domingo, 20 de maio de 2012

Um olhar sobre a Constituição


Constituição Verde


Introdução

A Constituição da República Portuguesa de 1976 foi pioneira na estreia de uma Constituição Verde, consagrando o preceito que agora vemos vertido no art. 66 epigrafado Ambiente e qualidade de Vida, integrado no Capítulo II “Direitos e deveres sociais”, do Título III “Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”.
Ainda, no art. 9 al. d) e e), consagrando deste modo a dimensão subjectiva, como direito fundamental e a dimensão objectiva, enquanto tarefa fundamental do estado.
O que implica a consideração de que os princípios e valores ambientais representam bens jurídicos fundamentais que se projectam na aplicação e concretização do direito, além de definirem objectivos e finalidades que devem servidos pelo poder público.
Como refere o Prof. Vasco Pereira da Silva, “(…) a referência à promoção dos direitos ambientais como tarefa estadual, (…), vem “fazer a ponte” entre a tutela objectiva e a protecção subjectiva do ambiente, ao mesmo tempo que parece mostrar a preferência do legislador constituinte por um modelo predominantemente subjectivista”.

Os ventos da mudança

Com isto é notório o pendor moderno que se presta a evidenciar a actual CRP, assumindo perante os cidadãos portugueses como que um compromisso no sentido da melhoria contínua no futuro e assumindo o Ambiente como um valor jurídico que cumpre proteger e preservar ao longo dos tempos da história da humanidade.
É de salientar a preocupação com a inclusão de temas recentes no pensamento jurídico-político aquando da feitura da CRP 76, tendência que não se observam nos textos constitucionais anteriores.
Assiste-se a um progressivo aumento da sensibilidade para com questões relacionadas com a preservação da natureza. É, digamos, o assumir de uma nova mentalidade que recusa o pensamento do passado de que o homem podia dominar a natureza e explorar os recursos sem limites como se estes fossem inesgotáveis, como se a “fonte nunca secasse”. O despertar deste sentido amigo do ambiente e a tomada de consciência das maldades da actuação humana teve início nos anos 70.
São inúmeros os preceitos que o demonstram, sendo exemplo disso, o art. 69 e 72 que se presta à tutela dos idosos, jovens, crianças e cidadãos deficientes. Os ventos da mudança e da introdução de preocupações a nível ambiental começam a ganhar cor e força na Constituição da República Portuguesa de 1976.
O que note-se não era, aliás, uma tendência generalizada e assente na prática da elaboração das Constituições. Este tipo de matérias ganham relevo pela novidade que introduzem e ainda pelo carácter extremamente frutuoso que visam alcançar.
O texto fundamental de 1976 surpreende-nos e marca a história das Constituições pelo pendor progressista que introduz, enriquecendo o ordenamento constitucional desta forma.
Se considerarmos que a lei fundamental se trata de um texto destinado a vigorar no futuro bem compreendemos esta opção de tutelar o ambiente ao longo dos tempos, de uma forma, que podemos talvez entender como preventiva.
É com base nesta decisão de incluir a tutela ecológica na CRP que se desenha um rumo e se criaram os pilares essenciais para aquilo a que hoje em dia, designamos por Direito do Ambiente. Esta opção de tutela com base constitucional é da extrema importância para os cidadãos que ganham um padrão avaliador da constitucionalidade material dos diplomas legais que pode ser utilizado em sua defesa em sede de fiscalização da constitucionalidade.

