domingo, 20 de maio de 2012

O Direito do Ambiente e políticas públicas na energia A TUTELA PRIVADA DO AMBIENTE


O Direito do Ambiente e políticas públicas na energia


A TUTELA PRIVADA DO AMBIENTE










Trabalho Realizado por:

Diogo Miguel do Carmo
Aluno n.º 17786

Índice




1.     Introdução.................................................................................................3


2.     Tutela dos bens jurídicos ambientais…………………………………………………     ………...5


3.     A perspectiva colectiva do direito ambiental..................................................................................................7


4.     O Direito Civil e a tutela individual do bem ambiental……………............................................................................10


5.     A tutela dos bens ambientais: entre a esfera individual e a colectiva.................................................................................................13


6.     Conclusão…….......................................................................................16


7.     Bibliografia……………………………………………………………18






1. Introdução


Público ou privado. Colectivo ou individual. Objectivo ou subjectivo. As querelas da relação do homem com o seu meio nunca suscitaram tantas controvérsias como o actualíssimo debate sobre o ambiente e os seus efeitos. Ao exemplo de outros campos da ciência, a epistemologia ambiental provoca os cientistas a repensar os dogmas sobre os quais construíram os fundamentos da ciência moderna. O empirismo metodológico, que colocava sujeito e objecto em posições equidistantes de observação, já não basta para dar cabo de todas as dúvidas pela dogmática ambiental.
Num plano de maior abstracção ideológica, o âmago deste debate é a relação entre o indivíduo e o Estado, ou seja, quem na óptica da dogmática jurídica é o legitimo sujeito activo para fazer valer um direito ao ambiente, se é que este direito realmente existe. Ou então, analisar em determinadas situação quem detém maior parcela desta legitimidade.
A Constituição da República Portuguesa coloca o Estado e o indivíduo no mesmo plano jurídico, e assegura direitos e deveres de ambas as partes para promover a tutela do ambiente. Resultado deste tecido normativo constitucional, pode-se afirmar que problematizar sobre a tutela dos bens ambientais, não projecta apenas formulações linguísticas ou construções teóricas desligadas do tecido social. Estão em causa – como restará demonstrando – as linhas de confluência do pensamento civilístico puro e da juspublicística ambiental, que não obstante suscitarem intensos confrontos ideológicos, têm implicações directas na ordem prática do direito do ambiente.
Necessário referir que, para submeter ao debate do direito ambiental as duas maiores divisões (público/colectivo e privado/individual) do sistema jurídico de origem românica, foi imprescindível um rigoroso exercício de cautela, para que o recorte do objecto de pesquisa pudesse caber no formato do presente trabalho, sem resultar num labirinto de conceptualizações que não aguardam sintonia nem mesmo dentro das suas respectivas divisões sistémicas.
A problemática apresenta-se assim definida: pode a tutela privada do ambiente sobrepor-se à tutela colectiva de um bem difuso? Estará o direito civil apto para albergar a dinâmica dos bens ambientais sem colidir com diversos interesses públicos e colectivos? O bem ambiental insusceptível de apropriação individual pode ser tutelado por mecanismos privados?
Ao navegar entre doutrinas publicistas e privatistas procura-se identificar o que afasta e o que une a tutela do bem ambiental, bem como o regime desta mesma tutela privada do ambiente e a justificativa da posição adoptada. Não sem antes considerar as questões de fundo que desafiam o tema proposto. Toca-se então na existência de um direito subjectivo público ao ambiente, bem como sobre o reconhecimento de um direito subjectivo individual ao ambiente sadio e equilibrado. Investiga-se também a intenção constitucional de consagrar este direito num plano hierárquico superior, e também os efeitos desse programa constitucional junto dos direitos civis. Toda essa celeuma não pode ser abordada sem antes fazer uma prévia definição sobre o objecto da tutela do ambiente, e sobre a própria conceitualização do bem ambiental e seu reflexo na protecção de interesses legalmente protegidos.
Em suma, pretende-se formular alguns mecanismos que evitem a colisão de interesses na tutela do bem ambiental, sem, no entanto, esgotar eventuais soluções e contribuições, que por ordem didáctica restaram fora desta breve análise. A conclusão está assente naquilo que o direito material disponibiliza ao jurisdicionado, os seus mecanismos e a sua operacionalidade, bem como sobre a ponderação funcional da tutela do ambiente na sua vertente individual.



















