domingo, 20 de maio de 2012

In dubio pro ambiente






 



In dubio pro ambiente

Natacha Carvalho Soares nº 18330
4º ano subturma 8
18 de Maio de 2012




Índice



       1. Prefácio……………………………………………….…p. 3 a 4



       2. O risco……………………………………................….p. 5 a 7



       3. O significado do princípio da precaução………..…p. 8



        4. Distinção entre o princípio da prevenção e o princípio da precaução……………………………………………………..p. 9 a 10



       5. O princípio da precaução não é absoluto……….p. 11 a 12



       6. A ponderação dos riscos na tomada de decisões…….p. 13



  7. O princípio do poluidor pagador......................................p. 14



       8. Considerações finais…………………………………….p. 15 a 16



       9. Referências Bibliográficas……………………………....p. 17








 1.Prefácio



"Better safe than sorry", ou é melhor prevenir que remediar. Assim se inicia uma pluralidade de textos sobre o princípio da precaução. Este princípio é um dos mais recentes do Direito do Ambiente e leva a protecção do ambiente mais longe do que qualquer outro.

A lógica da precaução tem raízes no Direito germânico da década de 1970, depressa se tendo disseminado por diversos ordenamentos jurídicos em virtude de fenómenos tais como: os derrames de petróleo, as explosões em instalações industriais, as chuvas ácidas e a desertificação dos solos, que convocaram a atenção dos cidadãos, das empresas e dos poderes públicos para a gravidade dos seus efeitos e a necessidade de os prevenir e minorar.

A emergência deste princípio deu-se quando se tornou evidente a inadequação das medidas do Direito Administrativo, que intervinham apenas quando o perigo era manifesto ou o dano já se tinha produzido.

Precaução deriva do termo alemão “Vorsorgeprinzip”, significando cautela, cuidado prévio, preocupar-se de antemão, cuidar de, afligir-se, preocupar-se e inquietar-se.

Este princípio incorpora uma regra de bom senso, visando satisfazer um imperativo de ordem racional, filosófica, social e política: a gestão e controlo precoce dos riscos ambientais.

Os riscos são inerentes à complexificação da realidade social. Citando Gomes Canotilho: “a sociedade actual move-se no reino da incerteza”. A ciência é fonte de mais dúvidas do que certezas. Uma multiplicidade de acontecimentos despertaram a humanidade para os perigos do progresso económico e tecnológico: alterações climáticas, chuvas ácidas, acidentes industriais. Assiste-se a uma transformação da sociedade industrial em “sociedade de risco”.

No presente trabalho, defende-se a superação do direito à reparação pelo dever de preservação. A ideia de responsabilidade pelos actos praticados deve ser substituída por uma responsabilidade vocacionada para a prevenção de novos impactos e para o controlo dos riscos ecológicos.

O imperativo categórico aplicado ao ambiente pode ter a seguinte formulação: “ Age de tal forma que os efeitos da tua acção sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a Terra”. O agente decisor deve praticar o método heurístico do receio, que passa por antecipar a ameaça e o perigo de produção de danos graves ou irreversíveis para poder determinar e avaliar os riscos que devem ser tidos como aceitáveis.

O princípio da precaução é assumido como uma base conceptual e legal para a implementação de uma política ambiental proactiva, assente em objectivos ambiciosos.




2.O risco



A tomada de consciência relativamente ao risco ecológico justifica-se pela protecção de que o bem jurídico ambiente tem vindo a ser sujeito por parte dos Estados, especialmente desde a década de 70 do século XX. O risco foi, desde sempre, associado ao desconhecimento. Os navegadores portugueses e espanhóis utilizaram este conceito para caracterizar as suas viagens por mares "nunca dantes navegados".

Viriato Soromenho-Marques, referindo-se à crise do ambiente, definiu o presente, muito sugestivamente, como um “presente frágil”. Esse presente frágil é o da sociedade de risco.

A denominação "sociedade de risco" é atribuída a Ulrich Beck na sua obra Risikogesellschaft: Auf dem Weg in eine andere Moderne, tendo como traço específico a geração de riscos que não podem ser controlados e ou conhecidos de forma satisfatória. A era da globalização, ao mesmo tempo que trouxe um progresso sem precedentes às ciências que estudam a natureza, originou novos problemas para o meio ambiente. Beck, nos seus estudos, coloca em relevo os riscos imprevisíveis provocados pelo desenvolvimento técnico-industrial. O Homem, através da acção sobre os recursos naturais, transformou de tal modo o planeta que perdeu o controlo do progresso, criando um risco de destruição total. “ O aumento das opções técnicas acarreta a incalculabilidade das suas consequências”, escreve Beck. Na sociedade de risco, os efeitos desconhecidos e inesperados passaram a preponderar e a reclamar toda a atenção.

