificado. O art. 3º consagra o dever geral de
conservação, que passa pela criação das Zonas de protecção especial (ZEP).
Estas zonas devem ser os territórios mais apropriados para a conservação e são
classificadas pelos Estados-Membros, de acordo com critérios científicos de
cariz ornitológico. A Directiva não exige qualquer forma específica para o acto
de classificação, mas o art. 6º do Regime Jurídico da Rede Natura 2000 prevê
que revista a forma de decreto regulamentar.
Uma vez declaradas como tal à Comissão Europeia,
passam logo a integrar a Rede Natura 2000. Deste modo, a tarefa de zonamento é confiada
aos Estados-Membros no âmbito desta Directiva.
O processo exposto é representado pelo seguinte
esquema.
A Rede
Natura 2000 em Portugal
Em Portugal estão representadas três Regiões Biogeográficas,
a Atlântica, a Mediterrânica e a Macaronésica. Segue um quadro que delimita
estas áreas.
Em Portugal encontram-se classificados
96 SICs e 59 ZEPs. As Directivas atrás referidas foram transpostas para o
Regime Jurídico da Rede Natura 2000 (RJRN2000), que irei desenvolver mais à
frente.
Medidas
de conservação dos habitats da Rede Natura 2000
As regras
relativas à conservação dos habitats versam sobre matérias como o ordenamento e
a gestão dos sítios que integram a Rede, sobre as obrigações dos Estados na
preservação desses sítios e sobre o tipo de actividades humanas que aí podem ou
não ter lugar.
Levanta-se o problema de saber a
partir de quando é que entra em vigor o regime de protecção dos habitats. O
art. 4º, nº 5 da Directiva Habitats dispõe que o regime de protecção é
aplicável logo que um sítio seja qualificado como SIC. Mas no RJRN2000 prevê
nos arts. 7º-A e 7º-B que mal um sítio integre a LNS fica transitoriamente
subordinado ao regime próprio das ZECs. Quando às ZPEs gozam de protecção
jurídica imediata, não necessitando de aguardar o momento formal de
classificação. Existe, assim, uma divergência normativa.
Não obstante esta divergência, o
art. 4º, nº3 do Tratado da União Europeia consagra o princípio da lealdade,
pelo que assim que um Estado-Membro demonstra a intenção de vir a classificar
um determinado sítio, fica obrigado a protegê-lo ou, pelo menos, a abster-se de
comportamentos que ponham em causa os valores ecológicos nele inscritos. Tal
tem sido designado como “obrigação de stanstill”, ou seja, um Estado fica
impedido de, previamente à classificação formal e definitiva do sítio, adoptar
qualquer atitude que possa colocar em perigo ou inutilizar essa mesma
classificação, prejudicando o cumprimento dos objectivos conservacionistas em
causa.
O regime de conservação das ZPEs
e das ZECs é homogéneo, visto que a cláusula geral de protecção é a mesma,
prevista no art. 6º da Directiva Habitats. Este artigo consagra as obrigações
de tutela das zonas classificadas. Desta cláusula retira-se que toda e qualquer
deterioração de habitats, ao contrário da perturbação de espécies que apenas é
censurável quando produza um efeito significativo. Retira-se também a exigência
de uma análise das incidências ambientais dos planos projectos a levar a cabo
nos sítios da Rede Natura 2000, permitindo-se a sua realização mesmo que haja
conclusões negativas, desde que seja reconhecido o seu interesse público e adoptadas
as necessárias medidas compensatórias
Discutia-se se esta cláusula
geral tem efeito directo ou não. Vários Autores entendiam que sim sustentado
que, em caso de não transposição, os Estados-Membros encontram-se, ainda assim,
vinculados à protecção das zonas classificadas nos termos definidos pela
Directiva. O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta
questão, no célebre caso da ponte sobre o Tejo, decidindo em sentido contrário.
