A
restauração natural dos danos ambientais
O DL 147/2008 de 29 de Julho
transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva nº 2004/35/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004. Foi assim criado um
regime de responsabilidade por danos ambientais na União Europeia.
Embora só a partir desta
data tenha passado a existir um regime europeu (consequentemente aplicável aos
Estados-Membros, devido ao princípio do primado) de reponsabilidade civil por
danos ambientais, já há algum tempo que a doutrina europeia debatia este tema,
nomeadamente e a reparação do dano ecológico.
A reparação divide-se em duas modalidades: por um lado, a reparação in
natura e a indemnização. A primeira modalidade concretiza-se através da reconstituição
da situação actual hipotética. Quando se refere “actual hipotética” quer-se transmitir
a ideia de que não se pretende invocar a situação anterior à prática do facto.
Assim, o lesado tem a obrigação de repor a situação como se não tivesse
existido qualquer lesão, e não de repor a situação anterior à prática do facto
lesivo. Um ponto assente é que é necessário observar o respeito pelo princípio
da proporcionalidade, pelo que se admite que o legislador tenha liberdade para
determinar que o lesante tem obrigação de repor a situação anterior à prática
do facto.
No caso do dano ecológico, a
reparação in natura identifica-se com a restauração do elemento natural
afectado e por vezes com as suas funções. A distinção entre o elemento natural
e a sua função ecológica permite concluir pela distrinça entre duas formas de
reparação in natura: por um lado, restauração ecológica, e por outro, a
compensação ecológica. Na primeira modalidade existe recuperação do elemento
natural, ao passo que na segunda visa-se criar ou aumentar a capacidade
funcional de certos elementos naturais.
O princípio da
proporcionalidade, como já foi dito, é fulcral nesta tarefa de determinar a medida
da reparação aplicável. Este princípio pode obstar à aplicação de qualquer
medida de reparação in natura e impor sanções pecuniárias (que não serão aqui
estudadas). A proporcionalidade não é um critério para determinar a medida da
reparação a aplicar, mas consubstancia, sim, um limite às medidas aplicáveis. A
Comissão Europeia considerou que “mesmo
que a reparação dos danos seja exequível, também têm de existir critérios de
avaliação para o recurso natural danificado, a fim de evitar que os custos da
sua restauração sejam desproporcionados. Terá de ser realizada uma análise de
custo-benefício ou uma análise de razoabilidade caso a caso”.
O Regime jurídico da
Responsabilidade Civil por Danos Ambientais tem uma estrutura que se dedica à
responsabilidade civil do dano ambiental, referentes a pessoas e bens, através
da lesão de componentes ambientais, e à responsabilidade por danos ecológicos.
O artigo 11º/1 n) RJRCDA
determina que são medidas de reparação qualquer acção, ou conjunto de acções,
incluindo medidas de carácter provisório, com o objectivo de reparar,
reabilitar ou substituir os recursos naturais e os serviços danificados ou
fornecer uma alternativa equivalente a esses recursos ou serviços, que está
previsto no anexo V.
O anexo V, no seu ponto 1,
distingue as três modalidades de reparação enumerando os critérios que levam à
escolha de optar pelos tipos de reparação. A reparação do dano ecológico
identifica-se com a reparação in natura e com a compensação pecuniária. Como
foi dito existem 3 tipos de reparação, são eles:
·
Reparação primária: pretende restituir os
recursos naturais e/ou serviços danificados ao estado inicial. A lei adoptou a
noção de dano ecológico enquanto lesão do recurso e da respectiva função. Por
este ponto é que importa considerar o efeito directo que a lesão tem no recurso
natural (água, habitats ou espécies) e o efeito indirecto de que essa lesão provoca
ao impedir o normal desempenho da função ecológica. O legislador determina que
a restauração tem por função o recurso danificado e o serviço que presta. É
dado o exemplo a contaminação das águas pela afectação da sua função ecológica
pode provocar danos à fauna e à flora,l do mesmo modo que o abate de árvores
perturba o serviço que estas prestam enquanto habitats de espécies animais. A
lei determina que a reparação primária se destina à restituição do recurso e/ou
função ao estado inicial. O art. 11º/ 1 j) RJRCDA identifica o “estado inicial”
com a situação no momento da ocorrência
do dano aos recursos naturais e aos serviços, que se verificaria se o dano
causado ao ambiente não tivesse ocorrido, avaliada com base na melhor
informação disponível. O legislador exige que a reconstituição da situação
seja anterior à prática do facto lesivo, mas como a responsabilidade civil visa
a reparação de danos, a reconstituição da situação anterior pode ser mais do
que reparar um dano, pode implicar um plus para além do dano em si.