O conhecimento humano é falível e, portanto, não se pode esperar que um estudo científico providencie a certeza de um risco zero. Já em 1934, Karl Popper desqualificou a certeza das verdades científicas, na medida em que a qualidade de uma teoria é aferida pela sua capacidade de resistir aos sucessivos testes, o que não permite uma certeza (absoluta), mas apenas uma aceitação provisória da formulação explicativa da realidade contida na teoria. Por conseguinte, a ausência de certeza científica implica a realização de sucessivos estudos, de pesquisas, métodos, técnicas de análise e gestão dos riscos envolvidos, já que o conhecimento humano, ainda que científico, não é dotado de certeza, sendo provisório por natureza.

O risco não conhece fronteiras, não conhece destinatários e não conhece limites. A multiplicação de riscos, em virtude da acção desreguladora do homem sobre a natureza, causa um verdadeiro ciclo vicioso. E o “efeito bola de neve” torna-se tanto mais assustador quanto se considere a irreversibilidade de alguns dos danos causados. Se a incerteza e a ignorância sempre caracterizaram o conhecimento humano, a verdade é que hoje constituem o paradigma e o elemento estruturante da sociedade.

O conceito de risco distingue-se do conceito de perigo. Alguns autores propugnam um critério quantitativo na delimitação dos conceitos: o risco seria um género e o perigo uma sua espécie, situando-se a fronteira na previsibilidade. O risco seria um perigo pressentido, mas não comprovado; ao passo que o perigo seria um risco de altíssima probabilidade. O perigo pressupõe o conhecimento, com base num juízo de prognose ou nos dados da experiência, de que uma certa acção causa, provavelmente, um dano a um bem jurídico, devendo existir, portanto, uma demonstrabilidade do nexo causal entre o facto e a lesão. Enquanto o perigo constitui uma ameaça concreta à existência ou segurança de uma pessoa ou de uma coisa, assente numa probabilidade relevante de ocorrência, o risco é um perigo eventual, mais ou menos previsível, em que não existe ou não é conhecida uma probabilidade significativa de ocorrência da lesão. Enquanto o perigo tem causas naturais, o risco não as tem.

O risco ambiental traduz a ameaça de degradação ou destruição, grave ou irreversível, de bens ambientais naturais, isto é, há risco quando estiver em causa a subsistência de um bem natural ou a sua capacidade de regeneração.

Mas o que se deve entender por dano grave e irreversível?

O dano grave será sempre resultado de uma ponderação, de uma relativização de interesses. Quanto à noção de irreversibilidade, se interpretada num sentido ecológico, significa a impossibilidade física de devolver ao bem natural a sua existência ou capacidade regenerativa. Se o termo "irreversibilidade" for visto numa óptica económica, entende-se que o dano ambiental pode ser dispendioso pelo que mais vale prevenir do que ser responsabilizado. E irreversibilidade será um estado ou um processo? O princípio do desenvolvimento sustentável responde à questão: a irreversibilidade deve ser perspectivada num horizonte transgeracional.

O risco ecológico caracteriza-se por ser:

a) Quanto ao objecto: um fenómeno que afecta a existência ou a capacidade regenerativa de um bem natural ou de um conjunto de bens naturais;

b) No que respeita à causa: o risco pode ser natural, ou seja, verifica-se independentemente do concurso da vontade humana, sendo as suas causas estritamente recondutíveis a fenómenos naturais, ou risco antrópico, quando se deve a uma acção ou omissão humana, voluntária ou involuntária, consciente ou inconsciente do resultado;

c) Relativamente ao modo: o risco caracteriza-se por ser uma figura de verificação e ou intensidade imprevisíveis, tendo em conta os dados da experiência e os conhecimentos técnico-científicos geralmente aceites.

Sem prejuízo do princípio da precaução, como se deverá avaliar, prevenir e lidar com os riscos?

