In dubio pro ambiente
Natacha Carvalho Soares nº 18330
4º ano subturma 8
18 de Maio de 2012
Índice
• 1.
Prefácio……………………………………………….…p. 3 a 4
• 2. O
risco……………………………………................….p. 5 a 7
• 3. O
significado do princípio da precaução………..…p. 8
• 4. Distinção entre o princípio da prevenção e
o princípio da precaução……………………………………………………..p. 9 a 10
• 5. O
princípio da precaução não é absoluto……….p. 11 a 12
• 6. A
ponderação dos riscos na tomada de decisões…….p. 13
7. O princípio do poluidor
pagador......................................p. 14
• 8.
Considerações finais…………………………………….p. 15 a 16
• 9.
Referências Bibliográficas……………………………....p. 17
1.Prefácio
"Better
safe than sorry", ou é
melhor prevenir que remediar. Assim se inicia uma pluralidade de textos sobre o
princípio da precaução. Este
princípio é um dos mais recentes do Direito do Ambiente e leva a protecção do
ambiente mais longe do que qualquer outro.
A lógica da precaução tem raízes no Direito
germânico da década de 1970, depressa se tendo disseminado por diversos ordenamentos
jurídicos em virtude de fenómenos tais como: os derrames de petróleo, as
explosões em instalações industriais, as chuvas ácidas e a desertificação dos
solos, que convocaram a atenção dos cidadãos, das empresas e dos poderes
públicos para a gravidade dos seus efeitos e a necessidade de os prevenir e
minorar.
A emergência deste princípio deu-se quando se
tornou evidente a inadequação das medidas do Direito Administrativo, que
intervinham apenas quando o perigo era manifesto ou o dano já se tinha
produzido.
Precaução deriva do termo alemão “Vorsorgeprinzip”,
significando cautela, cuidado prévio, preocupar-se de antemão, cuidar de,
afligir-se, preocupar-se e inquietar-se.
Este princípio incorpora uma regra de bom senso,
visando satisfazer um imperativo de ordem racional, filosófica, social e
política: a gestão e controlo precoce dos riscos ambientais.
Os riscos são inerentes à complexificação da
realidade social. Citando Gomes Canotilho: “a sociedade actual move-se no reino
da incerteza”. A ciência é fonte de mais dúvidas do que certezas. Uma
multiplicidade de acontecimentos despertaram a humanidade para os perigos do
progresso económico e tecnológico: alterações climáticas, chuvas ácidas,
acidentes industriais. Assiste-se a uma transformação da sociedade industrial em
“sociedade de risco”.
No presente trabalho, defende-se a superação do
direito à reparação pelo dever de preservação. A ideia de responsabilidade
pelos actos praticados deve ser substituída por uma responsabilidade
vocacionada para a prevenção de novos impactos e para o controlo dos riscos
ecológicos.
O imperativo categórico aplicado ao ambiente pode
ter a seguinte formulação: “ Age de tal forma que os efeitos da tua acção sejam
compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a Terra”.
O agente decisor deve praticar o método heurístico do receio, que passa por
antecipar a ameaça e o perigo de produção de danos graves ou irreversíveis para
poder determinar e avaliar os riscos que devem ser tidos como aceitáveis.
O princípio da
precaução é assumido como uma base conceptual e legal para a implementação de
uma política ambiental proactiva, assente em objectivos ambiciosos.
2.O risco
A tomada de consciência relativamente ao risco
ecológico justifica-se pela protecção de que o bem jurídico ambiente tem vindo
a ser sujeito por parte dos Estados, especialmente desde a década de 70 do século
XX. O risco foi, desde sempre, associado ao desconhecimento. Os navegadores
portugueses e espanhóis utilizaram este conceito para caracterizar as suas
viagens por mares "nunca dantes navegados".
Viriato Soromenho-Marques, referindo-se à crise
do ambiente, definiu o presente, muito sugestivamente, como um “presente
frágil”. Esse presente frágil é o da sociedade de risco.
