segunda-feira, 21 de maio de 2012

A política comunitária do Ambiente - em especial, a Rede Natura 2000


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa



A política comunitária do Ambiente – Em especial, a Rede Natura 2000


Por Sílvia A.R. de Mesquita Borges
4º Ano
Subturma 8
Nº 18413
Direito do Ambiente
Professor Doutor Vasco Pereira da Silva
Doutor João Miranda





Índice

1 - Introdução
2 - A necessidade do Direito Comunitário do Ambiente
3 - A comunitarização do Ambiente. Evolução histórica
                3.1) A motivação das atribuições ambientais da EU
3.2) O Tratado de Roma
3.3) O primeiro programa
3.4) A importância do Acto Único Europeu
3.5) O Tratado de Maastricht
3.6) Após o Tratado de Amesterdão
4 – O Tratado de Lisboa
4.1) A definição do conceito de desenvolvimento sustentável. Um passo num ainda por percorrer longo caminho
4.2) A luta contra as alterações climáticas
4.3) A promoção das energias renováveis
5 – A política comunitária do ambiente
5.1) Âmbito
5.2) As áreas de combate ambiental
6 – A Rede Natura 2000
6.1) Introdução
6.2) As Directivas Aves e Habitats

6.3) Processo de Classificação dos Sítios da Rede Natura
6.4) A Rede Natura 2000 em Portugal
6.5) Medidas de conservação dos habitats da Rede Natura 2000
6.6) Financiamento da Rede Natura 2000



















Introdução

                No âmbito da disciplina de Direito do Ambiente, por iniciativa do Dr. João Miranda e o Sr. Professor Vasco Pereira da Silva, tive a oportunidade de investigar um tema à escolha, relacionado com a disciplina.
                Assim, escolhi falar um pouco sobre Direito Comunitário do Ambiente. Mas, sob pena do trabalho tornar-se demasiado extenso e sem conteúdo específico, resolvi desenvolver um trabalho também sobre a Rede Natura 2000, um dos instrumentos jurídicos europeus de conservação do meio ambiente, representando uma rede ecológica europeia.














A necessidade do Direito Comunitário do Ambiente

                A União Europeia constitui hoje um espaço comunitário. Assim, poderemos olhar para o conjunto dos países como todo um território, um mercado comum, um espaço de habitação comum, um viver conjunto. Tal atingiu a sua plenitude com a abertura das fronteiras. Deste modo, o ar e as águas também circulam livremente por este espaço de todos os cidadãos europeus. O mercado comum de bens e serviços torna-se também um mercado comum de poluição. Os problemas ambientais de uns são também o de outros. Ou seja, há problemas ambientais transfronteiriços que exigem uma regulamentação supranacional. Só assim a protecção do ambiente poderá ser eficaz, havendo normas iguais ou pelo menos harmonizadas para todos os Estados-Membros.
                Como é sabido, as mercadorias circulam livremente pelo território da EU. Um dos meios de proteger o ambiente é adoptar normas relativas às características, composição e qualidade dos produtos potencialmente poluentes, de modo a reduzir a sua perigosidade. Sem esta uniformização, os objectivos de prevenção e protecção nunca conseguiram ser cumpridos. O mesmo se poderá dizer do estabelecimento de empresas no território comunitário. Em relação a este estabelecimento, também terão de existir normas harmonizadas. Se num determinado Estado as exigências ambientais forem menores que noutro, tal constituiria um factor de atracção de empresas poluentes, fazendo surgir focos de poluição.  
                Por outro lado, não seria garantida a liberdade de concorrência se os Estados-Membros pudessem livremente manipular as condições ambientais de funcionamento das empresas sediadas no seu território. Os Estados mais pobres poderiam tentar fomentar o desenvolvimento das suas economias à custa da degradação do seu meio ambiente que é, afinal, de todos. A disparidade entre os elevados custos de produção das empresas situadas em Estados-Membros com políticas ambientais mais rigorosas, baseadas no princípio do poluidor-pagador, e entre os países com custos de produção mais baixos das suas empresas concorrente, sediadas em países com uma menor política de protecção ambiental, geraria desigualdades na competitividade das empresas, visto haver uma falta de equivalência entre as condições de mercado em que se inserem. Esta pressão dos agentes económicos poderia influenciar a produção das normas ambientais nacionais. Daí a necessidade de haver normas comunitárias supranacionais.
                Na Europa, não há organismo em melhor posição que a União Europeia para resolver estes problemas. O âmbito estadual é muito limitado.
                Em síntese, poderá afirmar-se que a temática ambiental foi introduzida na agenda europeia por quatro razões: a necessidade de harmonizar as políticas ambientais dos vários Estados-Membros; a necessidade de afectar os recursos naturais ao desenvolvimento, de uma forma racional; a internacionalização das repercussões dos problemas ambientais; e, por fim, a salvaguarda dos recursos naturais.

