Constituição Verde
Introdução
A Constituição da República Portuguesa
de 1976 foi pioneira na estreia de uma Constituição Verde, consagrando o
preceito que agora vemos vertido no art. 66 epigrafado Ambiente e qualidade de
Vida, integrado no Capítulo II “Direitos e deveres sociais”, do Título III
“Direitos e deveres económicos, sociais e culturais”.
Ainda, no art. 9 al. d) e e),
consagrando deste modo a dimensão subjectiva, como direito fundamental e a
dimensão objectiva, enquanto tarefa fundamental do estado.
O que implica a consideração de que os
princípios e valores ambientais representam bens jurídicos fundamentais que se
projectam na aplicação e concretização do direito, além de definirem objectivos
e finalidades que devem servidos pelo poder público.
Como refere o Prof. Vasco Pereira da
Silva, “(…) a referência à promoção dos direitos ambientais como tarefa
estadual, (…), vem “fazer a ponte” entre a tutela objectiva e a protecção
subjectiva do ambiente, ao mesmo tempo que parece mostrar a preferência do
legislador constituinte por um modelo predominantemente subjectivista”.
Os
ventos da mudança
Com isto é notório o pendor moderno que
se presta a evidenciar a actual CRP, assumindo perante os cidadãos portugueses
como que um compromisso no sentido da melhoria contínua no futuro e assumindo o
Ambiente como um valor jurídico que cumpre proteger e preservar ao longo dos
tempos da história da humanidade.
É de salientar a preocupação com a
inclusão de temas recentes no pensamento jurídico-político aquando da feitura
da CRP 76, tendência que não se observam nos textos constitucionais anteriores.
Assiste-se a um progressivo aumento da
sensibilidade para com questões relacionadas com a preservação da natureza. É,
digamos, o assumir de uma nova mentalidade que recusa o pensamento do passado
de que o homem podia dominar a natureza e explorar os recursos sem limites como
se estes fossem inesgotáveis, como se a “fonte nunca secasse”. O despertar
deste sentido amigo do ambiente e a tomada de consciência das maldades da
actuação humana teve início nos anos 70.
São inúmeros os preceitos que o
demonstram, sendo exemplo disso, o art. 69 e 72 que se presta à tutela dos
idosos, jovens, crianças e cidadãos deficientes. Os ventos da mudança e da
introdução de preocupações a nível ambiental começam a ganhar cor e força na
Constituição da República Portuguesa de 1976.
O que note-se não era, aliás, uma tendência
generalizada e assente na prática da elaboração das Constituições. Este tipo de
matérias ganham relevo pela novidade que introduzem e ainda pelo carácter
extremamente frutuoso que visam alcançar.
O texto fundamental de 1976
surpreende-nos e marca a história das Constituições pelo pendor progressista
que introduz, enriquecendo o ordenamento constitucional desta forma.
Se considerarmos que a lei fundamental
se trata de um texto destinado a vigorar no futuro bem compreendemos esta opção
de tutelar o ambiente ao longo dos tempos, de uma forma, que podemos talvez
entender como preventiva.
É com base nesta decisão de incluir a
tutela ecológica na CRP que se desenha um rumo e se criaram os pilares
essenciais para aquilo a que hoje em dia, designamos por Direito do Ambiente.
Esta opção de tutela com base constitucional é da extrema importância para os
cidadãos que ganham um padrão avaliador da constitucionalidade material dos
diplomas legais que pode ser utilizado em sua defesa em sede de fiscalização da
constitucionalidade.
Tarefa
Fundamental do Estado
A norma do art. 9 e) CRP trata-se de uma
norma programática que foi introduzida pela revisão constitucional de 1988. Com
isto se pretendeu um impulso na adopção de políticas públicas de conservação e
promoção ambientais, apesar de estarem na dependência da criação de condições
de realização.
O direito fundamental ao ambiente não é
exequível por si mesmo e requer meios de concretização para que possa, enfim,
ser invocado. Para tal, é necessário que haja uma concretização legal, uma
efectivação por parte do estado.