A denominação "sociedade de risco" é atribuída a Ulrich Beck na sua obra Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine
andere Moderne, tendo como traço específico a geração de riscos que não
podem ser controlados e ou conhecidos de forma satisfatória. A era da
globalização, ao mesmo tempo que trouxe um progresso sem precedentes às
ciências que estudam a natureza, originou novos problemas para o meio ambiente.
Beck, nos seus estudos, coloca em relevo os riscos imprevisíveis provocados
pelo desenvolvimento técnico-industrial. O Homem, através da acção sobre os
recursos naturais, transformou de tal modo o planeta que perdeu o controlo do
progresso, criando um risco de destruição total. “ O aumento das opções
técnicas acarreta a incalculabilidade das suas consequências”, escreve Beck. Na
sociedade de risco, os efeitos desconhecidos e inesperados passaram a
preponderar e a reclamar toda a atenção.
O conhecimento humano é falível e, portanto, não
se pode esperar que um estudo científico providencie a certeza de um risco
zero. Já em 1934, Karl Popper desqualificou
a certeza das verdades científicas, na medida em que a qualidade de uma
teoria é aferida pela sua capacidade de resistir aos sucessivos testes, o que
não permite uma certeza (absoluta), mas apenas uma aceitação provisória da
formulação explicativa da realidade contida na teoria. Por conseguinte, a
ausência de certeza científica implica a realização de sucessivos estudos, de
pesquisas, métodos, técnicas de análise e gestão dos riscos envolvidos, já que
o conhecimento humano, ainda que científico, não é dotado de certeza, sendo
provisório por natureza.
O risco não conhece fronteiras, não conhece
destinatários e não conhece limites. A multiplicação de riscos, em virtude da
acção desreguladora do homem sobre a natureza, causa um verdadeiro ciclo
vicioso. E o “efeito bola de neve” torna-se tanto mais assustador quanto se considere
a irreversibilidade de alguns dos danos causados. Se a incerteza e a ignorância
sempre caracterizaram o conhecimento humano, a verdade é que hoje constituem o
paradigma e o elemento estruturante da sociedade.
O conceito
de risco distingue-se do conceito de perigo. Alguns autores propugnam um critério quantitativo na delimitação dos
conceitos: o risco seria um género e o perigo uma sua espécie, situando-se a
fronteira na previsibilidade. O risco seria um perigo pressentido, mas não
comprovado; ao passo que o perigo seria um risco de altíssima probabilidade. O
perigo pressupõe o conhecimento, com base num juízo de prognose ou nos dados da
experiência, de que uma certa acção causa, provavelmente, um dano a um bem
jurídico, devendo existir, portanto, uma demonstrabilidade do nexo causal entre
o facto e a lesão. Enquanto o perigo constitui uma ameaça concreta à existência
ou segurança de uma pessoa ou de uma coisa, assente numa probabilidade
relevante de ocorrência, o risco é um perigo eventual, mais ou menos
previsível, em que não existe ou não é conhecida uma probabilidade
significativa de ocorrência da lesão. Enquanto o perigo tem causas naturais, o
risco não as tem.
O risco ambiental traduz a ameaça de
degradação ou destruição, grave ou irreversível, de bens ambientais naturais,
isto é, há risco quando estiver em causa a subsistência de um bem natural ou a
sua capacidade de regeneração.
Mas o que
se deve entender por dano grave e irreversível?
O dano grave será sempre resultado de uma
ponderação, de uma relativização de interesses. Quanto à noção de irreversibilidade, se interpretada num
sentido ecológico, significa a impossibilidade física de devolver ao bem
natural a sua existência ou capacidade regenerativa. Se o termo
"irreversibilidade" for visto numa óptica económica, entende-se que o
dano ambiental pode ser dispendioso pelo que mais vale prevenir do que ser
responsabilizado. E irreversibilidade será um estado ou um processo? O
princípio do desenvolvimento sustentável responde à questão: a
irreversibilidade deve ser perspectivada num horizonte transgeracional.