2. Tutela dos bens jurídicos ambientais


Do último quarto do século passado até aos dias de hoje, restou pacífica a promoção do ambiente como objecto de tutela pelo direito. Todos os Estados constitucionais optaram por dar guarida naquilo que se tornou publicamente uma questão sensível à sociedade.
É um bem relativamente novo para a dogmática jurídica, os seus contornos e definições ganharam robustez apenas na segunda metade do século passado. Porém, alguns institutos do direito civil clássico moldam-se às características do bem ambiental. Para a teoria geral do direito, e também para o Código Civil, mais precisamente no artigo 202º, “tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas” são coisas.
Nos dias de hoje, é inegável que o ambiente se tornou objecto de relações jurídicas, ora inter-privados, ora poligonais e/ou colectivas.
Não obstante o ineditismo do tema, surgiram diversas conotações sobre o que é o objecto da tutela ambiental, dividindo os especialistas entre aqueles que adoptam um conceito alargado de bem ambiental, e por outro lado, os que entendem que a tutela do ambiente se deve voltar para os bens naturais “puros”, ou seja, um conceito mais estrito. O conflito reside nestas duas opções: (i) adoptar um conceito ampliado de ambiente, onde se colocam no mesmo plano todas as componentes ambientais conhecidas, edificadas ou não pela acção do homem; (ii) adoptar um conceito estrito, circunscrito aos bens naturais.
Independente desta divisão é o facto incontestável que o bem ambiental tem existência autónoma do sujeito, de característica ascendentemente unitária, o que significa que o ambiente tem vários componentes, mas as suas irradiações na realidade social têm um carácter comum a todas as pessoas. A qualidade do ar, a luz solar, a pureza da água, em grande medida afectam directamente toda a colectividade. Qual a melhor maneira de projectar pretensões jurídicas sobre esse bem?
Para o Prof. Gomes Canotilho, muito embora o bem ambiental tenha dimensões individuais, deve ser sempre visto com bem jurídico da colectividade. Não se olvide que os bens ambientais têm, efectivamente, forte carga de impacto nas relações supra-individuais, e que o ordenamento confere tutela global ao bem ambiental, sem se quedar em pormenores sobre a esfera privada do indivíduo. Por outro lado, está elevado ao mais alto grau de protecção legal a pessoa individual e todas as condicionantes para o seu pleno desenvolvimento, inclusive o ambiente sadio equilibrado de cada pessoa em particular. Em maior abstracção isto significa moldar-se a teoria da tutela geral da personalidade, onde cada indivíduo pode moldar as suas pretensões de acordo com a violação ou ameaça do seu direito de personalidade. Afirmar que o bem ambiental não pode ser apropriado de forma individual, em muitos casos, é cerrar os olhos para o que já existe no mundo dos factos.
Muito se fala sobre a impossibilidade do bem ambiental ser dividido em parcelas individuais, como o ar, a água, o sol, etc. No entanto, tais bens nos dias que correm estão a ser individualizados, comercializados e remetidos como objecto de relações jurídicas inter-privados
A tutela do bem ambiental para a fruição e aproveitamento próprio também é objecto de guarida legal: a iluminação do sol por correspondência ao direito de vizinhança, ao ambiente silencioso por correlação com a protecção do desenvolvimento saudável, a compensação pecuniária por danos e bens ambientais que não tem possibilidade de reconstituição. Ou seja, são incontáveis situações reais que emanam efeitos jurídicos, onde a tutela ambiental deve ser chamada para dar cabo de eventuais contrapesos nas relações jurídicas.
O albergue destas pretensões é, e deve ser, dinâmica. A protecção do bem ambiente por uma pessoa, ou por uma classe delas, ou pelo próprio Estado. Desde que idónea, a tutela cível não afasta a promoção do ambiente como bem individualmente aproveitável, pelo contrário. Basta que as acções sejam coordenadas para que o comando constitucional seja atendido, afastando o conflito de interesses dentro do ordenamento.
Se for certo o objecto do direito do ambiente e a sua respectiva tutela não guarda unanimidade na doutrina, muito menor deve ser o rigor técnico que menospreze a tutela destes bens quando ligados a outros bens da vida, como direito ao pleno desenvolvimento, à saúde e ao bem-estar, por exemplo.
Muito embora o bem ambiental tenha grande parcela de autonomia, existe ampla relação de proximidade entre o comando constitucional do direito ao ambiente na sua versão publicista, como busca da realização dos valores fundamentais do Estado, e a perspectiva subjectiva de tutela deste mesmo bem. Para Figueiredo Dias “Isto será claro para quem entenda o ambiente como bem social unitário, mas dotado de uma dimensão ou vertente personalista”