Como bem descreve o Professor Vasco
Pereira da Silva nas suas lições de Direito do Ambiente “(…) todos os direitos fundamentais possuem uma vertente negativa, que
impede a existência de agressões estaduais no domínio constitucionalmente
protegido, ao mesmo tempo que possuem uma vertente positiva, que obriga à
colaboração dos poderes públicos para sua realização”.
Em destaque está a dimensão objectiva do
direito do ambiente, significa que o legislador se encontra adstrito ao
cumprimento de um dever de emitir normas necessárias à realização de princípios
e disposições constitucionais em matéria de ambiente, e ainda, que a
administração se encontra vinculadas pelas normas e princípios constitucionais
em matéria ambiental, uma vez que o princípio da legalidade da actuação
administrativa não significa apenas a submissão à lei mas ao direito no seu
conjunto.
Estas normas e princípios
constitucionais são importantes na medida em que estabelecem os limites ao
exercício de um poder discricionário, assumindo a natureza de vinculações
autónomas directamente aplicáveis. Perante a sua violação, tem-se por ilegal a
actuação administrativa.
Por fim, também os Tribunais na sua
tarefa de julgamento, devem concretização a estas normas e princípios.
Um
direito Fundamental
Considerado pela CRP, um direito
fundamental como supra ficou exposto, é inerente a esta qualificação a sua
sujeição ao regime comum dos direitos Fundamentais, bastante garantidor das
posições jurídicas subjectivas, mediante determinados princípios.
O direito ao ambiente enquadra-se nos
Direitos Económicos, Sociais e Culturais previstos nos artigos 58 a 79 e
sujeitos ao regime comum consagrado nos artigos 12 a 16. No entanto,
reconduz-se aos direitos, liberdades e garantias de natureza análoga, devendo
para este efeito considerar o art. 17 CRP, que opera na sua letra o alargamento
do âmbito de aplicação dos direitos, liberdades e garantias aos direitos de
natureza análoga.
Por esta via, o bem jurídico ambiente
encontra-se devidamente tutelado e protegido no âmbito dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais.
Contudo, a doutrina tem questionado esta
qualificação do ambiente como Direito Fundamental, mais concretamente, como
Direito Social.
O que, considerando a sistematização
esplanada pelo texto fundamental, não parece deixar dúvidas, sendo este um
direito que encontra se inequivocamente situado num âmbito que nos permite
qualificá-lo como tal. Isto para dizer que o legislador constituinte se
pronunciou inequivocamente no sentido de considerar o direito ao ambiente como
um direito fundamental, vide o art. 66 CRP.
Já no que respeita à questão
doutrinária, a discussão reside em saber se se está ainda perante m verdadeiro
direito fundamental ou se se trata antes de uma tarefa estadual disfarçada, em
razão da necessidade de intervenção estadual de que depende a concretização da
disposição constitucional.
Neste contexto é importante salientar
que os direitos fundamentais radicam num princípio axiológico que é a dignidade
da pessoa humana impondo ima busca incessante dos melhores caminhos para a
realização de um objectivo ideal e esta corrida atravessa momentos e sociedades
incomparáveis. Em cada estádio é possível observar os direitos fundamentais com
contornas distintos e formas que tendem a ajustar-se ao corpo da modernidade e
à tendência que a evolução reclama. Com isto, pretendo esclarecer, que a
realização da dignidade da pessoa humana, em cada momento histórico e em cada
sociedade coloca desafios diferentes obrigando á transformação do catálogo dos
direitos fundamentais.
A dimensão histórica é de extrema
importância para a questão que agora se analisa.
Neste aspecto é possível recortar uma
espécie de gerações de direitos fundamentais, e é nesta lógica de adaptação dos
direitos fundamentais à gerações, que o Estado Pós Social e que vivemos, traz
consigo uma terceira geração de direitos fundamentais e é um assumir de uma
vertente garantista dos direitos fundamentais, enquanto instrumentos de defesa
contra agressões dos poderes públicos (e mesmo privados) mas não significa o
esquecimento da vertente social desses mesmos direitos.