O risco ecológico
caracteriza-se por ser:
a) Quanto
ao objecto: um fenómeno que afecta a existência ou a capacidade regenerativa de um bem natural ou de um
conjunto de bens naturais;
b) No que
respeita à causa: o risco pode ser
natural, ou seja, verifica-se independentemente do concurso da vontade
humana, sendo as suas causas estritamente recondutíveis a fenómenos naturais,
ou risco antrópico, quando se deve a
uma acção ou omissão humana, voluntária ou involuntária, consciente ou
inconsciente do resultado;
c)
Relativamente ao modo: o risco caracteriza-se por ser uma figura de
verificação e ou intensidade imprevisíveis, tendo em conta os dados da
experiência e os conhecimentos técnico-científicos geralmente aceites.
Sem
prejuízo do princípio da precaução, como se deverá avaliar, prevenir e lidar
com os riscos?
- O procedimento de avaliação de impacto
ambiental (DL 69/2000
de 3 de Maio)
Consiste
num procedimento administrativo que garante que, antes da autorização de um
projecto, os seus potenciais impactos
significativos sobre o ambiente
serão satisfatoriamente avaliados e
tidos em conta. Esta avaliação reúne, num triângulo de interesses contrapostos,
o dono da obra, as autoridades públicas e o público em geral. O procedimento
permite o aperfeiçoamento do processo de decisão dos poderes públicos com vista
à prevenção da poluição e à protecção da fauna, flora, solo, água, ar, clima e
paisagem dos bens naturais e do património cultural. A avaliação do risco
traduz-se na identificação dos factores de incerteza e na elaboração de um
juízo de prognose sobre a sua possível evolução;
- Princípio da
Participação
Se é
necessário prevenir os atentados ambientais e garantir que os seus causadores
são responsabilizados, é essencial permitir que os cidadãos possam ser ouvidos
na formulação e execução da política de ambiente. Esta participação permitirá à
autoridade decisora incorporar na decisão elementos cuja relevância lhe poderia
passar desapercebida, bem como desconsiderar elementos irrelevantes;
- Princípio da
proporcionalidade, arts. 266º/2 CRP e 5º/2 CPA.
A sua
tripla vertente de necessidade, adequação e proibição do excesso confere-lhe a
flexibilização ideal para lidar com situações em que a validade última da
decisão se traduz num equilíbrio de interesses;
- Princípio da
fundamentação
Quanto
maior for a incerteza e a imprevisibilidade, maior será o cuidado que a
entidade decisora deve colocar na explanação do processo de decisão que a levou
a adoptar tal medida;
- Princípio da
Supervisão
Encontramo-nos
perante uma situação de contornos sempre incertos, facto que exige das
autoridades uma atenção constante e um esforço de acompanhamento.
O risco é
uma presença permanente na generalidade das actividades humanas, por acção do
homem ou dos elementos naturais, pelo que deve ser encarado como um incentivo
para a sua análise, prevenção e, quando possível, eliminação.
A era da globalização, ao mesmo tempo que trouxe
desmedido progresso às ciências que estudam a natureza, acarreta problemas para
o meio ambiente. A "sociedade de
risco", que apresenta matizes de imprevisibilidade, incerteza e
desconhecimento, é a responsável pela génese da ideia de precaução. Para Patrick
de Araújo Ayala, a sociedade de risco é aquela em que é complexa a tarefa de
apresentar soluções adequadas para o conflito entre o desenvolvimento
tecnológico e a obrigação de estabelecer limites à própria capacidade de
intervenção sobre o meio ambiente. E citando Beck: " O aumento das opções
técnicas acarreta a incalculabilidade das suas consequências".