3. A perspectiva colectiva do direito ambiental


A acção política ambiental antes da década de 70 do século passado era nula ou quase inexistente, reservada a algumas normas urbanistas e sanitárias.
Esta ignorância do Estado Social em relação à temática ambiental era acentuada pela euforia desmesurada do progresso científico e a promoção do consumo como estilo de vida, uma nova era de total ausência de limites materiais. Como se sabe, os referidos factores somados à escassez de recursos ambientais aumentaram o rol das crises da era moderna. A crise ambiental revela a sua faceta num momento em que a sociedade se revolta pela ingerência do Estado como garante dos direitos sociais, momento em que a própria existência da espécie humana é ameaçada.
Toda a convulsão social é o campo da renovação e do recomeço. Nesta conjuntura nasce o que muitos autores chamam Estado pós-social ou Estado de Ambiente, ou seja, um aparato administrativo que lança sobre as questões ambientais uma infinidade de instrumentos, normas e regulamentos, que permitem também ao particular a participação nos procedimentos puramente administrativos ou judiciais para a salvaguarda do ambiente.
Este é o contexto político que movimentou o legislador constituinte a expressar formalmente na Lei Fundamental de 1976 o direito ao ambiente. Após as revisões constitucionais de 1982 e 1989, foi somente em 1987 que a Constituição da República Portuguesa acolhe o princípio da solidariedade intergeracional, acrescentando ao artigo 66º da Carta Constitucional o n.º2, alínea d), onde se observa uma clara preocupação do legislador em garantir às futuras gerações a possibilidade de usufruto e gozo dos recursos ambientais.
Em 1976 a primeira preocupação constitucional era atribuir ao cidadão um direito ao ambiente e à equilibrada qualidade de vida, bem como permitir-lhe, no caso de ameaça ou lesão desse direito, a faculdade de requerer a cessação e a respectiva indemnização à entidade prevaricadora. Alguns autores extraem daí uma eventual subjectivação do direito ao ambiente, justamente na medida em que permite ao particular um direito de defesa do ambiente pelos meios legalmente permitidos, ou até, numa perspectiva de direito subjectivo público, a capacidade de exigir da Administração um dever de executar medidas de salvaguarda em relação ao ambiente.
Contudo, a revisão constitucional de 1997 alargou a protecção do ambiente e trouxe uma novíssima perspectiva de tutela ambiental, ou seja, apresenta uma tutela multidimensional na medida em que consagra um direito ao ambiente de gerações que não têm qualquer capacidade de o requerer no presente. E mais, consagra como dever da actual geração o ónus da preservação dos recursos ambientais para gozo e uso das gerações vindouras.
Mais do que colectivo, o bem ambiental tem projecção transversal no tempo, extrapola a esfera dos indivíduos e limita o direito de propriedade, insere definitivamente um conceito de justiça equitativa na ordem jurídica nacional portuguesa, sobrepondo, ao menos no direito do ambiente, uma visão exclusivamente unilateral da tutela individual, origem do paradigma liberal de protecção jurídica que primava por um conceito de justiça como retribuição das relações entre particulares.
