O Direito do Ambiente e políticas públicas na energia
A TUTELA PRIVADA DO AMBIENTE
Trabalho
Realizado por:
Diogo
Miguel do Carmo
Aluno
n.º 17786
Índice
1.
Introdução.................................................................................................3
2.
Tutela dos bens
jurídicos ambientais…………………………………………………
………...5
3.
A perspectiva
colectiva do direito ambiental..................................................................................................7
4.
O Direito Civil e
a tutela individual do bem ambiental……………............................................................................10
5.
A tutela dos bens
ambientais: entre a esfera individual e a colectiva.................................................................................................13
6.
Conclusão…….......................................................................................16
7.
Bibliografia……………………………………………………………18
1. Introdução
Público ou
privado. Colectivo ou individual. Objectivo ou subjectivo. As querelas da
relação do homem com o seu meio nunca suscitaram tantas controvérsias como o
actualíssimo debate sobre o ambiente e os seus efeitos. Ao exemplo de outros
campos da ciência, a epistemologia ambiental provoca os cientistas a repensar
os dogmas sobre os quais construíram os fundamentos da ciência moderna. O
empirismo metodológico, que colocava sujeito e objecto em posições
equidistantes de observação, já não basta para dar cabo de todas as dúvidas
pela dogmática ambiental.
Num plano de
maior abstracção ideológica, o âmago deste debate é a relação entre o indivíduo
e o Estado, ou seja, quem na óptica da dogmática jurídica é o legitimo sujeito
activo para fazer valer um direito ao ambiente, se é que este direito realmente
existe. Ou então, analisar em determinadas situação quem detém maior parcela
desta legitimidade.
A Constituição
da República Portuguesa coloca o Estado e o indivíduo no mesmo plano jurídico,
e assegura direitos e deveres de ambas as partes para promover a tutela do
ambiente. Resultado deste tecido normativo constitucional, pode-se afirmar que
problematizar sobre a tutela dos bens ambientais, não projecta apenas
formulações linguísticas ou construções teóricas desligadas do tecido social.
Estão em causa – como restará demonstrando – as linhas de confluência do
pensamento civilístico puro e da juspublicística ambiental, que não obstante
suscitarem intensos confrontos ideológicos, têm implicações directas na ordem
prática do direito do ambiente.
Necessário referir
que, para submeter ao debate do direito ambiental as duas maiores divisões
(público/colectivo e privado/individual) do sistema jurídico de origem
românica, foi imprescindível um rigoroso exercício de cautela, para que o
recorte do objecto de pesquisa pudesse caber no formato do presente trabalho,
sem resultar num labirinto de conceptualizações que não aguardam sintonia nem
mesmo dentro das suas respectivas divisões sistémicas.
A problemática
apresenta-se assim definida: pode a tutela privada do ambiente sobrepor-se à
tutela colectiva de um bem difuso? Estará o direito civil apto para albergar a
dinâmica dos bens ambientais sem colidir com diversos interesses públicos e
colectivos? O bem ambiental insusceptível de apropriação individual pode ser tutelado
por mecanismos privados?
Ao navegar entre
doutrinas publicistas e privatistas procura-se identificar o que afasta e o que
une a tutela do bem ambiental, bem como o regime desta mesma tutela privada do
ambiente e a justificativa da posição adoptada. Não sem antes considerar as
questões de fundo que desafiam o tema proposto. Toca-se então na existência de
um direito subjectivo público ao ambiente, bem como sobre o reconhecimento de
um direito subjectivo individual ao ambiente sadio e equilibrado. Investiga-se
também a intenção constitucional de consagrar este direito num plano
hierárquico superior, e também os efeitos desse programa constitucional junto dos
direitos civis. Toda essa celeuma não pode ser abordada sem antes fazer uma prévia
definição sobre o objecto da tutela do ambiente, e sobre a própria
conceitualização do bem ambiental e seu reflexo na protecção de interesses
legalmente protegidos.
Em suma,
pretende-se formular alguns mecanismos que evitem a colisão de interesses na
tutela do bem ambiental, sem, no entanto, esgotar eventuais soluções e
contribuições, que por ordem didáctica restaram fora desta breve análise. A conclusão
está assente naquilo que o direito material disponibiliza ao jurisdicionado, os
seus mecanismos e a sua operacionalidade, bem como sobre a ponderação funcional
da tutela do ambiente na sua vertente individual.