3.O significado
do princípio da precaução
O princípio da precaução traduz-se na ideia de
que o ambiente deve ter o benefício da
dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas, sobre o nexo
causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação
ambiental. O princípio da precaução, em termos substanciais, traduzir-se-ia
numa prevenção qualificada, agravada, que jogaria sempre, na ausência de
certeza científica, a favor do ambiente. Por conseguinte, é possível falar-se a
este propósito de uma espécie de "princípio in dubio pro ambiente" ou “in
dubio contra projectum”, ou seja, na dúvida sobre a perigosidade de uma
certa actividade para o ambiente, decide-se a favor do ambiente e contra o
potencial poluidor. A aplicação deste princípio determina uma relevante
concretização adjectiva: o ónus da prova
da inocuidade de uma acção com efeitos ambientais é transferido do Estado
para os potenciais poluidores, uma vez que pretendem alterar o status quo ambiental.
Note-se, todavia, que não é possível apresentar
uma definição rigorosa do princípio da precaução, uma vez que, se cada Estado é
simultaneamente "legislador, administrador e julgador" deste
princípio, o seu conteúdo é moldável de lugar para lugar e de projecto para projecto.
São quatro os seus postulados:
• Detecção atempada dos perigos, para tanto sendo
necessário promover e incentivar a pesquisa e a investigação científica;
• Face à ameaça de danos irreversíveis, a ausência
de provas científicas conclusivas não pode constituir argumento para adiar a
adopção de medidas adequadas a controlar os riscos de dano ambiental;
• Promoção do desenvolvimento tecnológico e
incentivo à criação de novos processos técnicos aptos a reduzir ou eliminar os
níveis de descarga de poluentes;
• Constitui incumbência do Estado promover a introdução
de processos e tecnologias mais limpas no sector privado.
Earll entende que o princípio da precaução, na
sua essência, não é fruto de reflexões científicas, mas sim de preocupações
práticas e prementes relativamente ao aumento assustador dos níveis de
poluição.
•
4. Distinção
entre princípio da prevenção e o princípio da precaução
O princípio da
prevenção encontra-se expressamente previsto no art. 66/2a da CRP:
"para
assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável,
incumbe ao Estado [...] prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as
formas prejudiciais de erosão"
A vigência do princípio da precaução (enquanto
princípio autónomo) não é líquida na doutrina. Alguns autores entendem que
consiste num princípio autónomo, ao
passo que outros reconduzem-no ainda ao princípio
da prevenção em sentido amplo. Citando o Professor Vasco Pereira da Silva:
"preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios
distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção". Em defesa
da sua posição, o Prof. Vasco Pereira da Silva apresenta os seguintes
argumentos:
1- A natureza
linguística: a distinção entre prevenção e precaução parece traduzir-se
numa identidade vocabular;
2- O conteúdo
material: os critérios de distinção das figuras em apreço são dúbios, e
muito mais os resultados a que conduz a autonomização da precaução. Não é fácil
distinguir a prevenção em função dos "perigos" e a precaução em
função dos "riscos" provocados por acções humanas, na medida em que
os danos ambientais são resultado de uma cumulação de causas em que é
praticamente impossível distinguir com rigor factos naturais de comportamentos
humanos.
3- A técnica
jurídica: a CRP eleva a prevenção à categoria de princípio constitucional,
ao passo que a precaução não está expressamente prevista. Uma noção ampla de
prevenção parece ser a mais adequada para assegurar a "melhor tutela
disponível" dos valores ambientais.
David Freestone propõe a seguinte distinção entre
Prevenção e Precaução: "
Enquanto a prevenção requer que os perigos comprovados sejam eliminados, o
Princípio da Precaução determina que a acção para eliminar possíveis impactos
danosos no ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido
com uma evidência científica absoluta". A pedra de toque da diferenciação
entre os princípios em análise reside na extensão da atitude cautelar a riscos.
Enquanto a prevenção lida com a mera probabilidade, a precaução ultrapassa-a,
cobrindo a mera possibilidade e mesmo a descoberto de qualquer base científica.