Esta orientação constitucional transforma a Administração Pública, alarga os seus horizontes, reveste-a de novas funcionalidades. Toda a organização administrativa é reordenada, a questão ambiental não permite a actuação de instituições estanques, mas exige um noivo modelo de política e de actuação coordenada, transdisciplinar e distributiva. Contabilizando erros e acertos dos Estados Nacionais, vislumbra-se uma nova era de relações ente públicos e privados em matéria ambiental, a Administração Pública com “a persistência e insistência em valores de solidariedade social e gestão públicas de velhos e novos problemas sociais com o objectivo da segurança social.”
Porém, coexiste ainda no sistema jurídico actual normas de direito privado que fazem valer, ao menos em tese, uma pretensão individual e uma posição de vantagem jurídica em relação à tutela do ambiente. Essa tensão entre público e privado traz no fundo o problema de verificar a operacionalidade dos que defendem a existência de um direito subjectivo ao ambiente, ou, pelo menos, um direito subjectivo público ao ambiente.
É correcto afirmar que os bens ambientais têm existência autónoma do sujeito, porém é impossível afastá-los das relações de vizinhança, da tutela da personalidade e do ressarcimento civil. É justamente neste ponto em que interesses colectivos e particulares podem colidir ao demandar em juízo um bem que é unitário, muitas vezes indivisível e de fruição colectiva. Ou seja, é inegável um carácter externo e colectivo do bem ambiental, que guarda maior proximidade com sistemas legais de carácter geral, indeterminado e universalizante, como o Direito Administrativo.
Até mesmo os autores de matriz privada reconhecem a capacidade do Direito Público manejar com mais eficiência os instrumentos de tutela ambiental. Tal afirmação não é suficiente para afastar as ilações sobre a existência de um direito subjectivo ao ambiente, ou mesmo negar eventuais limites e operacionalidades do conceito. Em contrapartida, provocar o debate sobre o equilíbrio ambiental e a sua protecção em relação à esfera pessoal do indivíduo, revela-se o exercício democrático peculiar do Estado de Direito Ambiental. É comum nas relações jurídico-ambientais o cruzamento de direitos individuais e colectivos, inclusive com incidência directa sobre outros bens constitucionalmente protegidos, como o direito de propriedade.
Esse cruzamento provoca o choque de pretensões típico das relações jurídicas multipolares, tendo em vista que a promoção do ambiente é dever do Estado e direito fundamental do cidadão. Para Figueiredo Dias “para além dos deveres jurídicos objectivos de protecção por parte do Estado que podem implicar colisões com direitos dos indivíduos, pode haver igualmente colisões entre o direito fundamental ao ambiente e outros direitos fundamentais”.
Ocorre que o sistema jurídico deve guardar coerência e transmitir a sensação de segurança e confiança nas suas instituições. Nas relações jurídicas poligonais não se deve preterir o direito subjectivo, mas também não se pode esquecer o carácter difuso que toma qualquer decisão em relação a determinados bem ambientais. É preciso uma ponderação de interesses, sem nunca esquecer que o leque de efeitos jurídicos se destina, primordialmente, aos indivíduos directamente implicados, espalhando-se por todas as posições conexas e secundariamente envolvidas na relação.
























