A problemática do ambiente, apesar de ser um
tema anterior à existência do Homem na terra, começou a ganhar contornos
jurídicos apenas recentemente : só há poucas décadas é que se começou a
configurar que o meio ambiente constituía um domínio que de facto carecia de
alguma protecção. Assim sendo, começou-se a desenhar um problema político com
dimensão colectiva. No entanto, a partir dos anos 80/90 começámos a assistir a
uma “despolitização” deste problema que começou a ganhar uma consciência comum
de todos, fossem eles políticos ou não. Temos então uma nova era a nascer : a
era em que se desenvolvem e proliferam as ciências do ambiente, as leis reguladoras
desta área, novas políticas etc… que vão desabrochar numa nova consciência que
se desdobra numa dimensão pessoal onde os cidadãos estão mais cientes do
trabalho que têm de desenvolver para preservar o meio ambiente e numa dimensão
institucional onde verificamos uma multiplicação de instituições e organismos
governamentais que se dedicam à defesa e preservação do meio ambiente.
Visto este caminho árduo que o direito ao
ambiente teve de percorrer até ganhar um “corpo”, até ser considerado parte
integrante da terceira geração de direitos fundamentais segundo o Professor
Vasco Pereira da Silva, cabe-nos com este estudo aprofundar o caminho que se
deve percorrer para fazer a avaliação de impacto ambiental. Este procedimento
administrativo é muito importante para a nossa disciplina na medida em que sem
ele, nenhum projecto que possa entrar em contacto directa ou indirectamente com
o meio ambiente pode prosseguir. Propomo-nos assim a fazer uma análise
comparativa deste dois procedimentos em Portugal e em França, respectivamente.
I
– A Avaliação do Impacto Ambiental em Portugal
Em Portugal, a avaliação do impacto
ambiental é considerada como um procedimento administrativo especial e é única
e exclusiva do Direito do Ambiente. Considera-se que é um procedimento especial
porque o seu objectivo é de autonomizar as problemáticas que resultem de
questões ambientais de um determinado projecto : essa autonomização faz-se
através de um procedimento faseado na medida em que se pretende licenciar (ou
não) determinada actividade. A decisão resultante desta avaliação traduz-se num
acto administrativo que produz efeitos jurídicos individuais e concretos
segundo o art. 120º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e é
recorrível se for lesar os interesses dos particulares (art. 268º/4 da
Constituição da República Portuguesa – CRP). A decisão resultante da avaliação
ambiental está limitada à produção de efeitos apenas na parte em que for lesivo
para o meio ambiente. É um instrumento
fundamental de carácter preventivo da política do ambiente e como tal
reconhecido inicialmente pela Lei de Bases do Ambiente, em vigor desde 1987. O
regime jurídico da avaliação ambiental de projectos públicos e privados,
susceptíveis de produzirem efeitos significativos no ambiente, rege-se
pelo Decreto-Lei nº197/2005 ,
de 8 de Novembro, que altera e republica o Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de
Maio, transpondo parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva
2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio.
Entende-se que este tipo de procedimento destina-se a verificar se determinado
projecto vai produzir determinadas consequências ecológicas e se essas
consequências vão trazer mais vantagens ou desvantagens para o meio ambiente.
Este procedimento está estreitamente ligado ao princípio da prevenção na medida
em que visa evitar que se lese o meio-ambiente ao prosseguir com projectos que
eventualmente podem danificá-lo, seja directa ou indirectamente, no presente ou
no futuro. Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva, este procedimento
não está apenas ligado ao princípio da prevenção, também encontra projecções no
princípio do desenvolvimento sustentável e do aproveitamento racional dos
recursos disponíveis. Entende-se que esta avaliação do impacto ambiental é o
resultado de um procedimento que tem por base um documento, ou seja o estudo do
impacto ambiental, que é organizado por fases lógicas e cronológicas de modo a
permitir que todas as partes interessadas no mesmo participem do seu conteúdo.
Segue-se uma verificação crítica desses factos expostos no estudo que na
prática se traduz na publicação do mesmo, na recolha de pareceres de
autoridades administrativas competentes e na consulta do público. Assim sendo,
esta avaliação resultada da qualidade do estudo e da intervenção de todos os
interessados mas também no rigor e na seriedade do controlo feito pelas
entidades competentes para o efeito.