A comunitarização do ambiente. Evolução histórica

A motivação das atribuições ambientais da EU

                Até aos anos 50, não havia uma grande preocupação com a tutela do ambiente porque ainda não havia focos de poluição muito grandes. A partir dos anos 70 é que os países europeus começaram a sentir a necessidade de formular políticas de tutela ambiental, devido ao fenómeno da industrialização e a sua consequente alastrante poluição. Em acrescento, começaram a ocorrer os primeiros grandes desastres ambientais, como o naufrágio de petroleiros provocando marés negras e explosões de instalações industriais. Deste modo, as preocupações ambientais surgiram já numa perspectiva curativa ou de remedeio, em vez de uma perspectiva de prevenção. Os Estados aperceberam-se que actuar à posteriori não era um meio adequado e eficiente.
                No reverso da moeda, certos Estados, ao começaram a implementar medidas preventivas, aperceberam-se que estas influenciavam a capacidade de produção e de competitividade da industria. Surgiram assim disparidades entre as indústrias dos países com politicas preventivas com os países sem qualquer politica. Era necessário chegar a um equilíbrio.
                Em Setembro de 1968, a Comunidade Internacional reuniu-se numa Conferência sobre “As bases científicas da utilização racional e da conservação dos recursos da Bioesfera”, de iniciativa das Nações Unidas. Em Dezembro do mesmo ano, as Nações Unidas decidem convocar para 1972 uma conferência internacional. Assim, deu-se a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, em Estocolmo. Nesta Cimeira, alertou-se para a necessidade de elaborar uma política comunitária do ambiente. Assim, passou a existir uma maior consciência ambiental. Surgiu também uma verdadeira cooperação com os chamados países de terceiro mundo, iniciando-se uma política selectiva de cooperação, concedendo-se ajudas financeiras, por exemplo, e realizando-se várias Convenções.
                Na esteira desta Conferência, a Comunidade Europeia elaborou uma declaração pública, após uma reunião de Chefes de Estado, em Paris, a Outubro de 1972, onde exprimiu a sua preocupação com a protecção do meio ambiente e assumiu o compromisso de elaborar um programa de acção nesse âmbito. Esta reunião é o primeiro importante marco do caminho comunitário em prol do ambiente. Declarou-se expressamente que “a expansão económica, que não é um fim em si mesma, deve, prioritariamente, permitir atenuar as disparidades das condições de vida; deve prosseguir-se com a participação de todas as forças sociais e deve traduzir-se numa melhoria da qualidade e do nível de vida. Conceder-se-á particular atenção à protecção do meio ambiente com o fim de pôr o progresso ao serviço do homem”.
                Assim, aprovou-se em 1973 um programa de acção das Comunidades Europeias em matéria ambiental. O primeiro de cinco.

O Tratado de Roma

                O Tratado de Roma, que institui a Comunidade Económica e Europeia, consagrava no seu art. 100º que só era permitida a adopção de medidas em matérias que tivessem incidência directa no estabelecimento ou funcionamento do mercado comum. Tal limitava bastante a abertura à protecção do ambiente, já que era um entrave à harmonização de políticas comunitárias susceptíveis de tal protecção. Todavia, a Comunidade Europeia adoptou algumas medidas de protecção do ambiente com pouca incidência sobre o mercado comum, através duma interpretação hábil do preâmbulo e do art. 2º do Tratado, que tratava dos objectivos essenciais da Comunidade. O seu preâmbulo fixava “como objectivo essencial dos seus esforços a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos povos”. Deste modo, foi possível explorar as virtualidades desta cláusula. Estas vagas referências no Tratado foram suficientes para fixar a protecção do ambiente como objectivo essencial da Comunidade. Por exemplo, foi elaborada uma directiva sobre a protecção das aves e dos seus habitats, em 1979. Este “novo” objectivo essencial começou a ser invocado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça Europeu.

 O primeiro programa

                Apresentava três prioridades: a redução e a prevenção das poluições; a melhoria do ambiente e da qualidade de vida; a junção das acções comunitárias a favor do ambiente com as acções internacionais. Mas, devido ao princípio europeu da competência de atribuição, estas medidas não podiam ser executadas enquanto tais por falta de base jurídica, pelo que a política comunitária do ambiente será conduzida, através de abordagens económicas e sociais, em ligação directa com os Tratados de Paris e de Roma, pelo que se avançará em vários âmbitos. Em 1975 é criada a Fundação Europeia para o Melhoramento das Condições de Vida e de Trabalho. A partir daí, o tratamento das questões ambientais ficou ligado a esta Fundação. A Comissão e o Conselho adoptam resoluções e emanam recomendações, apesar de estas não poderem ser obrigatórias ou coercivas. Assim, surgem as recomendações sobre “a protecção do património arquitectónico e natural”, “a intervenção dos poderes públicos”, “a protecção das aves e dos seus habitats”

A importância do Acto Único Europeu

                Em 1987 deu-se o Acto Único Europeu. Surge um novo título, o VII, sobre o Ambiente. Foi feito um aditamento ao art. 130º do Tratado de Roma que atribui, pela primeira vez, competências em matéria de protecção do ambiente à Comunidade. Reconheceu-se assim a natureza transnacional dos fenómenos de degradação do ambiente e a sua mais eficaz protecção através de medidas supranacionais.
                Nos termos do referido artigo, as competências atribuídas deveriam ser direccionadas para a realização de três objectivos: “preservar, proteger e melhorar a qualidade do ambiente; contribuir para a protecção da saúde das pessoas; assegurar uma utilização prudente e racional dos recursos naturais”.
                O primeiro objectivo propugna uma protecção directa do ambiente, entendido como fim em si mesmo. O segundo consagra o ambiente como bem jurídico, numa perspectiva antropocêntrica e conservadora, porque é apenas meio e pressuposto da realização de outros valores, neste caso a saúde humana. Por fim, no terceiro objectivo, ao utilizar-se palavras como “prudente e racional”, revela uma visão da natureza como matéria-prima ou como prestadora de serviços ao Homem. Assim, orienta-se de novo a natureza para a utilização humana, de modo a que esta não ponha em causa no futuro os recursos naturais. Neste objectivo enquadra-se a ideia de desenvolvimento sustentável, ainda carecida de concretização efectiva.
                O art. 130º no seu número 2 consagrou ainda os princípios fundamentais em matéria de tutela ambiental:
“A acção da Comunidade em matéria de ambiente fundamenta-se nos princípios da acção preventiva, da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente e no princípio do poluidor-pagador. As exigências em matéria do ambiente são uma componente das outras políticas da Comunidade”.
Assim, foram consagrados o princípio da prevenção, o da reparação na fonte, o do poluidor-pagador e o da integração.
                Assim, o Acto Único Europeu vem dar uma maior importância à questão ambiental, consagrando um título dedicado à política de ambiente. Proporcionou uma base necessária para uma acção decidida e adequada em matéria de protecção do ambiente, particularmente no que se refere à necessidade de integrar as considerações ecológicas e as preocupações ambientais nas decisões sobre as várias políticas sectoriais, como a industrial, agrícola ou energética. Assim, a protecção do ambiente torna-se, não apenas uma política específica da Comunidade Europeia, mas uma política integrante das demais, já que nenhuma política de outro sector pode ignorar os efeitos ambientais na tomada de decisões, exigindo-se sempre a mediação das consequências ambientais.