4. O Direito Civil e a tutela individual do bem ambiental


O Direito Civil e os seus instrumentos são construídos para dar conta das relações entre privados, e tem por objectivo fundamental o exercício da liberdade individual, albergando-se no exercício independente de concretização das finalidades autónomas propriamente determinadas.
Em relação ao ambiente três disciplinas do Direito Civil têm relação directa com a tutela ambiental: (i) tutela da personalidade, (ii) responsabilização civil e (iii) relações de vizinhança, que sempre ocuparam lugar de destaque no núcleo civilístico dos sistemas jurídicos de origem romana.
Ocorre que a protecção dos valores ambientais passa a ser poligonal, sobremaneira quando alargado o rol de pessoas directamente implicadas na relação jurídica de cunho ambiental. Neste contexto de inúmeros interessados, a “privatização” do ambiente tem o dever de facultar a tutela ambiental aos particulares, e a todo o cidadão que tenha receio de ofensas, ou efectivo prejuízo, à sua esfera de direitos.
Esta perspectiva civilística deve questionar se os instrumentos colocados pelo ordenamento jurídico são mecanismo eficientes para alcançar o fim que se destinam, ou melhor, traçar uma nova metodologia amparada em institutos clássicos do direito civil, a fim de verificar até que ponto eles são benéficos ou prejudiciais para o desenvolvimento harmónico da tutela de direitos. Como se não bastasse, identificar com precisão os objectos da tutela privada do ambiente é tarefa por demais controversa. O objecto do ambiente e a sua conceituação são motivos de polémica na comunidade jurídica portuguesa e internacional. Se não fosse a sua relevância para definir as balizas jurídicas da temática ambiental, não valeria a pena focar este ponto. Mas dado a proeminência da relação do ambiente com a expectativa dos particulares, e desta com o poder de exigir em juízo um direito próprio ao ambiente, revela-se imperioso encarar esta querela.
Antes mesmo de formular alguma opinião, deve-se trazer à pauta algumas premissas, para então traçar um plano indutivo do que é o objecto do direito privado do ambiente.
Para a tutela privada do ambiente, é indispensável uma abordagem ecológica, ou seja, uma abordagem que abarque os direitos das pessoas de forma integral, ao perfil da tutela geral da personalidade, por exemplo. Esta é a essência do direito privado do ambiente, a nova epistemologia ambiental que propõe uma valoração racional de vários componentes determinantes. O próprio legislador optou por alargar o objecto da tutela.
Caso contrário, qualquer questão ligada umbilicalmente às querelas ambientais, ainda que os seus reflexos se espalhem sobre o direito da saúde, equilibrada e sadia da qualidade de vida, pleno desenvolvimento, sossego e bem-estar, deveriam ser submetidos aos instrumentos públicos de regulamentação.
Todavia esse pensamento compartimentado não atenta mais as necessidades sociais quotidianas. Não sendo palpável a pretensão de dividir os limites em que a tutela requerida pelos indivíduos refere-se ora ao ambiente – como bem em si mesmo – ora aos institutos do Direito Civil clássico como a propriedade, a vizinhança e a personalidade. O objecto da tutela muitas vezes confunde-se na pretensão final levada a juízo.
Seja como for, serão sempre os seres humanos a dar voz às querelas da natureza. Toda a política ambiental, e toda a sistematização normativa, sejam limitações ao direito de poluir ou ao dever de preservação absoluta dos recursos, tem por fim último a manutenção da realização da pacificação social da humanidade, e por consequência imediata a salvaguarda dos interesses humanos.
A sistemática pura do Direito Civil de origem positivista já ruiu após a chegada dos direitos sociais no início do século passado, justamente quando pretendia fundamentar-se num sistema fechado de metodologia jusracionalista. No entanto, é no campo do Direito Privado que o direito subjectivo ao ambiente ganha contornos efectivos, limites concretos e aproveitamento jurídico material. É no fundamento de igualdade e liberdade oriundo do Direito Civil que a tutela ambiental se manifesta, sobretudo na protecção dos interesses individuais. Mais a fundo, Rawls afirma que a base da igualdade está intrinsecamente ligada à ideia de justiça, e esta molda-se aos homens quando estes são capazes de possuir uma concepção do seu bem e capazes de possuir um senso de justiça.
Porém, para que a tutela privada de bens ambientais tenha efectividade, é indispensável que a lesão atinja também aos bens individuais da pessoa (responsabilidade civil), lesão nas condições ambientais da propriedade (deveres de vizinhança) e sustentação das pretensões subjectivas juridicamente relevantes (direito de personalidade). Por isso é que muitas vezes a tutela ambiental não é autonomamente requerida, embora possa sê-la. Em inúmeras oportunidades a protecção do bem ambiente de forma individual dá-se por via reflexa, ao reboque de outros bens jurídicos.
No entanto, esta perspectiva reflexa de tutela ambiental não evita que o direito civil invada o campo ambiental. Inevitavelmente os bens estão interligados, a protecção da propriedade com a emissão de resíduos, o direito à saúde com o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, o direito de ressarcimento no caso de lesões ao património ambiental, etc. A conexão de bens objecto de tutela pelo direito civil, ao contrário de algumas afirmações, somente reforça que o direito privado dever tomar a frente destas iniciativas, e somente o impulso individual tem o condão de estabelecer os limites do que o direito ao ambiente é para cada um dos interessados, nos estritos contornos das relações jurídicas interpessoais.
A perspectiva da tutela individual do ambiente deve afastar o interesse geral e abstracto ao ambiente, não pode existir qualquer lacuna entre o lesante e o prejudicado na relação jurídica travada entre as partes. Só desta forma é que se pode admitir a existência de um direito individual ao ambiente, e concluir que os instrumentos colocados à disposição dos particulares para salvaguardar a sua parcela de direito ambiental, são utilizados de forma coerente com o restante do sistema. Surge, então, o que se pode afirmar um direito subjectivo ao ambiente, na medida em que o titular do uso e gozo de um equilíbrio ambiental pode fazer valer a sua posição de vantagem, por si próprio e na defesa da sua condição humana, para a protecção de um direito constitucionalmente protegido.


