Cabe agora verificar qual o âmbito de
aplicação deste tipo de procedimento : segundo o art. 1º/1 do DL nº 197/2005 “O
presente diploma estabelece o regime jurídico da avaliação de impacto ambiental
(AIA) dos projectos públicos e privados susceptíveis de produzirem efeitos
significativos no ambiente, transpondo para a ordem jurídica interna a
Directiva nº85/337/CEE, do Conselho, de 27 de Junho, com as alterações introduzidas
pela Directiva n.97/11/CE, do Conselho, de 3 de Março, e pela Directiva
nº2003/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio.”. Além destes
procedimentos, ficam também sujeitos ao regime de avaliação do impacto
ambiental segundo o art. 1º/3 do mesmo DL, as entidades constantes dos Anexos I
e II do diploma.
Verifiquemos agora em termos genéricos qual
a marcha do procedimento de avaliação do impacto ambiental : em primeiro lugar, temos a iniciativa do
procedimento pelo proponente acompanhada de um estudo de impacto ambiental
(EIA) à entidade licenciadora (art. 12º DL nº197/2005). De seguida, é emitido
um parecer preliminar da Comissão de Avaliação que deve ser emitido no prazo de
20 dias a contar da recepção dos documentos do estudo de impacto ambiental. A
terceira fase consiste numa discussão pública e na participação dos
interessados da competência do Instituto do Ambiente. De seguida, a Comissão de
Avaliação emite o parecer final, que deve ser elaborado no prazo de 25 dias a
contar da recepção do relatório da consulta pública efectuada na terceira fase.
Num quinto momento, temos a proposta da decisão de impacto ambiental feita pela
autoridade de AIA a realizar no prazo de 25 dias a contar da recepção dos
referidos documentos e por último temos a decisão de impacto ambiental da
competência do Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território.
Esta decisão final pode ter três resultados
: pode ser uma decisão favorável, condicionalmente favorável ou desfavorável
(art. 17º/1 DL nº 197/2005) ou então pode também existir um silêncio por parte
da Administração que se traduz num deferimento tácito. Mesmo com uma decisão
favorável ou condicionalmente favorável, isso não quer dizer que o projecto
tenha de prosseguir, aliás que exista um dever por parte da Administração de
licenciar o projecto na medida em que existem outros valores a ponderar
(económicos, sociais etc…). O procedimento não acaba aqui : se a decisão tiver
sido favorável ou condicionalmente favorável segue-se, segundo o art. 27º do DL
nº197/2005, uma pós-avaliação. Esta pós-avaliação da competência da autoridade
da AIA serve para dirigir e orientar a pós-avaliação do projecto, abrangendo as
condições do seu licenciamento ou autorização, construção, funcionamento,
exploração e desactivação. Esta actividade vai-se prolongar por todo o período
em que a actividade em questão estiver a decorrer e traduz-se no exercício de
poderes de fiscalização e de acompanhamentos periódicos pela autoridade da AIA
e também em poderes de sanção em caso de incumprimento.
Em suma, podemos concluir que a decisão de
impacto ambiental é um acto administrativo que constitui um pressuposto para um
futuro acto licenciador, sendo que não são autonomizáveis : se não houver
decisão de impacto ambiental não pode existir o futuro acto licenciador. Assim
sendo, a decisão de impacto ambiental é uma verdadeira decisão jurídica de
ponderação de interesses que procede a uma análise de custos/benefícios para o
meio-ambiente de determinada actividade. É um verdadeiro acto administrativo
que constitui condição de existência e de determinação de outros actos
administrativos posteriores a este.
II
– A Avaliação do Impacto Ambiental em França
Cabe agora avaliar a solução apresentada pelo
Estado francês nesta matéria : falamos dos “études d’impact”. Esta figura foi
consagrada formalmente através da Lei nº76-629 de 10 de Julho de 1976.