Tarefa Fundamental do Estado

A norma do art. 9 e) CRP trata-se de uma norma programática que foi introduzida pela revisão constitucional de 1988. Com isto se pretendeu um impulso na adopção de políticas públicas de conservação e promoção ambientais, apesar de estarem na dependência da criação de condições de realização.
O direito fundamental ao ambiente não é exequível por si mesmo e requer meios de concretização para que possa, enfim, ser invocado. Para tal, é necessário que haja uma concretização legal, uma efectivação por parte do estado.
Como bem descreve o Professor Vasco Pereira da Silva nas suas lições de Direito do Ambiente “(…) todos os direitos fundamentais possuem uma vertente negativa, que impede a existência de agressões estaduais no domínio constitucionalmente protegido, ao mesmo tempo que possuem uma vertente positiva, que obriga à colaboração dos poderes públicos para sua realização”.
Em destaque está a dimensão objectiva do direito do ambiente, significa que o legislador se encontra adstrito ao cumprimento de um dever de emitir normas necessárias à realização de princípios e disposições constitucionais em matéria de ambiente, e ainda, que a administração se encontra vinculadas pelas normas e princípios constitucionais em matéria ambiental, uma vez que o princípio da legalidade da actuação administrativa não significa apenas a submissão à lei mas ao direito no seu conjunto.
Estas normas e princípios constitucionais são importantes na medida em que estabelecem os limites ao exercício de um poder discricionário, assumindo a natureza de vinculações autónomas directamente aplicáveis. Perante a sua violação, tem-se por ilegal a actuação administrativa.
Por fim, também os Tribunais na sua tarefa de julgamento, devem concretização a estas normas e princípios.

Um direito Fundamental

Considerado pela CRP, um direito fundamental como supra ficou exposto, é inerente a esta qualificação a sua sujeição ao regime comum dos direitos Fundamentais, bastante garantidor das posições jurídicas subjectivas, mediante determinados princípios.
O direito ao ambiente enquadra-se nos Direitos Económicos, Sociais e Culturais previstos nos artigos 58 a 79 e sujeitos ao regime comum consagrado nos artigos 12 a 16. No entanto, reconduz-se aos direitos, liberdades e garantias de natureza análoga, devendo para este efeito considerar o art. 17 CRP, que opera na sua letra o alargamento do âmbito de aplicação dos direitos, liberdades e garantias aos direitos de natureza análoga.
Por esta via, o bem jurídico ambiente encontra-se devidamente tutelado e protegido no âmbito dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.

Contudo, a doutrina tem questionado esta qualificação do ambiente como Direito Fundamental, mais concretamente, como Direito Social.
O que, considerando a sistematização esplanada pelo texto fundamental, não parece deixar dúvidas, sendo este um direito que encontra se inequivocamente situado num âmbito que nos permite qualificá-lo como tal. Isto para dizer que o legislador constituinte se pronunciou inequivocamente no sentido de considerar o direito ao ambiente como um direito fundamental, vide o art. 66 CRP.
Já no que respeita à questão doutrinária, a discussão reside em saber se se está ainda perante m verdadeiro direito fundamental ou se se trata antes de uma tarefa estadual disfarçada, em razão da necessidade de intervenção estadual de que depende a concretização da disposição constitucional.
Neste contexto é importante salientar que os direitos fundamentais radicam num princípio axiológico que é a dignidade da pessoa humana impondo ima busca incessante dos melhores caminhos para a realização de um objectivo ideal e esta corrida atravessa momentos e sociedades incomparáveis. Em cada estádio é possível observar os direitos fundamentais com contornas distintos e formas que tendem a ajustar-se ao corpo da modernidade e à tendência que a evolução reclama. Com isto, pretendo esclarecer, que a realização da dignidade da pessoa humana, em cada momento histórico e em cada sociedade coloca desafios diferentes obrigando á transformação do catálogo dos direitos fundamentais.
A dimensão histórica é de extrema importância para a questão que agora se analisa.
Neste aspecto é possível recortar uma espécie de gerações de direitos fundamentais, e é nesta lógica de adaptação dos direitos fundamentais à gerações, que o Estado Pós Social e que vivemos, traz consigo uma terceira geração de direitos fundamentais e é um assumir de uma vertente garantista dos direitos fundamentais, enquanto instrumentos de defesa contra agressões dos poderes públicos (e mesmo privados) mas não significa o esquecimento da vertente social desses mesmos direitos.
Portanto daqui se conclui, que a moderna doutrina pretende exaltar a vertente negativa dos direitos fundamentais, concebendo-os como direitos de defesa contra agressões dos poderes públicos na esfera jurídico individual constitucionalmente protegida, ao mesmo tempo que cumpre uma dimensão positiva que se exige a colaboração dos poderes públicos para a realização plena e efectiva dos direitos constitucionalmente garantidos.