- O procedimento de avaliação de impacto ambiental (DL 69/2000 de 3 de Maio)

Consiste num procedimento administrativo que garante que, antes da autorização de um projecto, os seus potenciais impactos significativos sobre o ambiente serão satisfatoriamente avaliados e tidos em conta. Esta avaliação reúne, num triângulo de interesses contrapostos, o dono da obra, as autoridades públicas e o público em geral. O procedimento permite o aperfeiçoamento do processo de decisão dos poderes públicos com vista à prevenção da poluição e à protecção da fauna, flora, solo, água, ar, clima e paisagem dos bens naturais e do património cultural. A avaliação do risco traduz-se na identificação dos factores de incerteza e na elaboração de um juízo de prognose sobre a sua possível evolução;

- Princípio da Participação

Se é necessário prevenir os atentados ambientais e garantir que os seus causadores são responsabilizados, é essencial permitir que os cidadãos possam ser ouvidos na formulação e execução da política de ambiente. Esta participação permitirá à autoridade decisora incorporar na decisão elementos cuja relevância lhe poderia passar desapercebida, bem como desconsiderar elementos irrelevantes;

- Princípio da proporcionalidade, arts. 266º/2 CRP e 5º/2 CPA.

A sua tripla vertente de necessidade, adequação e proibição do excesso confere-lhe a flexibilização ideal para lidar com situações em que a validade última da decisão se traduz num equilíbrio de interesses;

- Princípio da fundamentação

Quanto maior for a incerteza e a imprevisibilidade, maior será o cuidado que a entidade decisora deve colocar na explanação do processo de decisão que a levou a adoptar tal medida;

- Princípio da Supervisão

Encontramo-nos perante uma situação de contornos sempre incertos, facto que exige das autoridades uma atenção constante e um esforço de acompanhamento.

O risco é uma presença permanente na generalidade das actividades humanas, por acção do homem ou dos elementos naturais, pelo que deve ser encarado como um incentivo para a sua análise, prevenção e, quando possível, eliminação.

A era da globalização, ao mesmo tempo que trouxe desmedido progresso às ciências que estudam a natureza, acarreta problemas para o meio ambiente. A "sociedade de risco", que apresenta matizes de imprevisibilidade, incerteza e desconhecimento, é a responsável pela génese da ideia de precaução. Para Patrick de Araújo Ayala, a sociedade de risco é aquela em que é complexa a tarefa de apresentar soluções adequadas para o conflito entre o desenvolvimento tecnológico e a obrigação de estabelecer limites à própria capacidade de intervenção sobre o meio ambiente. E citando Beck: " O aumento das opções técnicas acarreta a incalculabilidade das suas consequências".



3.O significado do princípio da precaução
 

O princípio da precaução traduz-se na ideia de que o ambiente deve ter o benefício da dúvida quando haja incerteza, por falta de provas científicas, sobre o nexo causal entre uma actividade e um determinado fenómeno de poluição ou degradação ambiental. O princípio da precaução, em termos substanciais, traduzir-se-ia numa prevenção qualificada, agravada, que jogaria sempre, na ausência de certeza científica, a favor do ambiente. Por conseguinte, é possível falar-se a este propósito de uma espécie de "princípio in dubio pro ambiente" ou “in dubio contra projectum”, ou seja, na dúvida sobre a perigosidade de uma certa actividade para o ambiente, decide-se a favor do ambiente e contra o potencial poluidor. A aplicação deste princípio determina uma relevante concretização adjectiva: o ónus da prova da inocuidade de uma acção com efeitos ambientais é transferido do Estado para os potenciais poluidores, uma vez que pretendem alterar o status quo ambiental.

Note-se, todavia, que não é possível apresentar uma definição rigorosa do princípio da precaução, uma vez que, se cada Estado é simultaneamente "legislador, administrador e julgador" deste princípio, o seu conteúdo é moldável de lugar para lugar e de projecto para projecto.

São quatro os seus postulados:

Detecção atempada dos perigos, para tanto sendo necessário promover e incentivar a pesquisa e a investigação científica;

Face à ameaça de danos irreversíveis, a ausência de provas científicas conclusivas não pode constituir argumento para adiar a adopção de medidas adequadas a controlar os riscos de dano ambiental;

Promoção do desenvolvimento tecnológico e incentivo à criação de novos processos técnicos aptos a reduzir ou eliminar os níveis de descarga de poluentes;

Constitui incumbência do Estado promover a introdução de processos e tecnologias mais limpas no sector privado.



Earll entende que o princípio da precaução, na sua essência, não é fruto de reflexões científicas, mas sim de preocupações práticas e prementes relativamente ao aumento assustador dos níveis de poluição.