Entendeu-se que estes estudos visavam identificar e avaliar os efeitos físicos
e ecológicos que resultariam da construção de obras ou de qualquer decisão
económica, social ou política que envolvesse o meio-ambiente. Porém, estas
preocupações só vieram a ter plena aplicação através do Decreto-Lei nº93-245 de
25 de Fevereiro de 1993.
Estes estudos são considerados como um
instrumento flexível na medida em que abrangem matérias que são de difícil
uniformização sobretudo porque estamos a falar de situações que se podem
prolongar por prazos bastante longos. Este instituto foi definido como um
“instrumento científico ou quase científico de enquadramento e defesa do
ambiente”. Este procedimento, do ponto de vista jurídico, destina-se a
constituir um vasto conjunto de decisões administrativas mas é prejudicado pelo
pré-juízo científico do estudo de impacto que também se reflecte na pouca
importância da participação do público na fase instrutória, o que é bastante
diferente do que se passa em Portugal. Apesar desta fragilidade, estes estudos
conferem uma maior metodologia que se reflecte numa maior objectividade e
racionalidade neste domínio poroso que é o direito do ambiente.
Este procedimento, ao contrário do
procedimento português, não constitui um procedimento autónomo : foi inserido a
par das procedimentos autorizativos ou de concessão já existentes no Direito
Administrativo francês. O objectivo primordial foi respeitar o princípio do
respeito pelas preocupações ambientais conjugando-o com os mecanismos já
existentes. Com este quadro pobre e insuficiente é que surgiram os ditos
“études d’impact” mas apenas se pretendeu tutelar o meio-ambiente, não se
considera que se tenha acrescentado uma nova fase procedimental ou um
procedimento especial : apenas se adicionou aos procedimentos administrativos
sujeitos a avaliação ambiental uma nova peça documental. Os estudos de impacto
surgem assim como um instrumento particular apesar de não ser o único ao
serviço do princípio do respeito das preocupações ambientais (este princípio
vem plasmado no art. 2º da Lei de 1979). Esta avaliação está sempre presente
numa decisão administrativa e serve de orientação ao órgão competente no
momento da decisão.
Segundo Michel Prieur, existem três métodos
para medir o impacto ambiental de uma obra ou actividade : o primeiro é
relativamente sucinto e trata-se de uma mini-notícia de impacto; o segundo já
será mais desenvolvido e é a notícia de impacto; o terceiro e último é o estudo
de impacto que é devidamente fundamento e desenvolvido na íntegra. Este último
é aquele sobre o qual nos debruçaremos um pouco mais pois é o que reflecte mais
a preocupação do respeito pelas preocupações ambientais : está previsto no art.
2º da Lei de protecção da natureza de 10 de julho de 1979 que estabelece “os
estudos prévios à realização de instalações ou obras que, pela importância das
suas dimensões e a sua incidência sobre o ambiente natural, possam prejudicar
este último, devem comportar um estudo de impacto que permite apreciar as suas
consequências”. Estes estudos, apesar de muito importantes, têm, como entre
nós, uma projecção baixa na medida em
que se inserem no escalão mais baixo do processo decisional (procedimento
autorizativo ou de aprovação) como podemos verificar nos arts. 9º a 18º do DL
de 1979 cuja única finalidade é a modificação dos procedimentos existentes
através da introdução desta nova peça documental. Em França, exclui-se desta
avaliação qualquer processo decisional que conduza a um resultado normativo.
Iremos brevemente analisar o conteúdo que
este estudo deve ter : deve conter em primeiro lugar, uma descrição
pormenorizada do estado inicial da localização em questão e do respectivo
meio-ambiente (art. 2º/1), deve conter uma análise dos efeitos directos e
indirectos que a actividade vai produzir sobre o meio-ambiente (art. 2º/2). O
estudo deve igualmente mencionar as razões que levaram a decidir pela solução
apresentada entre as várias alternativas apresentadas, apesar de não ser
obrigatório que existam essas alternativas desde que a solução apresentada esteja
devidamente fundamentada. Do estudo devem constar igualmente as medidas
necessárias à suspensão ou redução dos efeitos negativos e se possível a forma
de compensação destes e os custos aproximados para esta compensação. Também se
deve apresentar um resumo que não contenha um discurso muito técnico de forma a
facilitar a consulta do estudo ao público. Estes são critérios gerais que devem
constar do estudo sem prejuízo de normas regulamentares poderem precisar para
determinados projectos outro tipo de conteúdos que deva ser desenvolvido. A
palavra final sobre estes estudos cabe ao juiz administrativo francês que se
deve pautar principalmente pelo recurso ao princípio da proporcionalidade para
efectuar o controlo sobre estes conteúdos.
