domingo, 20 de maio de 2012

Responsabilidade por Danos Ambientais

Breve introdução
Neste trabalho, irei tratar sobre o problema da responsabilidade dos danos ambientais, tendo por base o Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho (doravante DL) alterado pelo Decreto-Lei n.º 245/2009, de 22 de Setembro e pelo Decreto-Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março. Começarei por explicar o que são danos ambientais, para mais fácil se tornar a compreensão da aplicação do referido DL, e as consequências que daí resultam.
Danos ambientais
Entende-se por dano ambiental a perturbação de um bem jurídico autónomo e unitário. Com isto, pode distinguir-se entre danos provocados ao ambiente, enquanto bem jurídico, sendo que neste caso o ambiente é o objeto do dano, e danos provocados às pessoas e aos bem pelas perturbações ambientais. Nos danos ambientais, o ambiente é o percurso causal do dano, sendo desta forma um dano indireto causado por uma ação sobre o ambiente.
Os danos ambientais são os danos causados às espécies e habitats naturais protegido, danos causados à água e danos causados ao solo. Neste sentido dispõe o artigo 11.º/1, alínea e) do DL n.º 147/2008:

i)                    "Dano causado às espécies e habitats naturais protegidos quaisquer danos com efeitos significativos adversos para a consecução ou a manutenção do estado de conservação favorável desses habitats ou espécies, cuja avaliação tem que ter por base o estado inicial, nos termos dos critérios constantes no anexo IV ao Decreto-lei n.º 147/2008, de 29 de Julho, do qual faz parte integrante, com exceção dos efeitos adversos previamente identificados que resultem de um ato de um operador expressamente autorizado pelas autoridades competentes, nos termos da legislação aplicável;
ii)                   Danos causados à água quaisquer danos que afetem adversa e significativamente, nos termos da legislação aplicável, o estado ecológico, ou o potencial ecológico, e o estado químico e quantitativo das massas de água superficial ou subterrânea, designadamente o potencial ecológico das massas de água artificial e muito modificada, com exceção dos danos às águas e os efeitos adversos aos quais seja aplicável o regime da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, e respetiva legislação complementar;
iii)                 Danos causados ao solo qualquer contaminação do solo que crie um risco significativo para a saúde humana devido à introdução, direta ou indireta, no solo ou à sua superfície, de substâncias, preparações, organismos ou microrganismos."  
O disposto nas alíneas seguintes do artigo 11.º do referido diploma dispõe sobre o que se entende por espécies e habitats naturais, bem como o que se deve entender por água (em especial o que deve entender-se abrangido no conceito água – Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro) e ainda o que se entende por danos causados ao solo. E com a concretização destes conceitos, pode afirmar-se que tais componentes ambientais naturais encontram-se igualmente previsto na Lei de Bases do Ambiente (doravante LBA) – aprovada pela Lei n.º 11/87, de 07 de Abril, alterada pelo DL n.º 224-A/96, de 26 de Novembro e pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro – no capítulo II, artigo 6.º e seguintes. O DL n.º 147/2008, de 29 de Julho, resulta da transposição de uma diretiva, a Diretiva 2004/35/CE, de 21 de Abril, que aprovou, com base no princípio do poluidor pagador, o regime da responsabilidade ambiental aplicável à prevenção e reparação dos danos ambientais. Este diploma tem por finalidade assegurar a reparação dos danos causados ao ambiente, e visa o princípio da responsabilização, que se encontra previsto no artigo 3.º alínea h) da LBA.
Importa distinguir danos ambientais e danos ecológicos. Nos primeiros verifica-se uma lesão de bens jurídicos concretos constitutivos do bem ambiente, enquanto que nos segundos verifica-se a lesão do bem ambiente unicamente considerado. Como refere Gomes Canotilho (Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXIX, Coimbra 1993), apenas os danos ambientais são suscetíveis de gerar mecanismo de responsabilidade individual. Contudo, o mesmo autor, refere ainda que não será de afastar a possibilidade de incluir os danos ecológicos no sistema de responsabilidade, muito por causa da consagração constitucional, do direito ao ambiente e à qualidade de vida no catálogo de direito fundamentais (artigo 66.º da Constituição da Republica Portuguesa, doravante CRP).
            Ao recorrermos ao artigo 11.º do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho, podemos afirmar que estão consagrados os danos ecológicos, e não os danos ambientais, porque estes, como foi referido, são danos subjetivos, enquanto que aqueles são danos aos componentes ambientais naturais. Com esta afirmação o que foi dito em supra, terá de ser lido como danos ecológicos e não danos ambientais. Contudo, terá de ficar esclarecido que é a própria Agência Portuguesa do Ambiente (doravante APA), pertencente ao Ministério da Agricultura, Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que fala sempre em danos ambientais, em vez de se referir a danos ecológicos, tal como o DL n.º 147/2008, de 29 de Julho. Por uma questão de uniformidade ao logo deste trabalho, e para seguir a terminologia adotada pela nossa legislação e pela autoridade competente, será usado danos ambientais, mas sempre tendo em atenção que se tratam de verdadeiros danos ecológicos.

