segunda-feira, 21 de maio de 2012

Regime jurídico da Responsabilidade Civil por Danos Ambientais


A restauração natural dos danos ambientais



O DL 147/2008 de 29 de Julho transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Directiva nº 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004. Foi assim criado um regime de responsabilidade por danos ambientais na União Europeia.

Embora só a partir desta data tenha passado a existir um regime europeu (consequentemente aplicável aos Estados-Membros, devido ao princípio do primado) de reponsabilidade civil por danos ambientais, já há algum tempo que a doutrina europeia debatia este tema, nomeadamente e a reparação do dano ecológico.  A reparação divide-se em duas modalidades: por um lado, a reparação in natura e a indemnização. A primeira modalidade concretiza-se através da reconstituição da situação actual hipotética. Quando se refere “actual hipotética” quer-se transmitir a ideia de que não se pretende invocar a situação anterior à prática do facto. Assim, o lesado tem a obrigação de repor a situação como se não tivesse existido qualquer lesão, e não de repor a situação anterior à prática do facto lesivo. Um ponto assente é que é necessário observar o respeito pelo princípio da proporcionalidade, pelo que se admite que o legislador tenha liberdade para determinar que o lesante tem obrigação de repor a situação anterior à prática do facto.

No caso do dano ecológico, a reparação in natura identifica-se com a restauração do elemento natural afectado e por vezes com as suas funções. A distinção entre o elemento natural e a sua função ecológica permite concluir pela distrinça entre duas formas de reparação in natura: por um lado, restauração ecológica, e por outro, a compensação ecológica. Na primeira modalidade existe recuperação do elemento natural, ao passo que na segunda visa-se criar ou aumentar a capacidade funcional de certos elementos naturais.

O princípio da proporcionalidade, como já foi dito, é fulcral nesta tarefa de determinar a medida da reparação aplicável. Este princípio pode obstar à aplicação de qualquer medida de reparação in natura e impor sanções pecuniárias (que não serão aqui estudadas). A proporcionalidade não é um critério para determinar a medida da reparação a aplicar, mas consubstancia, sim, um limite às medidas aplicáveis. A Comissão Europeia considerou que “mesmo que a reparação dos danos seja exequível, também têm de existir critérios de avaliação para o recurso natural danificado, a fim de evitar que os custos da sua restauração sejam desproporcionados. Terá de ser realizada uma análise de custo-benefício ou uma análise de razoabilidade caso a caso”.

O Regime jurídico da Responsabilidade Civil por Danos Ambientais tem uma estrutura que se dedica à responsabilidade civil do dano ambiental, referentes a pessoas e bens, através da lesão de componentes ambientais, e à responsabilidade por danos ecológicos.

O artigo 11º/1 n) RJRCDA determina que são medidas de reparação qualquer acção, ou conjunto de acções, incluindo medidas de carácter provisório, com o objectivo de reparar, reabilitar ou substituir os recursos naturais e os serviços danificados ou fornecer uma alternativa equivalente a esses recursos ou serviços, que está previsto no anexo V.

O anexo V, no seu ponto 1, distingue as três modalidades de reparação enumerando os critérios que levam à escolha de optar pelos tipos de reparação. A reparação do dano ecológico identifica-se com a reparação in natura e com a compensação pecuniária. Como foi dito existem 3 tipos de reparação, são eles:

·       Reparação primária: pretende restituir os recursos naturais e/ou serviços danificados ao estado inicial. A lei adoptou a noção de dano ecológico enquanto lesão do recurso e da respectiva função. Por este ponto é que importa considerar o efeito directo que a lesão tem no recurso natural (água, habitats ou espécies) e o efeito indirecto de que essa lesão provoca ao impedir o normal desempenho da função ecológica. O legislador determina que a restauração tem por função o recurso danificado e o serviço que presta. É dado o exemplo a contaminação das águas pela afectação da sua função ecológica pode provocar danos à fauna e à flora,l do mesmo modo que o abate de árvores perturba o serviço que estas prestam enquanto habitats de espécies animais. A lei determina que a reparação primária se destina à restituição do recurso e/ou função ao estado inicial. O art. 11º/ 1 j) RJRCDA identifica o “estado inicial” com a situação no momento da ocorrência do dano aos recursos naturais e aos serviços, que se verificaria se o dano causado ao ambiente não tivesse ocorrido, avaliada com base na melhor informação disponível. O legislador exige que a reconstituição da situação seja anterior à prática do facto lesivo, mas como a responsabilidade civil visa a reparação de danos, a reconstituição da situação anterior pode ser mais do que reparar um dano, pode implicar um plus para além do dano em si.