Não nos iremos alongar mais sobre este
procedimento. Iremos apenas verificar quais são as consequências para o direito
francês se estes estudos não existirem. No plano do contencioso, se este estudo
faltar há uma sanção imediata : de acordo com o art. 2º, 2º parágrafo da Lei
nº76-629, se não houver estudo de impacto ambiental, há uma suspensão
automática do acto administrativo. No entanto, temos de distinguir entre
ausência de estudo e insuficiência de estudo – apesar de serem bastante
semelhantes para efeitos de consequências. Os estudos têm de obedecer a um
conteúdo mínimo que está previsto no art. 2º, 3º parágrafo da Lei de 1976 e que
já foi visto por nós oportunamente. É pedido ao juiz que verifique a
regularidade do documento em relação às diferentes dimensões do seu conteúdo e
que está na base do acto impugnado. Assim sendo, se faltar um dos elementos
essenciais do estudo de impacto ambiental, o juiz administrativo deve
considerar que o estudo e o respectivo procedimento têm um vício e o resultado
final é um acto ilegítimo. Temos então uma suspensão automática do acto. Esta
suspensão só opera depois do juiz ter verificado se o estudo está completo, se
é preciso e minucioso. Depois tem ainda que, com base no princípio da
proporcionalidade, valorar se o estudo está elaborado de acordo com a natureza
e importância dos projectos e a sua respectiva projecção no meio-ambiente.
Alguma jurisprudência francesa entende que a insuficiência qualitativa do
estudo do impacto pode influenciar a decisão final por erro manifesto na
apreciação dos pressupostos. Nestes casos, o juiz administrativo, à luz do art.
1º da Lei de 1979, tem de verificar se os projectos não contêm eles próprios
erros acerca da protecção dos interesses referidos no mesmo artigo. No que diz
respeito à suspensão automática do acto no caso de ausência de estudo de
impacto ambiental, esta constatação de ausência tem de ser feita através de um
procedimento de urgência de modo a que nada seja consumado. São os chamados
procedimentos “constat d’urgence”. No entanto, a jurisprudência francesa tem
alguma dúvidas acerca deste mecanismo sobretudo relativamente aos prazos que os
tribunais franceses dispõem para se pronunciar sobre o mesmo.
Analisado o “modus operandi” da avaliação do
impacto ambiental em Portugal e em França, vemos que nestes dois países, apesar
de algumas diferenças procedimentais nomeadamente no que diz respeito ao
contencioso, as semelhanças são algumas. Destacamos a grande proximidade no que
diz respeito à elaboração do documento, sobretudo no que concerne o conteúdo do
mesmo. Ambos os estudos se pautam pelo princípio da proporcionalidade e pelo
princípio da prevenção pois “mais vale prevenir do que remediar”. A maior
diferença que retiramos desta comparação é que no ordenamento jurídico português
a avaliação de impacto ambiental constitui um procedimento administrativo
autónomo na medida em que não está dependente de outro procedimento, por isso é
que lhe é reconhecida a categoria de procedimento administrativo especial único
e exclusivo do Direito do Ambiente. Já no direito francês, é considerado apenas
como uma nova peça documental que é conjugada com os procedimentos
administrativos já existentes. Entendemos assim que apesar da forte dimensão
que os “études d’impact” possam ter, em Portugal a avaliação de impacto
ambiental tem um papel jurídico e processual bem mais vincado.
Bibliografia
· Colaço
Antunes, Luís – “O Procedimento Administrativo de Avaliação
do Impacto Ambiental”
·
Pereira
da Silva, Vasco – “Verde, Cor do Direito”
·
Prieur,
Michel – “Droit de l’environnement”
·
Prieur, Michel – “Le respect de l’environnement et les etudes
d’impact”
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