Podem
considerar-se opções a título de reparação primária, aquelas que consistem em acções destinadas a restituir directamente ao
estado inicial os recursos e/ou serviços num prazo acelerado ou através de
regeneração natural. O legislador pretendeu limitar a reparação primária à
restauração ecológica (restauração ao recurso natural).
·
Reparação complementar: será uma medida de
reparação complementar aquela que é tomada em relação aos recursos naturais
e/ou serviços para compensar o facto de a reparação primária não funcionar de
modo total no restabelecimento dos recursos naturais ou serviços danificados.
Há portanto um princípio de subsidariedade da reparação primária face à
reparação complementar. É, no fundo, uma graduação necessária por força do
objectivo do regime. O objectivo da reparação complementar é proporcionar um
nível de recursos naturais e/ou serviços, incluindo, quando apropriado, num
sítio alternativo, similar ao que teria sido proporcionado se o sítio
danificado tivesse regressado ao seu estado inicial. Assim, devem considerar-se
em primeiro lugar as acções que proporcionem recursos naturais e/ou serviços do
mesmo tipo, qualidade e quantidade que os danificados. Só quando tal não for possível
serão de admitir recursos naturais e serviços alternativos ou de substituição.
Contudo a reparação complementar com recursos e serviços alternativos pode
trazer problemas em sede de valoração, desde logo porque há que fazer uma
valoração dos recursos e/ou serviços lesados para comparar como valor dos
recursos e/ou serviços de substituição.
O confronto entre a
reparação primária e a reparação complementar permite-nos identificar a
primeira modalidade de reparação à reparação ecológica e a segunda modalidade à
compensação ecológica.
·
Reparação compensatória: será qualquer acção
que se destine a compensar perdas transitórias de recursos naturais e/ou
serviços desde a data da lesão até à reparação integral. Cumpre esclarecer o
que se entende por perdas transitórias. Elas são as que resultam do facto de os
recursos naturais e serviços danificados não poderem realizar as suas funções
ecológicas ou prestar serviços enquanto as medidas primárias ou complementares
não tiverem produzido efeitos. Trata-se, portanto, de um tipo de reaparação
complementar diverso. A compensação, de que estamos a falar, consiste em
melhorias suplementares dos habitats naturais e espécies protegidas ou de água.
Deste modo, quase sempre haverá medidas de reparação compensatória para as
perdas transitórias, paralelas às medidas de reparação primária e/ou
complementar para que haja uma efectiva e total reparação do recurso afectado.
Para saber quais são as
melhores opções de reparação, caso a caso, o legislador aponta, de forma
taxativa, os seguintes critérios:
·
Estritamente ambientais: cada opção tende a
prevenir danos futuros e danos colaterais resultantes da sua execução
·
Eficácia e eficiência: referem-se a eficácia
e eficiência ambiental como à probabilidade de êxito de cada opção para que o
dano ambiental seja reparado de forma efectiva
·
Sócio-económicos: efeitos de cada opção da
saúde pública e na segurança
·
Economicistas: custos de execução da opção
Podem ser conjugadas as
várias medidas, uma vez que em certos casos pode até mesmo tornar-se necessário
e imperioso conjugar algumas destas medidas.
Para concluir é de referir
que se a reparação do dano ecológico ocorrer em primeiro lugar, a reparação do
dano ecológico concretiza-se através da restituição in natura. Assim sendo
parte do dano ambiental ficará reparada através da reparação do dano ecológico
uma vez que ambos se manifestam no mesmo recurso natural. Acontece, porém, por
vezes, que a reparação do dano ecológico nem sempre se esgota na reparação do
dano ambiental e há casos em que a reparação do dano ecológico deixa
completamente o dano ambiental por reparar. Nestes casos deve-se reconhecer ao
lesado o direito de exigir o pleno ressarcimento pelo dano sofrido.
Bibliografia:
Sendim, José de Sousa Cunhal, ”Responsabilidade
civil por danos ecológicos. Dareparação do dano através de restauração
natural”, Coimbra, 1998
Oliveira, Heloísa,“A restauração natural no
novo Regime Jurídico de Responsabilidade Civil por Danos Ambientais” in Cadernos
O Direito N.º 6 - 2011 - Temas de Direito do Ambiente, Almedina, 2011
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