O Tratado de Maastricht
                O Tratado da União Europeia introduziu algumas alterações. Formalmente, passou a denominar como “política” em vez de “acção” a competência comunitária em matéria de protecção ambiental
Há ainda um aditamento ao nº2 do referido art. 130º: “A política da Comunidade no domínio do ambiente visará a um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da Comunidade”. A exigência do nível de protecção elevado resulta da possibilidade de certas decisões nesta matéria serem adoptadas por maioria e não unanimidade, sendo tal uma novidade do Tratado. Os Estados do Norte da Europa, tradicionalmente mais rigorosos na protecção do ambiente, receavam que os Estados mais pobres, do Sul, pudessem reunir a maioria necessária para a tomada de decisões e com isso diminuir o nível de protecção da política comunitária do ambiente. Esta exigência traduz-se numa proibição de redução da protecção do ambiente ao “mínimo denominador comum”. Por outro lado, a ressalva do respeito pelas diversidades regionais foi uma exigência dos países do Sul, cujas preocupações se orientavam para a solução de problemas sociais económicos mais prementes.
                Houve ainda o aditamento de um novo objectivo: “a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais e mundiais do ambiente”. Assim, surge o princípio da precaução.
                Também houve alterações ao nível do art. 2º, visto que na redacção dada retira-se expressamente que o ambiente passa a ser uma “missão” fundamental da Comunidade, condição para a melhoria da qualidade de vida, apenas compatível com um crescimento sustentável da economia. Surge assim o objectivo da União de promover o progresso económico e social equilibrado e sustentável. A doutrina comunitária despega-se da noção puramente económica de crescimento e desenvolvimento, surgindo assim a noção de desenvolvimento sustentável.

Após o Tratado de Amesterdão

Não houve alterações significativas com este Tratado. O procedimento deliberativo de cooperação institucional é substituído pelo procedimento de co-decisão, que passará a ser regra de deliberação em matérias ambientais. Passasse a exigir a consulta do Comité das Regiões, ao lado da já prevista consulta do Comité Económico e Social.
               

O Tratado de Lisboa

                O Tratado de Lisboa trouxe três principais inovações: definição do conceito de desenvolvimento sustentável; a luta contra as alterações climáticas e a promoção da utilização de recursos renováveis.

A definição do conceito de desenvolvimento sustentável. Um passo num ainda por percorrer longo caminho

                Um grande passo foi tomado com o Tratado de Lisboa em relação ao princípio do desenvolvimento sustentável. O conceito ganha uma importância acrescida, figurando desde logo do preâmbulo do Tratado. Surge também ao nível dos objectivos da União, no art. 3º do TUE, no plano interno, e no plano externo, no número cinco do referido artigo, concretizado no art. 21º/2, alíneas d) e f).
                No TFUE, este grande passo é concretizado no art. 11º, a par do princípio da integração. O conceito é mencionado ainda no art. 177º, relativo ao Fundo de Coesão. Curiosamente, o Titulo XX referente ao ambiente é omisso em relação ao conceito de desenvolvimento sustentável. Também o é o Titulo XXI, referente à política de energia.
                O princípio do desenvolvimento sustentável pode ser definido como o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Não irei desenvolver uma exposição sobre conteúdo e a evolução do conceito, sob pena deste trabalho tornar-se demasiado longo.
                Voltando ao Tratado de Lisboa, apesar de definir expressamente pela primeira vez a noção de desenvolvimento sustentável, há quem ainda critique o conteúdo e o alcance deste princípio. Na análise do texto[1] retiro a seguinte afirmação da autoria de TOUZET:
"O desenvolvimento sustentável induz à adopção de políticas menos sectoriais do que o Direito do Ambiente. Ainda que a protecção do ambiente possa apresentar-se como um objectivo maior do desenvolvimento sustentável, ela não pode arrogar-se o objectivo único".

É detectado nos textos dos Tratados uma tripla perspectiva conciliatória da qual depende a efectivação do princípio. Em que sentido? Alguma doutrina nega a natureza de princípio ao conceito por este só ser operável por recurso a três pilares: o económico, o social e o ambiental. Assim, nos Tratados nunca encontramos a consagração do princípio com a substância de tal “estatuto”. É que a sua efectivação é sempre interligada com o progresso económico, a promoção do bem-estar e a protecção do ambiente. Tal resulta claramente do art. 3º/3 do TUE, por exemplo.
Desta perspectiva, o Tratado de Lisboa nada vem trazer de novo às consagrações anteriores do princípio e à sua efectivação. O próprio artigo 11º do TFUE refere que as “exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e acções da União, em especial com o objectivo de promover o desenvolvimento sustentável”. A formulação do artigo aponta que a política de ambiente não se impõe aos restantes objectivos da União. Apenas deve-se ter em conta a protecção ambiental na tomada de decisões, nada proibindo que o denominado princípio do desenvolvimento sustentável seja afastado. Daqui decorre uma das velhas críticas a este princípio. É que este não é absoluto, já que mesmo que haja alguns danos para o ambiente, os benefícios económicos de uma decisão podem prevalecer à protecção ambiental.
            O que se pretende, não erradamente, é salvaguardar um equilíbrio entre os valores ecológicos e os valores económicos da União. Isto é, “a economia deverá desenvolver-se de forma menos lesiva para o ambiente e a protecção do ambiente deverá ser prosseguida da forma mais económica possível”. Assim, não se trata de um objectivo ou valor prevalecer sobre outro, mas sim de haver uma interdependência entre eles. A conservação da natureza também depende de factores económicos. Assim, os Autores apontam que “é precisamente a estas ideias de equilíbrio e de interconexão ou interdependência que o princípio do desenvolvimento sustentável faz referência”.
           