No presente trabalho sigo o entendimento de que o
princípio da precaução deve ser analisado como um princípio autónomo, que se
distingue, consequentemente, do conceito de prevenção. Reconheço, todavia, que
o princípio da precaução é ainda um princípio "verde", em fase de
construção, exigindo a necessidade do seu aprofundamento científico.
4.O
princípio da precaução não é absoluto
A dúvida sobre a perigosidade de uma acção para o
ambiente pode decorrer das seguintes circunstâncias:
- Ainda não se
verificaram quaisquer danos decorrentes dessa actividade, mas receia-se, apesar
da falta de dados científicos, que possam vir a ocorrer;
- Havendo já danos
provocados, não há conhecimento científico de qual é a causa que está na origem
dos danos;
- Ou ainda, apesar
de haver danos, não há evidência científica da existência de nexo de
causalidade entre a causa hipotética e os danos.
Nestes casos, o princípio da precaução determina
que, por motivos de segurança, as actividades suspeitas de terem provocado um
dano, ou de poderem vir a provocá-lo, sejam interditas.
A precaução, se interpretada num sentido radical,
pode apresentar graves inconvenientes
de ordem tecnológica, científica, jurídica, política, sociológica, económica e
ecológica, como por exemplo os seguintes:
- Decidir uma
questão a favor do ambiente é resolvê-la contra as expectativas de largas
camadas de população;
- Os Estados podem
ver restringidos os seus poderes soberanos de disposição e utilização dos
recursos naturais;
- O crescimento
industrial, pecuário ou agrícola paralisa-se sem fundamentos científicos
credíveis;
- O progresso
científico estagna;
- O efeito lesivo
não é absolutamente comprovável, devendo a convicção do juiz colocar-se para além de uma dúvida razoável.
O princípio da precaução, em toda a sua
radicalidade e numa perspectiva maximalista, não é operativo, podendo conduzir
à paralisia e mesmo à regressão.
Para evitar estes efeitos nocivos é necessário
proceder a uma adopção de razoáveis
medidas de cautela, tais como: consagração dos deveres de informação,
periódica revisibilidade de dados científicos, adopção de medidas preventivas
aos deveres de comunicação de acidentes, etc.. É importante reconhecer a
precaução como um princípio de acção e não somente de abstenção. Como qualquer
princípio, a ideia de precaução não é absoluta e a sua aplicação depende do
preenchimento dos seguintes requisitos: a ameaça tem de ser sensível, isto é,
perceptível ou apreciável; e o dano deve qualificar-se como sério (importância
ou gravidade do dano possível) ou irreversível (inviabilidade de recuperação do
meio ambiente ou do bem atingido).
O ambiente pode ser considerado como valor
constitucional prevalecente mas deve ser conciliado com outros valores e
direitos constitucionalmente acolhidos. É verdade que a Lei Fundamental acolhe
o objectivo da protecção do meio ambiente, mas esse é apenas um entre vários
outros objectivos constitucionalmente sediados. Estou a pensar, especialmente,
nos objectivos ligados ao desenvolvimento económico. Se por um lado temos um
desejo de preservação dos recursos naturais numa lógica de solidariedade
intergeracional, prevenindo a poluição e salvaguardando a sua integridade e
capacidade auto-regenerativa, por outro lado, o Estado aposta no
desenvolvimento tecnológico, em políticas de pleno emprego, confia na
iniciativa individual e empresarial, apoia os agricultores e os industriais.
É crucial
agir, prevenindo.