O STA sustentou que a norma não possuía efeito directo material porque dela não
resultava uma obrigação perfeitamente clara, precisa e incondicional. De facto,
o preceito utiliza conceitos indeterminados, como “efeito significativo” ou
“medidas adequadas”. E, no âmbito da Directiva Habitats, admitiu-se que certas
lesões, ainda que significativas, possam ser excepcionalmente autorizadas pelos
Estados-Membros, com base no interesse público. Deste modo, os Estados detêm
uma certa margem de discricionariedade na determinação dos planos ou projectos
que podem ou não ser concretizados.
Esta discussão encontra-se
ultrapassada, visto que o regime de protecção da Rede Natura 2000 já foi
transposto para o ordenamento jurídico português.
O RJRD 2000 foi consagrado no DL Nº 140/1999, alterado e republicado
pelo DL Nº 49/2005.
O regime das ZECs encontra-se
regulado no art. 7º, que prevê uma obrigação genérica de conservação e medidas
específicas e complementares de conservação. Estas medidas encontram-se
densificadas ao longo do diploma e são estas que formam o núcleo fundamental do
regime e da tutela jurídica assegurada.
Em relação às ZEPs, o seu regime
consta do art.7º-B, que traça também uma obrigação genérica de conservação e
remete para o regime das ZECs.
As medidas de conservação são o
ordenamento do território, da gestão e da avaliação das incidências ambientais.
A primeira medida,
consagrada no art. 7º/2, a), desenvolvida no art. 8º, prevê dois níveis de
planificação: o nível sectorial e o nível local. Em relação ao nível sectorial,
os respectivos planos estão previstos no Regime Jurídico dos Instrumentos de
Gestão Territorial. O legislador entendeu que se justificava a existência de um
plano sectorial quanto à política de salvaguarda da biodiversidade que se
materializa, geograficamente, nos sítios da Rede Natura. Há quem critique tal
solução, argumentando que a conservação da natureza não deve assumir uma índole
sectorial, mas antes transversal a todas as políticas públicas. De todo o modo,
foi aprovado o Plano Sectorial da Rede Natura 2000. Esta Plano só vincula
entidades públicas e não privadas, representando tal um limite injustificável à
implementação das medidas previstas.
Em
relação ao nível local, o art. 8º prevê que a conservação seja assegurada
através de instrumentos de gestão territorial de âmbito local, como os Planos
Especiais e Municipais de Ordenamento do Território. Deste modo, a par da
planificação sectorial, exige-se uma planificação mais precisa e próxima das zonas.
Deste modo, os instrumentos de gestão territorial aplicáveis devem garantir a conservação
dos habitats e das populações das espécies que fundamentaram a sua
classificação.
Ao nível da segunda medida, o art.
7º/2 b) refere-se à “gestão dos sítios”, levada a cabo nos termos do art. 9º,
que consagra os “actos e actividades condicionados”. Assim, a gestão dos sítios
prende-se numa limitação de certo tipo de condutas potencialmente lesivas da
biodiversidade. O art. 9º/1 consagra também uma obrigação genérica de
conservação, estabelecendo que as entidades da Administração Pública com
intervenção nessas zonas devem assegurar a conservação, evitando a deterioração
dos habitats e a perturbação das espécies. O art. 9º/2 dispõe que o Instituto
da Conservação da Natureza e da Biodiversidade ou a Comissão de Coordenação e
Desenvolvimento Regional tem de dar um parecer prévio para autorizar as acções
nele previstas. Este parecer tem de ser emitido em 45 dias a contar da data da
sua solicitação, de acordo com o art. 9º/3. O silêncio destas entidades resulta
numa resposta favorável, segundo o art. 9º/5. Este parecer é vinculativo mas
admite-se recurso, pelo art. 9º/6.