Deste modo aponta-se que o conceito, ou princípio, é demasiado aberto e tudo depende da elasticidade da ponderação e dos interesses em jogo. Assim, o conceito carece de uma boa aplicação prática, pelo que goza da fama mas é pouco o proveito, a utilidade prática dele. O Tratado de Lisboa mantém-se assim na esteira dos tratados constitutivos anteriores, dando um passo importante, mas ainda dentro do longo caminho de efectivação prática do princípio.

A luta contra as alterações climáticas

Este sim foi um grande passo dado pelo Tratado de Lisboa. Introduziu-se expressamente uma referência às alterações climáticas, no art. 191º/1, 4º travessão do TFUE. Assim, o combate às alterações climáticas passa a ser um dos objectivos da União.
Esta consagração foi verdadeiramente uma novidade, visto não haver qualquer referência a tal problemática nos tratados anteriores, apesar de já desde cedo a União preocupar-se com tal questão e tomar medidas. A questão foi logo apontada pela presidência alemã nas negociações para um tratado reformador, por volta de 2007. Esta foi uma vitória, ainda que tardia de tal presidência. É que foi no ano de 2007 que o mundo despertou para o problema do efeito de estufa. Este problema ainda não tinha sido consagrado formalmente porque a União Europeia, no âmbito do Protocolo de Quioto, já tinha feito um compromisso em relação a este combate, havendo até um Programa Europeu para as Alterações Climáticas, aprovado conjuntamente com ferramentas jurídicas que serviam de base para a actuação neste combate. Hoje em dia, a União tem duas políticas de combate ao aquecimento global, o comércio europeu de licenças de emissão (CELE) e o Pacote Clima-Energia.
Deste modo, a União Europeia encontra-se dotada de instrumentos jurídicos eficazes e promissores, estando a problemática das alterações climáticas no centro de discussão da União. Assim, a esta questão importantíssima faltava a consagração institucional, se quisermos “constitucional”, dada pelo Tratado de Lisboa.

A promoção das energias renováveis

A temática da energia encontra-se na génese da construção da Comunidade Europeia. Há que recordar que esta começou como sendo a CECA, Comunidade Europeia de Carvão do Aço.
Foi introduzido no Tratado de Lisboa um novo Título, o XXI, dedicado à política de energia. A União já se preocupava com esta questão anteriormente. O apelo à harmonização legislativa tendente ao estabelecimento e consolidação do mercado interno, serviu como fundamento da adopção de diversos programas comunitários em sede de eficácia do uso da electricidade (PACE), de incremento da eficiência energética (SAVE) ou de promoção das tecnologias energéticas europeias (THERMIE). Houve ainda a aprovação do Programa ALTENER I, com vista ao fomento da utilização de fontes de energia renovável.
            O grande contributo do Tratado de Lisboa no que diz respeito à política energética da União reside no facto de esta passar a contar com uma base habilitante expressa e autónoma, já que a definição e a concretização das políticas vêm na esteira do que já era prosseguido.
           
            Do artigo 194º resulta uma aliança entre a política energética e a protecção do ambiente. O sector das energias renováveis encontra-se hoje em expansão e é um forte aliado da preservação do meio ambiente. Nos termos do artigo 191/1 do TFUE, os objectivos da política da União no domínio do ambiente são: a preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente; a protecção da saúde das pessoas; a utilização prudente e racional dos recursos naturais; e, a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, designadamente a combater as alterações climáticas. Como observa DOMINGO LÓPEZ, "o aumento da utilização de energias renováveis implica uma estabilização das emissões de CO2, o que contribuirá para a consecução dos dois primeiros objectivos da política ambiental da União; quanto ao terceiro objectivo, é indubitável a necessidade de aproveitamento das fontes de energia renovável como medida tendente à utilização racional e prudente dos recursos naturais". Deste modo, a ligação entre os dois é evidente.


           

