         4. Distinção entre princípio da prevenção e o princípio da precaução


O princípio da prevenção encontra-se expressamente previsto no art. 66/2a da CRP:

"para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado [...] prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão"

A vigência do princípio da precaução (enquanto princípio autónomo) não é líquida na doutrina. Alguns autores entendem que consiste num princípio autónomo, ao passo que outros reconduzem-no ainda ao princípio da prevenção em sentido amplo. Citando o Professor Vasco Pereira da Silva: "preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autónomos é a construção de uma noção ampla de prevenção". Em defesa da sua posição, o Prof. Vasco Pereira da Silva apresenta os seguintes argumentos:

1- A natureza linguística: a distinção entre prevenção e precaução parece traduzir-se numa identidade vocabular;

2- O conteúdo material: os critérios de distinção das figuras em apreço são dúbios, e muito mais os resultados a que conduz a autonomização da precaução. Não é fácil distinguir a prevenção em função dos "perigos" e a precaução em função dos "riscos" provocados por acções humanas, na medida em que os danos ambientais são resultado de uma cumulação de causas em que é praticamente impossível distinguir com rigor factos naturais de comportamentos humanos.

3- A técnica jurídica: a CRP eleva a prevenção à categoria de princípio constitucional, ao passo que a precaução não está expressamente prevista. Uma noção ampla de prevenção parece ser a mais adequada para assegurar a "melhor tutela disponível" dos valores ambientais.



David Freestone propõe a seguinte distinção entre Prevenção e Precaução: " Enquanto a prevenção requer que os perigos comprovados sejam eliminados, o Princípio da Precaução determina que a acção para eliminar possíveis impactos danosos no ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com uma evidência científica absoluta". A pedra de toque da diferenciação entre os princípios em análise reside na extensão da atitude cautelar a riscos. Enquanto a prevenção lida com a mera probabilidade, a precaução ultrapassa-a, cobrindo a mera possibilidade e mesmo a descoberto de qualquer base científica.

No presente trabalho sigo o entendimento de que o princípio da precaução deve ser analisado como um princípio autónomo, que se distingue, consequentemente, do conceito de prevenção. Reconheço, todavia, que o princípio da precaução é ainda um princípio "verde", em fase de construção, exigindo a necessidade do seu aprofundamento científico.




4.O princípio da precaução não é absoluto



A dúvida sobre a perigosidade de uma acção para o ambiente pode decorrer das seguintes circunstâncias:

- Ainda não se verificaram quaisquer danos decorrentes dessa actividade, mas receia-se, apesar da falta de dados científicos, que possam vir a ocorrer;

- Havendo já danos provocados, não há conhecimento científico de qual é a causa que está na origem dos danos;

- Ou ainda, apesar de haver danos, não há evidência científica da existência de nexo de causalidade entre a causa hipotética e os danos.

Nestes casos, o princípio da precaução determina que, por motivos de segurança, as actividades suspeitas de terem provocado um dano, ou de poderem vir a provocá-lo, sejam interditas.

A precaução, se interpretada num sentido radical, pode apresentar graves inconvenientes de ordem tecnológica, científica, jurídica, política, sociológica, económica e ecológica, como por exemplo os seguintes:

- Decidir uma questão a favor do ambiente é resolvê-la contra as expectativas de largas camadas de população;

- Os Estados podem ver restringidos os seus poderes soberanos de disposição e utilização dos recursos naturais;

- O crescimento industrial, pecuário ou agrícola paralisa-se sem fundamentos científicos credíveis;

- O progresso científico estagna;

- O efeito lesivo não é absolutamente comprovável, devendo a convicção do juiz colocar-se para além de uma dúvida razoável.

O princípio da precaução, em toda a sua radicalidade e numa perspectiva maximalista, não é operativo, podendo conduzir à paralisia e mesmo à regressão.

Para evitar estes efeitos nocivos é necessário proceder a uma adopção de razoáveis medidas de cautela, tais como: consagração dos deveres de informação, periódica revisibilidade de dados científicos, adopção de medidas preventivas aos deveres de comunicação de acidentes, etc.. É importante reconhecer a precaução como um princípio de acção e não somente de abstenção. Como qualquer princípio, a ideia de precaução não é absoluta e a sua aplicação depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a ameaça tem de ser sensível, isto é, perceptível ou apreciável; e o dano deve qualificar-se como sério (importância ou gravidade do dano possível) ou irreversível (inviabilidade de recuperação do meio ambiente ou do bem atingido).