Podem considerar-se opções a título de reparação primária, aquelas que consistem em acções destinadas a restituir directamente ao estado inicial os recursos e/ou serviços num prazo acelerado ou através de regeneração natural. O legislador pretendeu limitar a reparação primária à restauração ecológica (restauração ao recurso natural).

·       Reparação complementar: será uma medida de reparação complementar aquela que é tomada em relação aos recursos naturais e/ou serviços para compensar o facto de a reparação primária não funcionar de modo total no restabelecimento dos recursos naturais ou serviços danificados. Há portanto um princípio de subsidariedade da reparação primária face à reparação complementar. É, no fundo, uma graduação necessária por força do objectivo do regime. O objectivo da reparação complementar é proporcionar um nível de recursos naturais e/ou serviços, incluindo, quando apropriado, num sítio alternativo, similar ao que teria sido proporcionado se o sítio danificado tivesse regressado ao seu estado inicial. Assim, devem considerar-se em primeiro lugar as acções que proporcionem recursos naturais e/ou serviços do mesmo tipo, qualidade e quantidade que os danificados. Só quando tal não for possível serão de admitir recursos naturais e serviços alternativos ou de substituição. Contudo a reparação complementar com recursos e serviços alternativos pode trazer problemas em sede de valoração, desde logo porque há que fazer uma valoração dos recursos e/ou serviços lesados para comparar como valor dos recursos e/ou serviços de substituição.

O confronto entre a reparação primária e a reparação complementar permite-nos identificar a primeira modalidade de reparação à reparação ecológica e a segunda modalidade à compensação ecológica.

·       Reparação compensatória: será qualquer acção que se destine a compensar perdas transitórias de recursos naturais e/ou serviços desde a data da lesão até à reparação integral. Cumpre esclarecer o que se entende por perdas transitórias. Elas são as que resultam do facto de os recursos naturais e serviços danificados não poderem realizar as suas funções ecológicas ou prestar serviços enquanto as medidas primárias ou complementares não tiverem produzido efeitos. Trata-se, portanto, de um tipo de reaparação complementar diverso. A compensação, de que estamos a falar, consiste em melhorias suplementares dos habitats naturais e espécies protegidas ou de água. Deste modo, quase sempre haverá medidas de reparação compensatória para as perdas transitórias, paralelas às medidas de reparação primária e/ou complementar para que haja uma efectiva e total reparação do recurso afectado.

Para saber quais são as melhores opções de reparação, caso a caso, o legislador aponta, de forma taxativa, os seguintes critérios:

·       Estritamente ambientais: cada opção tende a prevenir danos futuros e danos colaterais resultantes da sua execução

·       Eficácia e eficiência: referem-se a eficácia e eficiência ambiental como à probabilidade de êxito de cada opção para que o dano ambiental seja reparado de forma efectiva

·       Sócio-económicos: efeitos de cada opção da saúde pública e na segurança

·       Economicistas: custos de execução da opção

Podem ser conjugadas as várias medidas, uma vez que em certos casos pode até mesmo tornar-se necessário e imperioso conjugar algumas destas medidas.



Para concluir é de referir que se a reparação do dano ecológico ocorrer em primeiro lugar, a reparação do dano ecológico concretiza-se através da restituição in natura. Assim sendo parte do dano ambiental ficará reparada através da reparação do dano ecológico uma vez que ambos se manifestam no mesmo recurso natural. Acontece, porém, por vezes, que a reparação do dano ecológico nem sempre se esgota na reparação do dano ambiental e há casos em que a reparação do dano ecológico deixa completamente o dano ambiental por reparar. Nestes casos deve-se reconhecer ao lesado o direito de exigir o pleno ressarcimento pelo dano sofrido.





Bibliografia:



Sendim, José de Sousa Cunhal, ”Responsabilidade civil por danos ecológicos. Dareparação do dano através de restauração natural”, Coimbra, 1998



 Oliveira, Heloísa,“A restauração natural no novo Regime Jurídico de Responsabilidade Civil por Danos Ambientais” in Cadernos O Direito N.º 6 - 2011 - Temas de Direito do Ambiente, Almedina, 2011

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