A política comunitária do ambiente
               
Do exposto anteriormente retira-se que o Tratado de Lisboa prosseguiu com o quinto programa ambiental, não havendo propriamente um novo programa, mas sim certos aspectos que foram aprimorados.
O quinto programa ambiental introduziu uma divisão de responsabilidades e, com ela, a participação activa de todos os sectores económicos, numa mobilização interactiva, visando instaurar um novo equilíbrio entre os interesses, a curto prazo, das entidades privadas e, das empresas públicas e os interesses sociais, a longo prazo, o que faz alargar o elenco destes agentes, que são, além dos indivíduos e consumidores, os poderes públicos e as empresas públicas e privadas, sob todas as formas.
Os princípios fundamentais da base da política comunitária ao nível ambiental são os seguintes[2]:
- o principio da prevenção – a melhor politica do ambiente consiste em evitar, na origem, a criação de poluições ou nocividades e não apenas em combatê-las depois da sua ocorrência
                - principio do desenvolvimento sustentável – impõe que a politica do ambiente tenha de acompanhar o desenvolvimento económico e social
                - principio da avaliação prévia das decisões com incidência negativa – obriga a ter em conta, o mais cedo possível, a incidência de quaisquer pregressos técnicos de planificação e de decisão sobre o ambiente
                - principio da preservação do equilíbrio natural – exige que toda a exploração de recursos e do meio natural, que implique danos sensíveis sobre o equilíbrio ecológico, deva ser evitada
                - principio da promoção da investigação cientifica pró-ambiental – implicando a necessidade de melhorar o nível de conhecimentos científicos e tecnológicos da Comunidade, visando a realização de uma acção mais eficaz de preservação e melhoramento do ambiente e de luta contra a poluição, o que implica a promoção de investigações com estes fins
                - principio do poluidor-pagador – significa que as acções de prevenção e supressão dos elementos nocivos incumbem, em principio, ao poluidor
                - principio da solidariedade intracomunitária – consubstancia uma interdição comunitária, nos termos da qual as actividades desenvolvidas, num Estado-Membro, não devem provocar a degradação do ambiente noutro Estado
                - principio da solidariedade com os países em desenvolvimento – coloca a cargo da EU e dos seus Estados, nas suas politicas estaduais sobre o ambiente, o dever de tomar em conta os interesses dos países em desenvolvimento, e, em particular, de examinar as repercussões eventuais das medidas, que pretendem adoptar, no quadro das politicas sobre o desenvolvimento económico desses países
                - principio do empenhamento global da EU nas instâncias internacionais – a União e os seus Estados devem-se empenhar no tratamento dos temas do ambiente, nos debates a efectivar nas Organizações Internacionais, dando uma contribuição geral para a sua solução
                - principio do envolvimento dos cidadãos na defesa do ambiente – a defesa do ambiente é uma questão de toda a sociedade, logo tem de haver acções para sensibilizar e educar a opinião publica
                - principio da escolha da acção adequada a cada tipo de poluição – sendo certo que há diferentes tipos de poluição, que podem ser atacadas de forma diferente, devendo-se procurar o nível de acção mais adequado a cada tipo de poluição
                - principio do tratamento integrado dos aspectos mais relevantes da politica ambiental – implica que os domínios mais importantes da politica do ambiente não devam ser considerados e resolvidos isoladamente
                - principio da articulação das politicas estaduais – exige que a politica do ambiente na EU deva procurar coordenar e harmonizar as politicas dos Estados-Membros, sem pôr em causa os progressos já obtidos ou a obter, a este nível decisório, desde que estes não coloquem em causa a realização do Mercado comum.



Âmbito

Deste modo, temos um âmbito subjectivo de intervenção e um objectivo. O âmbito subjectivo visa a acção dos poderes públicos e das empresas privadas. Os poderes públicos têm grandes responsabilidades, como gestores e fomentadores de iniciativas, tomando decisões de implementação de medidas que podem ter impacto no âmbito do ambiente. Decisões estas em áreas como o ordenamento do território, o desenvolvimento económico ou a gestão de resíduos, ou ainda a politica de transportes, por exemplo. Quanto às empresas, as indústrias transformadoras, por exemplo, utilizam recursos naturais, o que cria resíduos, que contribuem para a poluição do ar, da água e do solo. Assim, o programa tenta fomentar a consciência das vantagens a prazo de estas empresas tomarem em consideração a ecologia nas suas políticas de gestão.
Quanto ao âmbito objectivo de intervenção, este vai incidir sobre cinco sectores. A novidade de programa está em prever mecanismos de conciliação de estratégias e calendários. Estes sectores são os sectores energético, dos transportes, da agricultura e silvicultura, o industrial e o do turismo.

As áreas de combate ambiental

No programa visa-se sete áreas ambientais especificas de actuação directa, com o estabelecimento de objectivos e metas. Passo a enumerar, resumidamente.
Quanto às alterações climáticas, a protecção ambiental incide sobre a protecção das orlas costeiras, recursos hídricos e resíduos, e um pouco mais desenvolvidamente, quanto à acidificação, protecção da natureza, degradação dos solos e ambiente urbano.
Quanto à mudança climática, a meta é conseguir a redução de dióxido de carbono, metano, dióxido nitroso, a progressiva eliminação de clorofluorocarbono e, em geral, das emissões de substâncias que reduzem a camada de ozono.
Quanto às zonas costeiras, pretende-se um desenvolvimento dos recursos de acordo com a capacidade suportável para atingir um desenvolvimento sustentável, com recurso ao planeamento.
Quando à gestão de resíduos, pretende-se impedir a sua criação, eliminá-los de modo seguro e criar circuitos de reciclagem e saídas comerciais para os materiais reciclados, permitindo a sua recuperação.
Quanto à gestão dos recursos hídricos, pretende-se impedir a contaminação das águas. Equilibrar a procura e a concessão de água através de um uso e gestão mais racional dos recursos.


Deste modo conclui-se que a ambiente é um domínio importante da política comunitária. Esta dispõe de um orçamento diminuto para intervir nesta área mas este está em aumento progressivo. A competência da União abrange um vasto campo de áreas, destacando o ambiente marinho, a gestão da água e dos resíduos, a poluição atmosférica, a política agrícola comum, a segurança nuclear, por exemplo.