O ambiente pode ser considerado como valor constitucional prevalecente mas deve ser conciliado com outros valores e direitos constitucionalmente acolhidos. É verdade que a Lei Fundamental acolhe o objectivo da protecção do meio ambiente, mas esse é apenas um entre vários outros objectivos constitucionalmente sediados. Estou a pensar, especialmente, nos objectivos ligados ao desenvolvimento económico. Se por um lado temos um desejo de preservação dos recursos naturais numa lógica de solidariedade intergeracional, prevenindo a poluição e salvaguardando a sua integridade e capacidade auto-regenerativa, por outro lado, o Estado aposta no desenvolvimento tecnológico, em políticas de pleno emprego, confia na iniciativa individual e empresarial, apoia os agricultores e os industriais.

 É crucial agir, prevenindo.





5.A ponderação de riscos na tomada de decisões


São de afastar posições extremas que vêem no princípio da precaução um imperativo sistemático de abstenção, como uma exigência irrealista de risco zero. Na verdade, este princípio visa a implementação de uma cultura e gestão proactiva do risco, assente na identificação dos riscos, na avaliação da sua gravidade e probabilidade de ocorrência e na delimitação daqueles que são aceitáveis, atendendo aos benefícios que advêm da actividade que está na sua origem, sujeitando-os embora a uma estrita vigilância e controlo ou reduzindo-os. Não passa por uma proibição ou paralisação do desenvolvimento de determinadas actividades ou processos. Pode suceder que o risco resida não no desenvolvimento de uma determinada actividade ou na utilização de uma substância mas antes na sua admissibilidade genérica ou uso excessivo. Nestes casos, a melhor opção reside numa gestão global do risco, limitando o acesso à actividade ou reduzindo o uso aos limites razoáveis. A ausência de uma ponderação dos diversos riscos associados a uma opção de permissão ou proibição pode revelar-se desastrosa.

A recusa de uma autorização ou interdição do uso de uma determinada substância ou técnica deve decorrer de uma ponderação da aceitabilidade do risco em cada caso concreto e não de uma abstracta invocação do princípio da precaução. Sempre que exista uma dúvida suficientemente fundada sobre a gravidade ou irreparabilidade de um determinado risco inaceitável, justifica-se a regra da abstenção. Todavia, na generalidade dos casos, apenas estará em causa a adopção de medidas dirigidas à sua redução a um nível tido como aceitável.

Coloca-se a questão de saber se o princípio da precaução impõe que se parta do “cenário pior”, isto é, a hipótese mais negra de riscos para o ambiente. A resposta deve ser negativa, devendo ponderar-se todas as hipóteses.




6. O Princípio do Poluidor pagador



Os três princípios fundamentais em matéria da tutela privada do ambiente são os seguintes:

a) Princípio da prevenção;

b) Princípio da precaução;

c) Princípio do poluidor pagador (doravante, PPP)

Este último princípio encontra-se previsto no art. 3 da Lei de Bases do Ambiente e no art. 66º/2h da CRP.

"[...] sendo o poluidor obrigado a corrigir ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe sendo permitido continuar a acção poluente".

Em sentido amplo, este princípio consiste na imputação ao poluidor das despesas inerentes ao combate e prevenção da poluição e na responsabilidade do poluidor pelos danos ecológicos a que der causa. Não obstante, este princípio apresenta também um sentido restrito, tendo em vista onerar o poluidor em função da poluição que ele produz. 

O PPP pretende realizar a precaução e a prevenção dos danos ao ambiente e a justiça na redistribuição dos custos das medidas públicas de luta contra a degradação do ambiente. De facto, as despesas de combate e prevenção da poluição são um encargo do poluidor e não do Estado.

O PPP actua antes e independentemente dos danos ao ambiente terem ocorrido.

Por força deste princípio, os poluidores têm de optar: ou deixam de poluir, ou então terão de suportar um custo económico em favor do Estado.

Ao imputar os custos ligados à protecção do ambiente, incentiva-se à redução da poluição a um nível considerado razoável. Se ainda assim não se obtiver uma redução da poluição, deverá ser elevado o valor dos pagamentos a efectuar pelo poluidor de forma a modificar o seu comportamento.

No final, ou deixa de haver poluição, ou esta passa a ter um grau aceitável. Por outro lado, serão criados fundos pelos poluidores, cujas verbas, a favor do Estado, servirão para combater a poluição e os danos ambientais.