5.A
ponderação de riscos na tomada de decisões
São de afastar posições extremas que vêem no
princípio da precaução um imperativo sistemático de abstenção, como uma
exigência irrealista de risco zero. Na verdade, este princípio visa a
implementação de uma cultura e gestão proactiva do risco, assente na identificação
dos riscos, na avaliação da sua gravidade e probabilidade de ocorrência e na
delimitação daqueles que são aceitáveis, atendendo aos benefícios que advêm da
actividade que está na sua origem, sujeitando-os embora a uma estrita
vigilância e controlo ou reduzindo-os. Não passa por uma proibição ou
paralisação do desenvolvimento de determinadas actividades ou processos. Pode
suceder que o risco resida não no desenvolvimento de uma determinada actividade
ou na utilização de uma substância mas antes na sua admissibilidade genérica ou
uso excessivo. Nestes casos, a melhor opção reside numa gestão global do risco,
limitando o acesso à actividade ou reduzindo o uso aos limites razoáveis. A
ausência de uma ponderação dos diversos riscos associados a uma opção de
permissão ou proibição pode revelar-se desastrosa.
A recusa de uma autorização ou interdição do uso
de uma determinada substância ou técnica deve decorrer de uma ponderação da
aceitabilidade do risco em cada caso concreto e não de uma abstracta invocação
do princípio da precaução. Sempre que exista uma dúvida suficientemente fundada
sobre a gravidade ou irreparabilidade de um determinado risco inaceitável,
justifica-se a regra da abstenção. Todavia, na generalidade dos casos, apenas
estará em causa a adopção de medidas dirigidas à sua redução a um nível tido
como aceitável.
Coloca-se a questão de saber se o princípio da
precaução impõe que se parta do “cenário pior”, isto é, a hipótese mais negra
de riscos para o ambiente. A resposta deve ser negativa, devendo ponderar-se
todas as hipóteses.
6. O
Princípio do Poluidor pagador
Os três princípios fundamentais em matéria da
tutela privada do ambiente são os seguintes:
a)
Princípio da prevenção;
b)
Princípio da precaução;
c)
Princípio do poluidor pagador (doravante, PPP)
Este último princípio
encontra-se previsto no art. 3 da Lei de Bases do Ambiente e no art. 66º/2h da
CRP.
"[...] sendo o
poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos
daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente".
Em sentido amplo, este princípio consiste na
imputação ao poluidor das despesas inerentes ao combate e prevenção da poluição
e na responsabilidade do poluidor pelos danos ecológicos a que der causa. Não
obstante, este princípio apresenta também um sentido restrito, tendo em vista
onerar o poluidor em função da poluição que ele produz.
O PPP pretende realizar a precaução e a prevenção dos danos ao ambiente e a justiça na
redistribuição dos custos das medidas públicas de luta contra a degradação do
ambiente. De facto, as despesas de combate e prevenção da poluição são um
encargo do poluidor e não do Estado.
O PPP actua antes e independentemente dos danos
ao ambiente terem ocorrido.
Por força deste princípio, os poluidores têm de
optar: ou deixam de poluir, ou então terão de suportar um custo económico em
favor do Estado.
Ao imputar os custos ligados à protecção do
ambiente, incentiva-se à redução da poluição a um nível considerado razoável.
Se ainda assim não se obtiver uma redução da poluição, deverá ser elevado o
valor dos pagamentos a efectuar pelo poluidor de forma a modificar o seu
comportamento.
No final, ou deixa de haver poluição, ou esta
passa a ter um grau aceitável. Por outro lado, serão criados fundos pelos poluidores,
cujas verbas, a favor do Estado, servirão para combater a poluição e os danos
ambientais.
A “questão ambiental” tem um verso e um reverso:
a acção do Homem sobre os recursos naturais gera e multiplica riscos de destruição
global, mas também gera e multiplica fontes de rendimento, postos de emprego,
vias de desenvolvimento económico. Não se podendo por termo às intervenções
humanas sobre a Natureza, é preciso ponderar as consequências de cada uma
delas, prevenindo danos e prevendo a eclosão de riscos.
Em cada caso concreto deverá ser realizada uma
avaliação de custo-benefício, atentando no princípio da proporcionalidade.