A Rede Natura 2000

Introdução

A Rede Natura 2000 é o centro da política de biodiversidade da União. É uma rede no âmbito do território dos Estados-Membros composta por áreas de protecção da natureza. Esta rede ecológica foi estabelecida pela aplicação da Directiva Aves (Directiva nº 79/409) e pela Directiva Habitats (Directiva nº 92/43).
Esta rede tem como finalidade assegurar a conservação a longo prazo das espécies e dos habitats mais ameaçados da Europa, contribuindo para parar a perda de biodiversidade. Constitui o principal instrumento para a conservação da natureza na União Europeia.
A Rede Natura 2000 foi criada a 21 de Maio de 1992, com o objectivo de alcançar os objectivos estabelecidos pela Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas, aprovado na Cimeira da Terra do Rio de Janeiro, em 1992.
A formação da rede estava, em princípio, prevista para Junho de 2004. Os Estados-membros tinham de seleccionar os sítios naturais do seu território que iam formar a rede, e ter em Junho de 1995 uma lista nacional de lugares previstos para a formação da Rede Natura 2000. Em Junho de 1998, deveria completar-se a segunda fase do estabelecimento da Rede Natura 2000, a selecção final dos Sítios de Importância Comunitária (SIC), que logo se integraram na Rede Natura 2000 sob a designação definitiva de Zonas Especiais de Conservação (ZEC).
Esta Rede é, assim, composta por:
- Zonas de Protecção Especial (ZPE) – estabelecidas ao abrigo da Directiva Aves, que se destinam essencialmente a garantir a conservação das espécies de aves e seus habitats (presentes no Anexo 1 da Directiva), e das espécies de aves migratórias, cuja ocorrência seja regular;
- Zonas Especiais de Conservação (ZEC) – criadas ao abrigo da Directiva Habitats, com o objectivo de contribuir para assegurar a biodiversidade, através da conservação dos habitats naturais (Anexo 1 da Directiva) e dos habitats de espécies de flora e a fauna selvagem (Anexo 2), considerados ameaçados no espaço da União Europeia.
É estabelecido que a Rede que não são excluídas as actividades humanas nestas áreas, mas que estas têm de ser compatíveis com a preservação dos habitats e das espécies, visando uma gestão sustentável do ponto de vista ecológico, económico e social.
Como já foi referido, no âmbito do quinto programa ambiental da UE, a garantia da prossecução destes objectivos passa necessariamente por uma articulação da política de conservação da natureza com as restantes políticas sectoriais, como a turística ou a de obras públicas, por forma a encontrar os mecanismos para que os espaços incluídos na Rede Natura 2000 sejam espaços vividos e geridos de forma sustentável.
A Rede é extensa, abrangendo também o meio marinho.
Existe o barómetro Natura 2000 que fornece informações estatísticas do progresso da implementação da Rede.

As Directivas Aves e Habitats

A Directiva Aves visa a conservação de todas as espécies de aves que vivem no estado selvagem no território da comunidade europeia. Para assegurar esta conservação, os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para garantir a protecção das populações selvagens das várias espécies de aves, estabelecendo um regime geral para a sua protecção e gestão.
A Directiva aplica-se às aves mas também aos seus habitats, ovos e ninhos. Regulamenta ainda o comércio de aves selvagens, a caça e proíbe certos métodos de captura e abate.
Inclui uma lista das espécies de aves protegidas, bem como das espécies migratórias de ocorrência regular. Estas aves e seus habitats dão origem às Zonas de protecção especial. Os Estados-Membros têm de classificar estas zonas, a sua extensão e habitats.
A Directiva Habitats assegura a conservação dos habitats naturas e de espécies da flora e da fauna selvagens, com excepção das aves, considerados ameaçados no território da União.
A Directiva criou uma rede ecológica de Zonas de especial conservação, seleccionadas com base em critérios específicos. Criou assim a Rede Natura 2000.
Estabelece ainda um regime de protecção para espécies de fauna e flora que requerem uma protecção rigorosa, presentes no Anexo 4. Estas espécies podem estar fora das áreas que integram a Rede Natura 2000.
A Directiva regula a captura, abate e colheita das espécies, a detenção, transporte e comércio. Regula também a perturbação da fauna e a destruição de áreas importantes para as diferentes fases do seu ciclo de vida.

Processo de Classificação dos Sítios da Rede Natura

O território da União foi dividido em nove Regiões Biogeográficas, de modo a assegurar a eficiente conservação das espécies e seus habitats.
A selecção e delimitação das áreas da Rede Natura 2000 têm por base critérios exclusivamente científicos. Há que escolher as zonas mais apropriadas à conservação de determinadas espécies em perigo e respectivos habitats, submetendo-as a um estatuto jurídico especial, com vista à preservação dos valores ecológicos.

As áreas designadas ao nível da Directiva Habitats surgem de uma Lista Nacional de Sítios cuja elaboração é da competência de cada Estado-Membro. Esta é a primeira fase do processo. Estes sítios devem ser aqueles que alberguem espécies previstas no Anexo II e seus habitats, previstos no Anexo I. Os critérios de elaboração desta Lista constam do Anexo III. A Directiva não o exige mas em Portugal a inclusão de sítios nesta Lista foi sempre precedida de consulta pública. Por exemplo, neste momento corre até 15 de Junho a fase de consulta pública para a proposta como SIC à Comissão da Ria de Aveiro.
 De seguida, numa segunda fase, os Estados-Membros propõem esta Lista à Comissão Europeia, que selecciona os Sítios de Importância Comunitária (SIC), com base nos critérios do Anexo III, para cada uma das nove Regiões Biogeográficas da Europa. A LNS é aprovada por Resolução do Conselho de Ministros, segundo o art. 5º do RJRN2000, mediante proposta do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade. Os sítios reconhecidos pela Comissão como SICs são publicitados através de portaria do ministro responsável pela área do ambiente.
Caso um Estado-Membro não tenha incluído na sua LNS um sítio que integre um ou mais tipos de habitats naturais prioritários ou uma ou mais espécies prioritárias, esse sítio poderá, ainda assim, vir a ser reconhecido como SIC, por iniciativa da Comissão e mediante decisão do Conselho. Visa-se contornar a inércia ou o bloqueio dos Estados à integração de um determinado sítio na Rede Natura 2000. A decisão do Conselho tem de ser tomada por unanimidade, regra fortemente restritiva.
 Na terceira fase, os Estados-Membros classificam as SIC em Zonas Especiais de Conservação (ZEC), passando assim estas a integrar a Rede Natura 2000. Esta classificação tem de ocorrer no prazo máximo de seis anos e é efectuada por decreto regulamentar. Deste modo, o processo nesta Directiva é faseado e de co-decisão entre os Estados-Membros e a Comissão Europeia.
Este processo tem-se revelado complexo e demorado. Os primeiros litígios apreciados pelo TJUE a propósito da Rede Natura versavam sobre a classificação dos territórios. Isto porque houve primeiro que constituir a rede para depois se levarem a cabo as medidas de conservação. E há que perceber que a sujeição de um território ao regime da Rede representa limitações e deveres acrescidos, que constituem à partida uma resistência do poder económico e das populações.
Ao nível da Directiva aves, o processo é mais simplificado. O art. 3º consagra o dever geral de conservação, que passa pela criação das Zonas de protecção especial (ZEP). Estas zonas devem ser os territórios mais apropriados para a conservação e são classificadas pelos Estados-Membros, de acordo com critérios científicos de cariz ornitológico. A Directiva não exige qualquer forma específica para o acto de classificação, mas o art. 6º do Regime Jurídico da Rede Natura 2000 prevê que revista a forma de decreto regulamentar.
Uma vez declaradas como tal à Comissão Europeia, passam logo a integrar a Rede Natura 2000. Deste modo, a tarefa de zonamento é confiada aos Estados-Membros no âmbito desta Directiva.