5. A tutela dos bens ambientais: entre a esfera individual e a colectiva  

Existe na doutrina portuguesa uma clara divisão em relação ao objecto do dano ambiental: dano ecológico, quando estamos diante de danos ligados ao ambiente in natura e atingem os recursos naturais puros (ar, água e ar); e danos ambientais, quando se atinge a esfera individual personalista ou patrimonial de qualquer pessoa.
Veja-se que, muito embora a legislação ambiental faça a referência a esta divisão, e muitos defendam a posição de que os danos puramente ecológicos não são passíveis de ressarcimento individual, justamente por não figurar no pólo passivo lesados individuais, a divisão que opta por justificar os seus fundamentos na delimitação do objecto do dano não é suficiente. Veja-se o motivo.
A degradação ambiental, em maior ou menor grau, tem sempre incidência nos bens ambientais, sejam eles os bens puramente ambientais ou extensivamente patrimoniais. Ocorre que, invariavelmente o dano ambiental tem reflexo sobre outros componentes humanos que não os genuinamente naturais. Quando se está perante um dano ambiental há invariavelmente reflexos para a humanidade. A extinção de qualquer espécie, animal ou vegetal, é sem dúvida a verificação de um prejuízo para a biodiversidade, desconsiderando a possibilidade de eventuais descobertas científicas sobre propriedades naturais de determinado elemento. A disposição de resíduos radioactivos em áreas inócuas pode não representar risco para o presente, mas talvez risco para o futuro. Devem ser traçadas novas perspectivas para a tutela do bem ambiental, não somente em relação ao objecto do dano, mas sim, por meio de um exercício de ponderação axiomática que leve em conta inúmeros factores. Isto não implica afirmar, por exemplo, que qualquer particular pode ser titular de uma pretensão reparatória por danos ambientais causados do outro lado do planeta. Seguem algumas pistas para afastar esta tentação e este conflito de interesses juridicamente autónomos.
O primeiro factor que deve ser contabilizado para definir a abrangência da tutela ambiental (individual ou colectiva) deve ser o (1) maior ou menor expressão numérica dos titulares interessados: a relação jurídica da tutela de um bem ambiental pode ser local, regional, nacional ou até mesmo internacional. A definição de abrangência da relação de interessados tem um critério legal, e é adoptada pela própria Lei Portuguesa de Organizações Não Governamentais de Ambiente, nº 35/98 de 18 de Julho, onde cada ONGA tem o seu plano de actuação definido pelo número de associados. O paralelismo é inevitável. A tutela do bem ambiental pode ser definida pelo número de interessados e pela abrangência do seu resultado prático, ou melhor ainda, pelo aproveitamento final dos interessados no resultado prático, ou melhor ainda, pelo aproveitamento final dos interessados no resultado desta relação jurídica. Nesta fase de ponderação, importa recordar que um direito subjectivo ao ambiente deve pautar-se pela defesa autónoma e privada do equilíbrio ambiental, que tem relação directa com a esfera particular de cada indivíduo, pois é a própria defesa da pessoa que está em jogo. Não se descure também que, para que o interesse individual ao ambiente seja legítimo, a causa de pedir imediata de pretensão jurídica deve ser o ambiente, e a pluralidade de interessados deve delimitar se a demanda tem um cariz unicamente privado, ou se os instrumentos da tutela devem obedecer ao aparato juspublicista do direito administrativo.