Portanto daqui se conclui, que a moderna
doutrina pretende exaltar a vertente negativa dos direitos fundamentais,
concebendo-os como direitos de defesa contra agressões dos poderes públicos na
esfera jurídico individual constitucionalmente protegida, ao mesmo tempo que
cumpre uma dimensão positiva que se exige a colaboração dos poderes públicos
para a realização plena e efectiva dos direitos constitucionalmente garantidos.
Princípios
estruturantes do nosso sistema jurídico-ambiental
A Constituição portuguesa estabelece um
conjunto de princípios fundamentais em matéria de ambiente que cabe agora
analisar.
São princípios novos a que o Prof. Vasco
Pereira da Silva atribui a denominação de verdes, no sentido de se encontrarem
numa fase de maturação jurídica, resultado de um processo de consciencialização
social e de integração efectiva no ordenamento jurídico de novas ideias.
O
Princípio da Prevenção
Um dos princípios constitucionais
fundamentais é o princípio da prevenção.
É da extrema importância a aplicação
desta regra nos dias de hoje, em que os recursos naturais se encontram
diariamente ameaçados e consumidos pela necessidade humana de satisfazer as
suas necessidades. É perante esta ideia de afectação da natureza de forma quase
ilimitada pondo a sua subsistência em causa que urge afirmar-se o senso comum e
entender que as vantagens inerentes à utilização dos recursos naturais tem o
reservo da medalha, causando determinados riscos como sejam a escassez.
Este é um princípio que se preocupa com
a actuação da sociedade sobre o meio ambiente muito antes das consequências se
verificarem, isto é, num momento anterior a se verificarem as lesões
ambientais. A preocupação gira em torno da adopção de medidas que evitem aa
produção de efeitos danosos, afastando a sua verificação ou pelo menos minorar
as suas consequências.
Não descorando a necessidade e os
benefícios de um mecanismo atempado e eficaz de contencioso ambiental, que
aliás, cumpre uma função preventiva no sentido do princípio enunciado, se
entendermos o seu efeito dissuasor de eventuais comportamentos ilícitos.
O princípio pretende evitar não só perigos
imediatos e concretos, bem como, afastar riscos futuros não determináveis,
antencipando desta forma situações susceptíveis de lesar o ambiente.
Merece ainda referência, neste contexto,
um aspecto que tendo vindo a marcar a tendência da doutrina no sentido da
autonomização de um princípio da precaução a par do princípio da prevenção, o
que logra expressão ao nível dos Tratados constitutivos da União Europeia, no
art. 174 nº2. Na opinião do Professor Vasco Pereira da Silva esta distinção não
merece apoio e defende uma construção ampla de prevenção que integre também a
precaução, no sentido de abarcar tanto acontecimentos naturais como condutas
humanas susceptíveis de lesar o meio ambiente, sejam elas actuais ou futuras.
Princípio
do Desenvolvimento Sustentável
Este princípio encontra consagração
expressa no art. 66 nº2 CRP enquanto condição de realização do direito do
ambiente. Este pretende que a ser tomada qualquer decisão jurídica de natureza
económica perante os poderes públicos sejam ponderadas as consequências
negativas que tal possa trazer para o meio ambiente. Ou seja, exige-se que
aquando de decisões jurídicas tendo em vista o desenvolvimento económico seja
efectuada uma fundamentação ecológica no sentido da ponderação os benefícios de
natureza económica como os prejuízos de natureza ecológica.
No caso de os custos ambientais se
relevarem superiores aos respectivos económicos a medida é afastada por
inconstitucionalidade por ser demasiado gravoso para o ambiente que se permita
este tipo de impactos nefastos.
Princípio
do aproveitamento racional dos recursos disponíveis
Este princípio encontra-se ancorado no
art. 66 nº2 d) CRP reclamando para que seja dada atenção devida para a escassez
dos bens ambientais. Com isto se pretende proibir a tomada de decisões públicas
que conduzam ao esbanjamento dos recursos naturais. Neste sentido se alerta
para a necessidade de racionalização o aproveitamento dos recursos existentes.