Note-se todavia que esta ponderação de interesses é bastante sensível na medida
em que as vantagens obtidas com a adopção de medidas de precaução (diminuição
ou neutralização de um dano grave e irreparável para o meio ambiente) são
incertas, devido à falta de certeza científica. Por outro lado, o princípio da
precaução exige que se tenham em consideração uma multiplicidade de interesses
antagónicos, bem como os interesses das futuras gerações. Todavia, estas
dificuldades têm de ser assumidas pelos agentes decisores.
Um dos comandos do princípio da precaução
traduz-se numa preferência por um modelo de decisão flexível: as decisões devem
ser marcadas pela revisibilidade e reversibilidade.
Deve ser dada prevalência ao “princípio da
prognose negativa sobre a prognose positiva”. Se a irreversibilidade e a
gravidade de uma situação for temida, designadamente, por subsistirem dúvidas
significativas quanto à produção de danos ambientais, não se devem correr
riscos, dando-se prioridade à protecção ambiental. Quando os argumentos a favor
e contra um determinado projecto se revelarem igualmente fortes, o conflito de
interesses económicos com interesses ambientais deve ser decidido em prol do
ambiente (in dubio contra projectum)
É nítido o acolhimento constitucional do
princípio da prevenção no domínio do ambiente, nos termos do art. 66º/2a. Já o
princípio da precaução não encontra
assento explícito na Lei Fundamental, não significando que este princípio
não deva ser observado pelas autoridades públicas, os agentes económicos e os
cidadãos em geral. A Constituição acolhe diversas concretizações do princípio
da precaução e consagra a protecção do ambiente como uma incumbência do Estado
e um direito e dever dos cidadãos.
A integração do ambiente no mundo jurídico
determina radicais alterações de comportamento, quer da parte dos poderes
públicos, quer dos cidadãos em geral. Sendo a protecção ambiental um objectivo
do Estado de Ambiente, ela deve ser levada a cabo através da colaboração com
todos os actores sociais, numa lógica de persuasão e não de imposição.
O princípio do poluidor pagador tem uma
importância fundamental ao nível da protecção do ambiente. Assim, os poluidores
terão uma de duas opções:
a) Ou deixam de poluir;
b) Ou terão de pagar uma quantia pecuniária ao
Estado.
Nota: a poluição até um determinado nível é
considerada razoável e aceitável, só a partir de determinado patamar é que
deixa de ser aceitável.
Este princípio permitirá uma redução gradual
da poluição até um nível considerado aceitável.
É necessário ter em conta que apesar
da importância do princípio da precaução, este princípio, como qualquer outro, não pode ser visto de forma absoluta.
Caso assim não se entendesse, daí adviriam inúmeras desvantagens analisadas supra, maxime a cristalização dos progressos tecnológicos. Será
fundamental ponderar os diversos interesses em jogo em cada situação em
concreto e ver quais deverão prevalecer.
O princípio da precaução constitui uma aquisição
relativamente recente que se encontra, em larga medida, ainda em fase de construção. É um princípio
aberto e sujeito a um aperfeiçoamento permanente. A questão ambiental é maior
que o tempo da nossa vida, é um desafio ao nível da alteração dos padrões de
comportamento, que passa pela instituição de uma lógica de prudência.
8.Referências bibliográficas
SOROMENHO-MARQUES, Viriato, O Futuro frágil: os desafios da crise
global do ambiente, Lisboa, 1998
GOMES, Carla Amado,
A Prevenção à prova no direito do ambiente: em especial, os actos autorizativos
ambientais, Coimbra Editora 2000
MARTINS GOUVEIA,
Ana, Aproximação ao conceito e fundamento do princípio da precaução.
PEREIRA DA SILVA,
Vasco - Verde Cor de Direito: Lições de Direito do Ambiente - Almedina 2ª
Edição 2002
VIEIRA INSUMBO,
Julião, A tutela privada do ambiente
CONDE MIRANDA,
Beatriz, Princípio da precaução e do poluidor pagador
CRUZ SANTOS,
Cláudia Maria, Introdução ao direito do ambiente
SIRVINSKAS, Luís
Paulo, Manual de Direito ambiental 2012
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