O processo exposto é representado pelo seguinte esquema.












A Rede Natura 2000 em Portugal

Em Portugal estão representadas três Regiões Biogeográficas, a Atlântica, a Mediterrânica e a Macaronésica. Segue um quadro que delimita estas áreas.












            Em Portugal encontram-se classificados 96 SICs e 59 ZEPs. As Directivas atrás referidas foram transpostas para o Regime Jurídico da Rede Natura 2000 (RJRN2000), que irei desenvolver mais à frente.
               

Medidas de conservação dos habitats da Rede Natura 2000

                As regras relativas à conservação dos habitats versam sobre matérias como o ordenamento e a gestão dos sítios que integram a Rede, sobre as obrigações dos Estados na preservação desses sítios e sobre o tipo de actividades humanas que aí podem ou não ter lugar.
                Levanta-se o problema de saber a partir de quando é que entra em vigor o regime de protecção dos habitats. O art. 4º, nº 5 da Directiva Habitats dispõe que o regime de protecção é aplicável logo que um sítio seja qualificado como SIC. Mas no RJRN2000 prevê nos arts. 7º-A e 7º-B que mal um sítio integre a LNS fica transitoriamente subordinado ao regime próprio das ZECs. Quando às ZPEs gozam de protecção jurídica imediata, não necessitando de aguardar o momento formal de classificação. Existe, assim, uma divergência normativa.
                Não obstante esta divergência, o art. 4º, nº3 do Tratado da União Europeia consagra o princípio da lealdade, pelo que assim que um Estado-Membro demonstra a intenção de vir a classificar um determinado sítio, fica obrigado a protegê-lo ou, pelo menos, a abster-se de comportamentos que ponham em causa os valores ecológicos nele inscritos. Tal tem sido designado como “obrigação de stanstill”, ou seja, um Estado fica impedido de, previamente à classificação formal e definitiva do sítio, adoptar qualquer atitude que possa colocar em perigo ou inutilizar essa mesma classificação, prejudicando o cumprimento dos objectivos conservacionistas em causa.
                O regime de conservação das ZPEs e das ZECs é homogéneo, visto que a cláusula geral de protecção é a mesma, prevista no art. 6º da Directiva Habitats. Este artigo consagra as obrigações de tutela das zonas classificadas. Desta cláusula retira-se que toda e qualquer deterioração de habitats, ao contrário da perturbação de espécies que apenas é censurável quando produza um efeito significativo. Retira-se também a exigência de uma análise das incidências ambientais dos planos projectos a levar a cabo nos sítios da Rede Natura 2000, permitindo-se a sua realização mesmo que haja conclusões negativas, desde que seja reconhecido o seu interesse público e adoptadas as necessárias medidas compensatórias
                Discutia-se se esta cláusula geral tem efeito directo ou não. Vários Autores entendiam que sim sustentado que, em caso de não transposição, os Estados-Membros encontram-se, ainda assim, vinculados à protecção das zonas classificadas nos termos definidos pela Directiva. O Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão, no célebre caso da ponte sobre o Tejo, decidindo em sentido contrário. O STA sustentou que a norma não possuía efeito directo material porque dela não resultava uma obrigação perfeitamente clara, precisa e incondicional. De facto, o preceito utiliza conceitos indeterminados, como “efeito significativo” ou “medidas adequadas”. E, no âmbito da Directiva Habitats, admitiu-se que certas lesões, ainda que significativas, possam ser excepcionalmente autorizadas pelos Estados-Membros, com base no interesse público. Deste modo, os Estados detêm uma certa margem de discricionariedade na determinação dos planos ou projectos que podem ou não ser concretizados.
                Esta discussão encontra-se ultrapassada, visto que o regime de protecção da Rede Natura 2000 já foi transposto para o ordenamento jurídico português.
                O RJRD 2000 foi consagrado no DL Nº 140/1999, alterado e republicado pelo DL Nº 49/2005.
                O regime das ZECs encontra-se regulado no art. 7º, que prevê uma obrigação genérica de conservação e medidas específicas e complementares de conservação. Estas medidas encontram-se densificadas ao longo do diploma e são estas que formam o núcleo fundamental do regime e da tutela jurídica assegurada.
                Em relação às ZEPs, o seu regime consta do art.7º-B, que traça também uma obrigação genérica de conservação e remete para o regime das ZECs.
                As medidas de conservação são o ordenamento do território, da gestão e da avaliação das incidências ambientais.
A primeira medida, consagrada no art. 7º/2, a), desenvolvida no art. 8º, prevê dois níveis de planificação: o nível sectorial e o nível local. Em relação ao nível sectorial, os respectivos planos estão previstos no Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial. O legislador entendeu que se justificava a existência de um plano sectorial quanto à política de salvaguarda da biodiversidade que se materializa, geograficamente, nos sítios da Rede Natura. Há quem critique tal solução, argumentando que a conservação da natureza não deve assumir uma índole sectorial, mas antes transversal a todas as políticas públicas. De todo o modo, foi aprovado o Plano Sectorial da Rede Natura 2000. Esta Plano só vincula entidades públicas e não privadas, representando tal um limite injustificável à implementação das medidas previstas.
Em relação ao nível local, o art. 8º prevê que a conservação seja assegurada através de instrumentos de gestão territorial de âmbito local, como os Planos Especiais e Municipais de Ordenamento do Território. Deste modo, a par da planificação sectorial, exige-se uma planificação mais precisa e próxima das zonas. Deste modo, os instrumentos de gestão territorial aplicáveis devem garantir a conservação dos habitats e das populações das espécies que fundamentaram a sua classificação.
Ao nível da segunda medida, o art. 7º/2 b) refere-se à “gestão dos sítios”, levada a cabo nos termos do art. 9º, que consagra os “actos e actividades condicionados”. Assim, a gestão dos sítios prende-se numa limitação de certo tipo de condutas potencialmente lesivas da biodiversidade. O art. 9º/1 consagra também uma obrigação genérica de conservação, estabelecendo que as entidades da Administração Pública com intervenção nessas zonas devem assegurar a conservação, evitando a deterioração dos habitats e a perturbação das espécies. O art. 9º/2 dispõe que o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade ou a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional tem de dar um parecer prévio para autorizar as acções nele previstas. Este parecer tem de ser emitido em 45 dias a contar da data da sua solicitação, de acordo com o art. 9º/3. O silêncio destas entidades resulta numa resposta favorável, segundo o art. 9º/5. Este parecer é vinculativo mas admite-se recurso, pelo art. 9º/6.
Por fim, a terceira medida, a análise de incidências ambientais, prevista no art. 10º. Esta é uma das mais importantes medidas de conservação dos sítios da Rede Natura 2000. O art. 3º/1, p) define esta análise, a AIncA. O art. 10º/1 define que acções, planos ou projectos estão sujeitos a esta análise. O legislador nacional foi mais longe que o comunitário já que a Directiva Habitats não se refere a “acções”, mas apenas a planos e projectos. Estas acções estão sujeitas à AIncA quando afectem “de forma significativa” um sítio da Rede. Esta formulação é demasiado ampla e traz algumas dúvidas de concretização. Para além do mais, esta análise devia incidir também sobre as consequências de tais acções, planos ou projectos, até que estes tragam em conjugação com outros projectos. Há doutrina que refere ainda que a AIncA não se circunscreve às actividades localizadas no interior das zonas classificadas, aplicando-se a todas as actividades, mesmo longínquas, cujos efeitos se projectem sobre a Rede. Assim, a delimitação de quais são estas acções é de difícil definição.
Por outro lado, o ordenamento português dispõe de outros regimes conexos a este, como a avaliação de impacto ambiental. Assim, pode haver problemas de articulação entre estes regimes. Os Autores tendem a admitir a sua aplicação cumulativa, e nunca a dispensa de um dos regimes em contraponto à aplicação de outro. O art. 10º/2 estabelece que quando um projecta esteja sujeito a AIA, a AIncA segue a forma do procedimento de AIA. Assim, realiza-se uma avaliação de impacto ambiental, por via da qual se satisfazem as finalidades do art. 10º.