A ideia de que a fonte é inesgotável
está desde há muito ultrapassada, e os dias de hoje requerem essa capacidade de
utilização quanto baste e da medida necessária à satisfação das necessidades,
numa atitude que pretende ser educada em termos ambientes e sensível ao
desperdício.
Princípio
do Poluidor-pagador
O princípio do poluidor pagador, goza
igualmente de natureza constitucional, entre nós representa um corolário
necessário da norma do art. 66 nº2 h) CRP.
Decorre da consideração de que os
sujeitos económicos que são beneficiários de uma determinada actividade
poluente devem ser responsáveis no que diz respeito à compensação dos prejuízos
que resultam para toda a comunidade do exercício dessa actividade.
Quer isto dizer, que fica estipulada uma
compensação financeira que se refere aos prejuízos efectivamente causados, mas
ainda, aos custos da reconstituição da situação, assim como, às medidas de
prevenção que é necessário tomar para impedir, ou minimixar similares
comportamentos de risco para o meio-ambiente.
Ao
lado do direito existe um dever
O preceito constitucional que aqui se
coloca em evidência, oportunamente exalta um dever que impende sobre os
cidadãos, nos termos do art. 66 nº1 “Todos
têm dieito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o
dever de o defender”.
Existe um dever de respeitar o ambiente que
não pode ser considerado numa perspectiva de segundo plano a par dos direitos
que a nossa CRP consagrada. Estes são realidades autónomas que não configuram
situações contrapostas, tanto o direito como o dever subsistem
independentemente um do outro.
Deste dever fundamental, nascem
determinadas obrigações de respeito pela qualidade ambiental determinadas pelo
direito ao ambiente, como efeitos horizontais deste, ou ainda simplesmente como
obrigações novas que se direcionam na perspectiva exclusiva de execução de um
dever fundamental. É de sublinhar neste contexto o Princípio da Solidariedade
inter-geracional, que se consubstancia no dever de protecção das gerações
futuras. Note-se a título de clarificação do que ficou supra exposto, que todo
o ente insusceptível de personalidade jurídica não é titular de direitos, e nem
por isso, se pode concluir pela inexistência de uma diligente dever de
protecção em termos ambientais.
Ou seja, quer-se com isto dizer que não
existe verdadeiramente um direito ao ambiente, mas sim, um dever de proteger o
ambiente para que as gerações futuras e a humanidade não sendo titulares de um
direito, tenham o prazer de conhecer um mundo preservado em termos ambientais e
protegido pelos cidadãos individualmente considerados e ainda pelo Estado.
As considerações que têm vindo a ser
feitas ganham expressão se atendermos ao facto de que o efeito de um dano
ambiental não se limita em termos geográficos ao sítio em que foi provocado. A
ideia de soberania demarcada pelos estados nos mapas não se afigura possível de
realizar se tivermos em conta a inexistência de barreiras físicas na natureza
que limitem ou condicionem de certa forma, a propagação e impacto causado por
uma qualquer ofensa do ambiente.
A ideia essencial é a de que nenhum
fenómeno poluente é estanque e não se circunscreve a zonas delimitadas, as
consequências podem e vão certamente repercutir-se muito além do esperado pelo
autor do dano.
Conclusão
A análise da realidade constitucional em
matéria ambiental realizada por este trabalho permite considerar a influência
da evolução das gerações no desenvolvimento da protecção dada pelo direito a
esta matéria.
O direito ao ambiente agora consagrado
como direito fundamental permite controlar em termos mais exigentes e
garantísticos as interações do homem com a natureza e realizar mecanismos
legais para proteger o meio ambiente, através da intervenção do Estado criando
os diplomas legais à sua concretização e fazendo apelo à sensibilidade que as
circunstâncias da actualidade exigem perante o consumo incessantemente dos
recursos naturais que não podem sem mais ser esgotados, atenção que merece a
consideração das gerações futuras.
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PEREIRA DA SILVA, Vasco, Verde, Cor de
Direito – Lições de Direito do Ambiente;
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Como a
Constituição é Verde;
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