2. Tutela dos bens jurídicos ambientais
Do último quarto
do século passado até aos dias de hoje, restou pacífica a promoção do ambiente
como objecto de tutela pelo direito. Todos os Estados constitucionais optaram
por dar guarida naquilo que se tornou publicamente uma questão sensível à
sociedade.
É um bem
relativamente novo para a dogmática jurídica, os seus contornos e definições
ganharam robustez apenas na segunda metade do século passado. Porém, alguns
institutos do direito civil clássico moldam-se às características do bem
ambiental. Para a teoria geral do direito, e também para o Código Civil, mais
precisamente no artigo 202º, “tudo aquilo
que pode ser objecto de relações jurídicas” são coisas.
Nos dias de
hoje, é inegável que o ambiente se tornou objecto de relações jurídicas, ora
inter-privados, ora poligonais e/ou colectivas.
Não obstante o
ineditismo do tema, surgiram diversas conotações sobre o que é o objecto da
tutela ambiental, dividindo os especialistas entre aqueles que adoptam um
conceito alargado de bem ambiental, e por outro lado, os que entendem que a
tutela do ambiente se deve voltar para os bens naturais “puros”, ou seja, um conceito
mais estrito. O conflito reside nestas duas opções: (i) adoptar um conceito
ampliado de ambiente, onde se colocam no mesmo plano todas as componentes
ambientais conhecidas, edificadas ou não pela acção do homem; (ii) adoptar um
conceito estrito, circunscrito aos bens naturais.
Independente
desta divisão é o facto incontestável que o bem ambiental tem existência
autónoma do sujeito, de característica ascendentemente unitária, o que
significa que o ambiente tem vários componentes, mas as suas irradiações na
realidade social têm um carácter comum a todas as pessoas. A qualidade do ar, a
luz solar, a pureza da água, em grande medida afectam directamente toda a
colectividade. Qual a melhor maneira de projectar pretensões jurídicas sobre
esse bem?
Para o Prof.
Gomes Canotilho, muito embora o bem ambiental tenha dimensões individuais, deve
ser sempre visto com bem jurídico da colectividade. Não se olvide que os bens
ambientais têm, efectivamente, forte carga de impacto nas relações
supra-individuais, e que o ordenamento confere tutela global ao bem ambiental,
sem se quedar em pormenores sobre a esfera privada do indivíduo. Por outro
lado, está elevado ao mais alto grau de protecção legal a pessoa individual e
todas as condicionantes para o seu pleno desenvolvimento, inclusive o ambiente
sadio equilibrado de cada pessoa em particular. Em maior abstracção isto
significa moldar-se a teoria da tutela geral da personalidade, onde cada
indivíduo pode moldar as suas pretensões de acordo com a violação ou ameaça do
seu direito de personalidade. Afirmar que o bem ambiental não pode ser
apropriado de forma individual, em muitos casos, é cerrar os olhos para o que
já existe no mundo dos factos.
Muito se fala
sobre a impossibilidade do bem ambiental ser dividido em parcelas individuais,
como o ar, a água, o sol, etc. No entanto, tais bens nos dias que correm estão
a ser individualizados, comercializados e remetidos como objecto de relações
jurídicas inter-privados
A tutela do bem
ambiental para a fruição e aproveitamento próprio também é objecto de guarida
legal: a iluminação do sol por correspondência ao direito de vizinhança, ao
ambiente silencioso por correlação com a protecção do desenvolvimento saudável,
a compensação pecuniária por danos e bens ambientais que não tem possibilidade
de reconstituição. Ou seja, são incontáveis situações reais que emanam efeitos
jurídicos, onde a tutela ambiental deve ser chamada para dar cabo de eventuais
contrapesos nas relações jurídicas.
O albergue
destas pretensões é, e deve ser, dinâmica. A protecção do bem ambiente por uma
pessoa, ou por uma classe delas, ou pelo próprio Estado. Desde que idónea, a
tutela cível não afasta a promoção do ambiente como bem individualmente
aproveitável, pelo contrário. Basta que as acções sejam coordenadas para que o
comando constitucional seja atendido, afastando o conflito de interesses dentro
do ordenamento.
Se for certo o
objecto do direito do ambiente e a sua respectiva tutela não guarda unanimidade
na doutrina, muito menor deve ser o rigor técnico que menospreze a tutela
destes bens quando ligados a outros bens da vida, como direito ao pleno
desenvolvimento, à saúde e ao bem-estar, por exemplo.