Âmbito de aplicação do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho e prevenção e reparação dos danos ambientais

                De acordo com o artigo 2.º do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho, este diploma aplica-se aos danos ambientais, bem como às ameaças iminentes desses danos. Os danos ambientais encontram-se regulados no artigo 11.º/1, alínea e) do referido diploma, e as ameaças iminentes desses danos, vêm reguladas no mesmo artigo, mas na alínea b). Estas ameaças iminentes dos danos ambientais são causadas em resultado do exercício de uma qualquer atividade desenvolvida no âmbito de uma atividade económica, independentemente do seu carácter público ou privado, lucrativo ou não, abreviadamente designada atividade ocupacional.
            Ficou também estabelecida uma delimitação negativa do âmbito de aplicação do diploma. Assim, estão excluídos do âmbito de aplicação os danos ambientais e as ameaças iminentes desses danos:

“a) Causados por qualquer dos seguintes atos e atividades:

i) Atos de conflito armado, hostilidades, guerra civil ou insurreição;
ii) Fenómenos naturais de carácter totalmente excecional imprevisível ou que, ainda que previstos, sejam inevitáveis;
iii) Atividades cujo principal objetivo resida na defesa nacional ou na segurança internacional;
iv) As atividades cujo único objetivo resida na proteção contra catástrofes naturais.”
Tudo o que seja abrangido pelo âmbito de aplicação de alguma convenção internacional, ou por Tratado Que Institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica, é também excluído do âmbito de aplicação do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho, sendo necessário recorrer aos anexos I e II, do referido diploma. (artigo 2.º/2 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho). Com isto, pode afirmar-se que este diploma tem por finalidade reparar danos causados ao ambiente, deixando de fora alguns atos e atividades, tal como tudo o que tiver regulado em legislação externa, como se pode confirmar com recurso aos anexos I e II.
            Pelo estabelecido no artigo 3.º do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho, percebe-se que esta responsabilização se aplica a pessoas coletivas, pelo que se afirma, deste modo, que não são apenas as pessoas singulares a ser responsabilizadas, havendo um regime específico para a responsabilização das pessoas coletivas. Aplica-se este diploma quer se trate de pessoa singular ou coletiva, publica ou privada – artigo 11.º/1, alínea l). Fica assente que todos aqueles que perturbarem o ambiente são responsabilizados, com a finalidade de repor a situação em que se encontrava o ambiente antes da lesão. A reparação dos danos ambientais e prevenção destes, é a primeira finalidade do diploma em estudo. Segundo o artigo 11.º/1, alínea j) do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho, entende-se por “estado inicial a situação no momento da ocorrência do dano causado aos recursos naturais e aos serviços, que se verificaria se o dano causado ao ambiente não tivesse ocorrido, avaliada com base na melhor informação disponível”. Assim, deve tentar sempre repor-se a situação que existia antes do dano, realizando-se várias reparações, tendo em conta a dimensão do dano. Para tal, terá de se recorrer ao Anexo V, aplicando medidas de caráter provisório sempre que a situação concreta o obrigue – artigo 11.º/1, alínea n) do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho.
            Sempre que for previsível um dano ao ambiente os operadores responsáveis estão obrigados a tomar medidas preventivas necessárias e adequadas para que o dano não se verifique, tal como estão obrigados, aquando da verificação de dano, a tomar as medidas necessárias para que um novo dano não ocorra – artigos 7.º e 12.º do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho. Pode afirmar-se que estamos perante o Princípio da Proporcionalidade, dado que apenas é exigido que esses operadores tomem as medidas adequadas (idoneidade), quando necessárias (necessidade) por se verificar uma ameaça iminente de um dano ambiental e, por fim, que essas medidas sejam justas e sejam tomadas, tendo em conta o caso concreto, e não em abstrato (racionalidade). Trata-se aqui da responsabilidade objetiva desses operadores responsáveis, que vêm o regime desenvolvido no anexo III do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho. O regime de medidas de prevenção e de reparação vêm previstos, respetivamente, nos artigos 14.º e 15.º do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho.  Sobre os operadores recai ainda o dever de informar, de forma obrigatória e imediata, a autoridade competente, de todos os aspetos relacionados com as ameaças iminentes de danos ambientais, tal como de todas as medidas de prevenção adotadas e o resultado que as mesmas estão a causar. Tenta aqui submeter-se ao máximo controlo da autoridade competente, de forma a evitar possíveis danos, que de outra forma, quando causados podem ser irreversíveis – artigo 14.º/4 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho. 
            Quando estamos perante uma medida de reparação, o regime é diferenciado, sendo mais exigente e controlado, porque aqui o dano já se verificou e apenas se poderá tomar medidas no sentido de voltar à situação em que se encontrava antes do dano causado. Enquanto que, nas medidas de prevenção não existe prazo definido para comunicar à autoridade competente, mesmo tendo essa comunicação de ser realizada imediatamente, nas medidas de reparação, o prazo para a comunicação à autoridade competente é de vinte e quatro horas, e é igualmente obrigatória – Artigo 15.º/1, alínea a) do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho. Esta comunicação terá de conter todas as informações dos factos relevantes atinentes ao dano causado, e essas informações sobre os factos devem manter-se atualizadas. Tal exigência compreende-se pelo facto de o dano já ter ocorrido, e poder piorar o seu impacto para ambiente com o decorrer do tempo, se nada for feito.
A autoridade competente tem em sua disponibilidade o poder de exigir quaisquer informações sobre o dano ao operador, recolher, através da realização de inquéritos/inspeções, as informações necessárias para ter conhecimento técnico sobre o ocorrido e até tomar as medidas necessárias para que outro dano semelhante não ocorra – artigo 15.º/3 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho. Despois de todo o procedimento, passar-se-á para uma fase de determinação concreta das medidas de reparação, que ocorrem depois de avaliado o dano e de perceber quais as melhores medidas a tomar. É também nesta fase que se realiza uma audiência às partes interessadas, que de alguma forma vão ser afetados pela aplicação das medidas de reparação, sendo que para tal deve recorrer-se, novamente, ao Anexo V – artigo 16.º/2 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho. Será de salientar que se tenta, com todo este procedimento, defender, para além do ambiente, as partes afetadas com as medidas que terão de ser tomadas. É por tal razão, que se dá aos interessados a possibilidade de apresentarem, à autoridade competente, observações relativas a situações de danos ambientais, ou de ameaça iminente desses danos – artigo 18.º/1 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho. Para efeitos de interessados, tem-se em conta as pessoas singulares e coletivas, desde que sejam afetadas ou possam vir a ser afetadas, que tenham um interesse suficiente no processo de decisão relativo ao dano ambiental e ainda quando invoquem a violação de um direito ou de um interesse legítimo protegido nos termos da lei – artigo 18.º/2 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho.