O segundo factor é a (2) capacidade de individualização do dano e a quantificação do respectivo prejuízo: aqui o interesse individual e a respectiva tutela particular do bem ambiental deve ter o seu limite definido pelos interesses económicos individuais, isto é, o bem ambiental deve guardar o mínimo valor materialmente expressivo, deve conter certa expressão económica, caso contrário a sua tutela ambiental deve ser submetida aos interesses públicos e colectivos. A lesão do património ambiental do interessado, quando não relacionados com a saúde, sossego e bem-estar, deve conter a ideia de prejuízo (ex: poluição de recursos hídricos de abastecimento doméstico e industrial). A afectação de um bem aos fins individuais de determinada pessoa deve ser um dos requisitos indispensáveis para a tutela individual do bem ambiental. Veja-se também que a ideia de prejuízo está directamente ligada com a perda de uma situação favorável que o particular desfrutava em situação anterior à consumação do dano, ou seja, são direitos e vantagens de fruição previamente determinados. É justamente essa a vertente do direito privado ao ambiente, o direito subjectivo de protecção do património ambiental deve ser exercitado pela iniciativa do seu titular, caso o não faça o Estado não o fará, e o particular lesado e prejudicado não obterá qualquer reparação, devendo suportar o prejuízo isoladamente, desde que haja valor quantificável e apreensível.
(3) Pretensão conexa ou reflexiva de tutela: não cabe a crítica de que o bem ambiental não é autonomamente o objecto da tutela pelo particular. Veja-se que o bem ambiental, conforme já se alertou em cima, tem a peculiaridade de exigir dos operadores uma nova epistemologia. O ambiente é uma rede de conexões que não podem ser isoladas de maneira estanque. Não pode existir a pretensão purificadora da tutela ambiental de forma isolada, já que nenhum direito fundamental constitucionalmente protegido goza de total independência, pois estão sempre em causa outras pretensões conexas. A mais descomprometida análise não escapa desta constatação. Não se deve querer o contrário para o direito do ambiente, até porque é necessária esta tutela reflexiva ou conexa com outros bens.
Não se separa o direito de vizinhança da emissão de ruídos e outros resíduos poluentes, assim como não se desenvolve a personalidade num local de degradantes condições ambientais. A possibilidade autónoma de defesa ambiental deve estar assim conectada com outro bem circunscrito aos institutos do direito de vizinhança, da personalidade e da responsabilidade civil.
Os três vectores acima identificados possibilitam separar as águas entre os interesses dicotómicos. Eles não são cumulativos, em determinadas relações jurídicas eles podem coexistir ou não, porém há-de sempre existir um deles, e assim ponderar qual o interesse em causa.
Ainda que nos dias de hoje prevaleça a referida divisão dos sistemas, multiplicam-se as situações juridicamente relevantes em que os campos público e privado, colectivo e individual, objectivo e subjectivo se confundem, sobremaneira na temática ambiental. Porém a divisão continua válida e nalguns planos mostra-se útil para afirmar um direito subjectivo ao ambiente, e também operacionalizar os instrumentos que o particular dispõe para tutela do seu ambiente particular.
O Direito Civil é o escudo de protecção do indivíduo contra os actos de outras pessoas, e também do Estado, que eventualmente avancem sobre direitos legalmente protegidos pelo ordenamento jurídico. A construção das vontades individuais pode solidificar a vontade colectiva e orientar políticas públicas na área ambiental, o contrário conduz ao aumento da ingerência estadual na vida dos particulares e viola os preceitos do Estado Democrático de Direito.
Assim, podemos afirmar que a construção do ambiente equilibrado deve passar primeiro pelos indivíduos, pois são estes que compõem a colectividade.



