Princípios estruturantes do nosso sistema jurídico-ambiental

A Constituição portuguesa estabelece um conjunto de princípios fundamentais em matéria de ambiente que cabe agora analisar.
São princípios novos a que o Prof. Vasco Pereira da Silva atribui a denominação de verdes, no sentido de se encontrarem numa fase de maturação jurídica, resultado de um processo de consciencialização social e de integração efectiva no ordenamento jurídico de novas ideias.

O Princípio da Prevenção

Um dos princípios constitucionais fundamentais é o princípio da prevenção.
É da extrema importância a aplicação desta regra nos dias de hoje, em que os recursos naturais se encontram diariamente ameaçados e consumidos pela necessidade humana de satisfazer as suas necessidades. É perante esta ideia de afectação da natureza de forma quase ilimitada pondo a sua subsistência em causa que urge afirmar-se o senso comum e entender que as vantagens inerentes à utilização dos recursos naturais tem o reservo da medalha, causando determinados riscos como sejam a escassez.
Este é um princípio que se preocupa com a actuação da sociedade sobre o meio ambiente muito antes das consequências se verificarem, isto é, num momento anterior a se verificarem as lesões ambientais. A preocupação gira em torno da adopção de medidas que evitem aa produção de efeitos danosos, afastando a sua verificação ou pelo menos minorar as suas consequências.
Não descorando a necessidade e os benefícios de um mecanismo atempado e eficaz de contencioso ambiental, que aliás, cumpre uma função preventiva no sentido do princípio enunciado, se entendermos o seu efeito dissuasor de eventuais comportamentos ilícitos.
O princípio pretende evitar não só perigos imediatos e concretos, bem como, afastar riscos futuros não determináveis, antencipando desta forma situações susceptíveis de lesar o ambiente.
Merece ainda referência, neste contexto, um aspecto que tendo vindo a marcar a tendência da doutrina no sentido da autonomização de um princípio da precaução a par do princípio da prevenção, o que logra expressão ao nível dos Tratados constitutivos da União Europeia, no art. 174 nº2. Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva esta distinção não merece apoio e defende uma construção ampla de prevenção que integre também a precaução, no sentido de abarcar tanto acontecimentos naturais como condutas humanas susceptíveis de lesar o meio ambiente, sejam elas actuais ou futuras.

Princípio do Desenvolvimento Sustentável

Este princípio encontra consagração expressa no art. 66 nº2 CRP enquanto condição de realização do direito do ambiente. Este pretende que a ser tomada qualquer decisão jurídica de natureza económica perante os poderes públicos sejam ponderadas as consequências negativas que tal possa trazer para o meio ambiente. Ou seja, exige-se que aquando de decisões jurídicas tendo em vista o desenvolvimento económico seja efectuada uma fundamentação ecológica no sentido da ponderação os benefícios de natureza económica como os prejuízos de natureza ecológica.
No caso de os custos ambientais se relevarem superiores aos respectivos económicos a medida é afastada por inconstitucionalidade por ser demasiado gravoso para o ambiente que se permita este tipo de impactos nefastos.