Por fim, a terceira medida, a
análise de incidências ambientais, prevista no art. 10º. Esta é uma das mais
importantes medidas de conservação dos sítios da Rede Natura 2000. O art. 3º/1,
p) define esta análise, a AIncA. O art. 10º/1 define que acções, planos ou
projectos estão sujeitos a esta análise. O legislador nacional foi mais longe
que o comunitário já que a Directiva Habitats não se refere a “acções”, mas
apenas a planos e projectos. Estas acções estão sujeitas à AIncA quando afectem
“de forma significativa” um sítio da Rede. Esta formulação é demasiado ampla e
traz algumas dúvidas de concretização. Para além do mais, esta análise devia
incidir também sobre as consequências de tais acções, planos ou projectos, até
que estes tragam em conjugação com outros projectos. Há doutrina que refere
ainda que a AIncA não se circunscreve às actividades localizadas no interior
das zonas classificadas, aplicando-se a todas as actividades, mesmo longínquas,
cujos efeitos se projectem sobre a Rede. Assim, a delimitação de quais são
estas acções é de difícil definição.
Por
outro lado, o ordenamento português dispõe de outros regimes conexos a este,
como a avaliação de impacto ambiental. Assim, pode haver problemas de
articulação entre estes regimes. Os Autores tendem a admitir a sua aplicação
cumulativa, e nunca a dispensa de um dos regimes em contraponto à aplicação de
outro. O art. 10º/2 estabelece que quando um projecta esteja sujeito a AIA, a
AIncA segue a forma do procedimento de AIA. Assim, realiza-se uma avaliação de
impacto ambiental, por via da qual se satisfazem as finalidades do art. 10º.
Financiamento
da Rede Natura 2000
A
Rede deve ser financiada de forma horizontal, através dos diversos fundos
comunitários previstos para o período financeiro 2007-2013, conforme previsto
nas Perspectivas Financeiras 2007-2013.
O
Fundo Europeu mais complexo é o Fundo Europeu Agrícola para o Desenvolvimento
Rural (FEADER), cuja aplicação no território continental se concretiza através
do Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER).
A
nível nacional temos ainda o PROVERE, um instrumento desenvolvido pelo
Ministério do Ambiente, do Ordenamento e do Território e do Desenvolvimento
Regional, no âmbito do QEN, Quadro de Referência Estratégico Nacional. Este
instrumento pretende estimular iniciativas dos agentes económicos, orientadas
para a melhoria da competitividade territorial em áreas de baixa densidade
populacional.
Ainda
dentro do QREN, a Cooperação Territorial Europeia, pretende reforçar as
intervenções conjuntas dos Estados-Membros, em acções de desenvolvimento
territorial integrado, incluindo Programas Operacionais de Cooperação.
Conclusão
Um dos principais aspectos a reter deste
trabalho é que a União Europeia detém uma vasta e profunda política comunitária
do ambiente, tendo o Tratado de Lisboa aprofundado o quinto programa ambiental
europeu.
Um instrumento relevante de implementação desta
política é a Rede Natura 2000. Portugal tem várias zonas dotadas da protecção
deste instrumento jurídico, não ausente de críticas, mas cuja aplicação no
geral é muito bem sucedida. A Análise de Incidências Ambientais reveste-se da
maior importância, sendo a sua aplicação reforçada pelo instrumento da
Avaliação de Impacto Ambiental.
É importante que Portugal, no âmbito da União
Europeia, detenha estes instrumentos, visto que temos um território vasto e
rico, onde habitam, por exemplo, espécies únicas no Mundo, como o lince
ibérico.
Convido o Professor a consultar as Listas de
SICs e ZEPs.
Bibliografia
Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, O AMBIENTE
NO TRATADO DE LISBOA: UMA RELAÇÃO SUSTENTADA
Fernando Reis Condesso, DIREITO DO AMBIENTE, Edições
Almedina, 2007
Tiago
Antunes, SINGULARIDADES DE UM REGIME ECOLÓGICO – o regime jurídico da Rede
Natura 2000 e, em particular, as deficiências da Análise de Incidências
Ambientais, in DIREITO E BIODIVERSIDADE, Coordenação de Carla Amado Gomes,
Juruá Editora, 2010
Sítios da
Internet
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