6. Conclusão


Negar o recurso à tutela privada do ambiente, sob a justificação de que se trata única e exclusivamente de uma decisão colectiva, que diz respeito a todos, portanto legitimidade de todos, revela-se a morte da liberdade e da individualidade da pessoa humana. Utilizar os instrumentos de Direito Civil como prática efectiva de um direito subjectivo é elevar o direito pessoal ao conceito de dignidade da pessoa humana. Afastar do indivíduo a sua capacidade de autodeterminação, autonomia e vontade própria é recusar que cada pessoa, no limite da sua esfera privada defina o que quer para si, e o que pode pretender para si. Não é a colectividade que tem essa capacidade.
Por outro lado, não podemos abrir mão também de um direito objectivo ao ambiente, constitucionalmente definido e plasmado no mais alto nível hierárquico do sistema jurídico. Tão pouco se pretende deitar fora todos os instrumentos administrativos que de forma mais eficiente definem o ordenamento dos poluidores, do urbanismo, da preservação e destino dos recursos ambientais. Ocorre que as duas vertentes muitas vezes se confundem, e os critérios de tutela ambiental, ora colectivos, ora privados, misturam-se. Para que o sistema jurídico não entre em rota de colisão, os critérios apresentados até ao momento podem ser mecanismos eficientes, porém não exaustivos, para dar cabo desta deficiência axiológica na protecção do direito ambiental. Outros mecanismos podem e devem ser criados para ponderar o público e o privado, evitar abusos, cobrir enriquecimentos ilícitos e ilícitos sem reparação.
As breves linhas de investigação ora despendidas, podem, ao menos em parte, ambicionar algumas soluções para a problemática colocada na introdução deste trabalho. Defende-se que a tutela privada do ambiente não pode sobrepor-se a interesses colectivos, mas isso significa afirmar que o apuramento da pretensão deve ser tratado conforme o número de interessados, e também sobre a perspectiva do bem pretendido e o seu aproveitamento individual.  Caso o número de envolvidos e o bem em causa não permitir uma verificação de plano sobre os efeitos de determinada decisão jurídica, então evidentemente que não mais se trata de uma solução individual, e assim o direito subjectivo do particular fica sufragado pela tutela colectiva do bem ambiental.
Os instrumentos do Direito Civil, hoje adaptados para solucionar as contendas da crise ambiental, são ainda o aparelho jurídico mais eficiente para a protecção da individualidade humana. Mas colocados em juízo o rol das necessidades da pessoa, observa-se facilmente que mesmo estes instrumentos não dão conta de assegurar plenamente o desenvolvimento do ambiente sadio e equilibrado.
O Direito Civil tem mecanismos eficazes, mas não suficientes. Determinadas questões ambientais suplantam o interesse individual, passando inclusive pelo exercício metafísico de garantias jurídicas intemporais, como é o caso da preservação de recursos por solidariedade intergeracional. E aqui a dinâmica dos bens ambientais não tem conexão com interesses individualizados. Outro exemplo seria também o pedido de indemnização por danos ecológicos, os quais suscitam dúvidas sobre a legitimidade de um pedido indemnizatório de natureza privada. Teria alguém legitimidade para pedir indemnização pelo desaparecimento induzido por qualquer espécie em vias de extinção? Opta-se pela resposta negativa, justamente porque este bem não causa prejuízo imediato ao particular, tão pouco tem apreensível um conteúdo económico directo e individualizado. Mas o curioso é que a lei abre esta possibilidade.
O peso e a medida da prestação jurisdicional nos casos em que a pretensão individual se configura ilegítima deverá, inevitavelmente, dividir os limites do público e do privado, abrigando ou não o direito subjectivo ao ambiente.
O Direito tem a missão por excelência de pensar a intervenção nesta situação jurídica, o que reconstitui a própria identidade da pessoa enquanto actor do desenvolvimento, da sustentabilidade e da adequação das suas pretensões jurídicas.
A marca de desafio é exactamente a irreversibilidade dos processos políticos. Definir com precisão o encargo na defesa do bem ambiental, mais do que contrapor interesses entre o público e o privado, é compor harmoniosamente o que é dever de todos, para que o limite não se interponha entre o individual e o colectivo, mas que seja afinado aos anseios individuais e colectivos do bem ambiental.












7.Bibliografia


AMADO GOMES, Carla. Textos Dispersos do Ambiente, I Vol., AAFDL, Lisboa, 2008.


ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia, 3ªEd., Almedina, Coimbra, 2005.

FIGUEIREDO DIAS, José Eduardo de Oliveira. Tutela Ambiental e Contencioso Administrativo, Coimbra Editora, Coimbra, 1997.


GOMES CANOTILHO, Joaquim José. A Responsabilidade por Danos Ambientais – Aproximação Juspublicística in Direito do Ambiente, Instituo Nacional de Administração, 1994.

MENEZES CORDEIRO, António. Direito das Obrigações, 1º Vol., Almedina, Coimbra, 2010.


MENEZES LEITÃO, João. Instrumentos de Direito Privado para Protecção do Ambiente in Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º7, Lisboa, 1997.

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3ª Ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2000.


OLIVEIRA ASCENSÃO, José de. Teoria Geral do Direito Civil, Vol. IV, Lisboa, 1993.


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