            Na seção III do diploma em causa, encontra-se regulado a matéria das garantias financeiras. Estas têm como finalidade assumir a responsabilidade ambiental inerente à atividade desenvolvida pelos operadores enumerados no Anexo III (artigo 22.º/1 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho). Os operadores podem constituir uma ou mais garantias financeiras, próprias e autónomas. As referidas garantias podem ser:

(i) alternativas;

(ii) ou, complementares entre si.

Está presente o princípio da exclusividade, o que significa que as garantias prestadas não podem ser usadas para outros fins – artigo 22.º/3 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho.

Fiscalização e o regime contraordenacional

            O sistema de fiscalização é exercido por diversas entidades, entre as quais, a Inspeção Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território, Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da Guarda Nacional Republicana. (artigo 25.º/1 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho). Deve entender-se este sistema de fiscalização como uma fiscalização ativa, porque aquilo que se prevê, depois de causados os danos ambientais, é que se exerça as melhores e mais adequadas medidas para repor a situação anterior e evitar que novos danos voltem a surgir.
As contraordenações dividem-se em diferentes graus. Existem aquelas que são tidas como contraordenações muito graves, que resultam da violação do disposto no artigo 14.º/5 do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho, tal como a não adoção das medidas de reparação, exigidas pelos artigos 15.º e 16.º do referido diploma; Quando esteja em causa a não adoção de certas medidas, de classificadas num grau diferente, são já tidas como contraordenações graves; E existem, por fim, as contraordenações leves, que resultam da violação do dever de informação, analisado em supra, e da não apresentação do projeto de medidas de reparação dos danos ambientais (artigo 26.º do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho). Juntamente com a coima, pode ser aplicada, pela autoridade competente, uma sanção acessória, seguindo os termos previstos na Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto. As sanções acessórias, como são apenas aplicadas quando a gravidade da infração o justifica, pode dizer-se que se trata de uma medida contra os infratores, para tentar dissuadir a prática de novas atividades poluentes.

Conclusão

Encontra-se neste diploma todo o procedimento para a responsabilização por danos ambientais, verificando-se que se tenta penalizar quem causa danos, independentemente do dolo ou mera culpa (artigo 7.º, in fine e artigo 8.º do DL n.º 147/2008, de 29 de Julho). Quando existe dolo ou mera culpa, qualquer atividade que provoque dano gera a obrigação de reparar os danos resultantes da ofensa ocorrida. Aqui não é exigido que a atividade que é exercida esteja enumerada no anexo III. Assim, pode concluir-se que para determinadas atividades é exigido o dolo ou mera culpa para haver obrigação de reparar os danos, sendo que para outras, essa obrigação existe, independentemente desse dolo ou mera culpa. Desta forma, poderá entender-se que existem atividades mais perigosas para o ambiente, que necessitam de menos exigências para que ocorra obrigação de reparar os danos.

Cada dano terá de ser reparado e prevenido tendo em conta a sua gravidade, e o seu impacto para o ambiente. Mais uma vez, estamos perante o princípio da proporcionalidade.

Bibliografia

·         José Joaquim Gomes Canotilho, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXIX, Coimbra 1993, páginas 1 a 15;

·         José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade civil por danos ecológicos, páginas 29 a 41;

·         Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina 2002, páginas 248 a 285.

Sites


·         http://www.apambiente.pt/

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