7.Considerações finais


A “questão ambiental” tem um verso e um reverso: a acção do Homem sobre os recursos naturais gera e multiplica riscos de destruição global, mas também gera e multiplica fontes de rendimento, postos de emprego, vias de desenvolvimento económico. Não se podendo por termo às intervenções humanas sobre a Natureza, é preciso ponderar as consequências de cada uma delas, prevenindo danos e prevendo a eclosão de riscos.

Em cada caso concreto deverá ser realizada uma avaliação de custo-benefício, atentando no princípio da proporcionalidade. Note-se todavia que esta ponderação de interesses é bastante sensível na medida em que as vantagens obtidas com a adopção de medidas de precaução (diminuição ou neutralização de um dano grave e irreparável para o meio ambiente) são incertas, devido à falta de certeza científica. Por outro lado, o princípio da precaução exige que se tenham em consideração uma multiplicidade de interesses antagónicos, bem como os interesses das futuras gerações. Todavia, estas dificuldades têm de ser assumidas pelos agentes decisores.

Um dos comandos do princípio da precaução traduz-se numa preferência por um modelo de decisão flexível: as decisões devem ser marcadas pela revisibilidade e reversibilidade.

Deve ser dada prevalência ao “princípio da prognose negativa sobre a prognose positiva”. Se a irreversibilidade e a gravidade de uma situação for temida, designadamente, por subsistirem dúvidas significativas quanto à produção de danos ambientais, não se devem correr riscos, dando-se prioridade à protecção ambiental. Quando os argumentos a favor e contra um determinado projecto se revelarem igualmente fortes, o conflito de interesses económicos com interesses ambientais deve ser decidido em prol do ambiente (in dubio contra projectum)

É nítido o acolhimento constitucional do princípio da prevenção no domínio do ambiente, nos termos do art. 66º/2a. Já o princípio da precaução não encontra assento explícito na Lei Fundamental, não significando que este princípio não deva ser observado pelas autoridades públicas, os agentes económicos e os cidadãos em geral. A Constituição acolhe diversas concretizações do princípio da precaução e consagra a protecção do ambiente como uma incumbência do Estado e um direito e dever dos cidadãos.

A integração do ambiente no mundo jurídico determina radicais alterações de comportamento, quer da parte dos poderes públicos, quer dos cidadãos em geral. Sendo a protecção ambiental um objectivo do Estado de Ambiente, ela deve ser levada a cabo através da colaboração com todos os actores sociais, numa lógica de persuasão e não de imposição.

O princípio do poluidor pagador tem uma importância fundamental ao nível da protecção do ambiente. Assim, os poluidores terão uma de duas opções:

a)      Ou deixam de poluir;

b)      Ou terão de pagar uma quantia pecuniária ao Estado.

Nota: a poluição até um determinado nível é considerada razoável e aceitável, só a partir de determinado patamar é que deixa de ser aceitável.

Este princípio permitirá uma redução gradual da poluição até um nível considerado aceitável.

É necessário ter em conta que apesar da importância do princípio da precaução, este princípio, como qualquer outro, não pode ser visto de forma absoluta. Caso assim não se entendesse, daí adviriam inúmeras desvantagens analisadas supra, maxime a cristalização dos progressos tecnológicos. Será fundamental ponderar os diversos interesses em jogo em cada situação em concreto e ver quais deverão prevalecer.

O princípio da precaução constitui uma aquisição relativamente recente que se encontra, em larga medida, ainda em fase de construção. É um princípio aberto e sujeito a um aperfeiçoamento permanente. A questão ambiental é maior que o tempo da nossa vida, é um desafio ao nível da alteração dos padrões de comportamento, que passa pela instituição de uma lógica de prudência.




8.Referências bibliográficas



SOROMENHO-MARQUES, Viriato, O Futuro frágil: os desafios da crise global do ambiente, Lisboa, 1998

GOMES, Carla Amado, A Prevenção à prova no direito do ambiente: em especial, os actos autorizativos ambientais, Coimbra Editora 2000

MARTINS GOUVEIA, Ana, Aproximação ao conceito e fundamento do princípio da precaução.

PEREIRA DA SILVA, Vasco - Verde Cor de Direito: Lições de Direito do Ambiente - Almedina 2ª Edição 2002

VIEIRA INSUMBO, Julião, A tutela privada do ambiente

CONDE MIRANDA, Beatriz, Princípio da precaução e do poluidor pagador

CRUZ SANTOS, Cláudia Maria, Introdução ao direito do ambiente

SIRVINSKAS, Luís Paulo, Manual de Direito ambiental 2012

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