Financiamento da Rede Natura 2000

A Rede deve ser financiada de forma horizontal, através dos diversos fundos comunitários previstos para o período financeiro 2007-2013, conforme previsto nas Perspectivas Financeiras 2007-2013.
O Fundo Europeu mais complexo é o Fundo Europeu Agrícola para o Desenvolvimento Rural (FEADER), cuja aplicação no território continental se concretiza através do Programa de Desenvolvimento Rural (PRODER).
A nível nacional temos ainda o PROVERE, um instrumento desenvolvido pelo Ministério do Ambiente, do Ordenamento e do Território e do Desenvolvimento Regional, no âmbito do QEN, Quadro de Referência Estratégico Nacional. Este instrumento pretende estimular iniciativas dos agentes económicos, orientadas para a melhoria da competitividade territorial em áreas de baixa densidade populacional.
Ainda dentro do QREN, a Cooperação Territorial Europeia, pretende reforçar as intervenções conjuntas dos Estados-Membros, em acções de desenvolvimento territorial integrado, incluindo Programas Operacionais de Cooperação.







Conclusão

Um dos principais aspectos a reter deste trabalho é que a União Europeia detém uma vasta e profunda política comunitária do ambiente, tendo o Tratado de Lisboa aprofundado o quinto programa ambiental europeu.
Um instrumento relevante de implementação desta política é a Rede Natura 2000. Portugal tem várias zonas dotadas da protecção deste instrumento jurídico, não ausente de críticas, mas cuja aplicação no geral é muito bem sucedida. A Análise de Incidências Ambientais reveste-se da maior importância, sendo a sua aplicação reforçada pelo instrumento da Avaliação de Impacto Ambiental.
É importante que Portugal, no âmbito da União Europeia, detenha estes instrumentos, visto que temos um território vasto e rico, onde habitam, por exemplo, espécies únicas no Mundo, como o lince ibérico.
Convido o Professor a consultar as Listas de SICs e ZEPs.











Bibliografia
Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, O AMBIENTE NO TRATADO DE LISBOA: UMA RELAÇÃO SUSTENTADA
Fernando Reis Condesso, DIREITO DO AMBIENTE, Edições Almedina, 2007
                Tiago Antunes, SINGULARIDADES DE UM REGIME ECOLÓGICO – o regime jurídico da Rede Natura 2000 e, em particular, as deficiências da Análise de Incidências Ambientais, in DIREITO E BIODIVERSIDADE, Coordenação de Carla Amado Gomes, Juruá Editora, 2010

Sítios da Internet



[1] Carla Amado Gomes e Tiago Antunes, O AMBIENTE NO TRATADO DE LISBOA: UMA RELAÇÃO SUSTENTADA
[2] baseado no Professor Fernando dos Reis Condesso, in Direito do Ambiente, pags. 219 e 220

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