Princípio do aproveitamento racional dos recursos disponíveis

Este princípio encontra-se ancorado no art. 66 nº2 d) CRP reclamando para que seja dada atenção devida para a escassez dos bens ambientais. Com isto se pretende proibir a tomada de decisões públicas que conduzam ao esbanjamento dos recursos naturais. Neste sentido se alerta para a necessidade de racionalização o aproveitamento dos recursos existentes.
A ideia de que a fonte é inesgotável está desde há muito ultrapassada, e os dias de hoje requerem essa capacidade de utilização quanto baste e da medida necessária à satisfação das necessidades, numa atitude que pretende ser educada em termos ambientes e sensível ao desperdício.

Princípio do Poluidor-pagador

O princípio do poluidor pagador, goza igualmente de natureza constitucional, entre nós representa um corolário necessário da norma do art. 66 nº2 h) CRP.
Decorre da consideração de que os sujeitos económicos que são beneficiários de uma determinada actividade poluente devem ser responsáveis no que diz respeito à compensação dos prejuízos que resultam para toda a comunidade do exercício dessa actividade.
Quer isto dizer, que fica estipulada uma compensação financeira que se refere aos prejuízos efectivamente causados, mas ainda, aos custos da reconstituição da situação, assim como, às medidas de prevenção que é necessário tomar para impedir, ou minimixar similares comportamentos de risco para o meio-ambiente.

Ao lado do direito existe um dever

O preceito constitucional que aqui se coloca em evidência, oportunamente exalta um dever que impende sobre os cidadãos, nos termos do art. 66 nº1 “Todos têm dieito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender”.
Existe um dever de respeitar o ambiente que não pode ser considerado numa perspectiva de segundo plano a par dos direitos que a nossa CRP consagrada. Estes são realidades autónomas que não configuram situações contrapostas, tanto o direito como o dever subsistem independentemente um do outro.
Deste dever fundamental, nascem determinadas obrigações de respeito pela qualidade ambiental determinadas pelo direito ao ambiente, como efeitos horizontais deste, ou ainda simplesmente como obrigações novas que se direcionam na perspectiva exclusiva de execução de um dever fundamental. É de sublinhar neste contexto o Princípio da Solidariedade inter-geracional, que se consubstancia no dever de protecção das gerações futuras. Note-se a título de clarificação do que ficou supra exposto, que todo o ente insusceptível de personalidade jurídica não é titular de direitos, e nem por isso, se pode concluir pela inexistência de uma diligente dever de protecção em termos ambientais.
Ou seja, quer-se com isto dizer que não existe verdadeiramente um direito ao ambiente, mas sim, um dever de proteger o ambiente para que as gerações futuras e a humanidade não sendo titulares de um direito, tenham o prazer de conhecer um mundo preservado em termos ambientais e protegido pelos cidadãos individualmente considerados e ainda pelo Estado.
As considerações que têm vindo a ser feitas ganham expressão se atendermos ao facto de que o efeito de um dano ambiental não se limita em termos geográficos ao sítio em que foi provocado. A ideia de soberania demarcada pelos estados nos mapas não se afigura possível de realizar se tivermos em conta a inexistência de barreiras físicas na natureza que limitem ou condicionem de certa forma, a propagação e impacto causado por uma qualquer ofensa do ambiente.
A ideia essencial é a de que nenhum fenómeno poluente é estanque e não se circunscreve a zonas delimitadas, as consequências podem e vão certamente repercutir-se muito além do esperado pelo autor do dano.

Conclusão

A análise da realidade constitucional em matéria ambiental realizada por este trabalho permite considerar a influência da evolução das gerações no desenvolvimento da protecção dada pelo direito a esta matéria.
O direito ao ambiente agora consagrado como direito fundamental permite controlar em termos mais exigentes e garantísticos as interações do homem com a natureza e realizar mecanismos legais para proteger o meio ambiente, através da intervenção do Estado criando os diplomas legais à sua concretização e fazendo apelo à sensibilidade que as circunstâncias da actualidade exigem perante o consumo incessantemente dos recursos naturais que não podem sem mais ser esgotados, atenção que merece a consideração das gerações futuras.

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PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde, Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente;
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Como a Constituição é Verde;














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