Muito embora o
bem ambiental tenha grande parcela de autonomia, existe ampla relação de
proximidade entre o comando constitucional do direito ao ambiente na sua versão
publicista, como busca da realização dos valores fundamentais do Estado, e a
perspectiva subjectiva de tutela deste mesmo bem. Para Figueiredo Dias “Isto será claro para quem entenda o ambiente
como bem social unitário, mas dotado de uma dimensão ou vertente personalista”
3. A perspectiva colectiva do direito ambiental
A acção política
ambiental antes da década de 70 do século passado era nula ou quase
inexistente, reservada a algumas normas urbanistas e sanitárias.
Esta ignorância do
Estado Social em relação à temática ambiental era acentuada pela euforia
desmesurada do progresso científico e a promoção do consumo como estilo de
vida, uma nova era de total ausência de limites materiais. Como se sabe, os
referidos factores somados à escassez de recursos ambientais aumentaram o rol
das crises da era moderna. A crise ambiental revela a sua faceta num momento em
que a sociedade se revolta pela ingerência do Estado como garante dos direitos sociais,
momento em que a própria existência da espécie humana é ameaçada.
Toda a convulsão
social é o campo da renovação e do recomeço. Nesta conjuntura nasce o que
muitos autores chamam Estado pós-social ou Estado de Ambiente, ou seja, um
aparato administrativo que lança sobre as questões ambientais uma infinidade de
instrumentos, normas e regulamentos, que permitem também ao particular a
participação nos procedimentos puramente administrativos ou judiciais para a
salvaguarda do ambiente.
Este é o contexto político
que movimentou o legislador constituinte a expressar formalmente na Lei
Fundamental de 1976 o direito ao ambiente. Após as revisões constitucionais de
1982 e 1989, foi somente em 1987 que a Constituição da República Portuguesa
acolhe o princípio da solidariedade intergeracional, acrescentando ao artigo
66º da Carta Constitucional o n.º2, alínea d), onde se observa uma clara
preocupação do legislador em garantir às futuras gerações a possibilidade de
usufruto e gozo dos recursos ambientais.
Em 1976 a primeira
preocupação constitucional era atribuir ao cidadão um direito ao ambiente e à
equilibrada qualidade de vida, bem como permitir-lhe, no caso de ameaça ou
lesão desse direito, a faculdade de requerer a cessação e a respectiva
indemnização à entidade prevaricadora. Alguns autores extraem daí uma eventual
subjectivação do direito ao ambiente, justamente na medida em que permite ao
particular um direito de defesa do ambiente pelos meios legalmente permitidos,
ou até, numa perspectiva de direito subjectivo público, a capacidade de exigir
da Administração um dever de executar medidas de salvaguarda em relação ao
ambiente.
Contudo, a revisão
constitucional de 1997 alargou a protecção do ambiente e trouxe uma novíssima
perspectiva de tutela ambiental, ou seja, apresenta uma tutela multidimensional
na medida em que consagra um direito ao ambiente de gerações que não têm
qualquer capacidade de o requerer no presente. E mais, consagra como dever da
actual geração o ónus da preservação dos recursos ambientais para gozo e uso
das gerações vindouras.
Mais do que
colectivo, o bem ambiental tem projecção transversal no tempo, extrapola a
esfera dos indivíduos e limita o direito de propriedade, insere definitivamente
um conceito de justiça equitativa na ordem jurídica nacional portuguesa,
sobrepondo, ao menos no direito do ambiente, uma visão exclusivamente
unilateral da tutela individual, origem do paradigma liberal de protecção
jurídica que primava por um conceito de justiça como retribuição das relações
entre particulares.
Esta orientação
constitucional transforma a Administração Pública, alarga os seus horizontes,
reveste-a de novas funcionalidades. Toda a organização administrativa é
reordenada, a questão ambiental não permite a actuação de instituições
estanques, mas exige um noivo modelo de política e de actuação coordenada,
transdisciplinar e distributiva. Contabilizando erros e acertos dos Estados
Nacionais, vislumbra-se uma nova era de relações ente públicos e privados em
matéria ambiental, a Administração Pública com “a persistência e insistência em valores de solidariedade social e gestão
públicas de velhos e novos problemas sociais com o objectivo da segurança
social.”
Porém, coexiste
ainda no sistema jurídico actual normas de direito privado que fazem valer, ao
menos em tese, uma pretensão individual e uma posição de vantagem jurídica em
relação à tutela do ambiente. Essa tensão entre público e privado traz no fundo
o problema de verificar a operacionalidade dos que defendem a existência de um
direito subjectivo ao ambiente, ou, pelo menos, um direito subjectivo público
ao ambiente.
É correcto afirmar
que os bens ambientais têm existência autónoma do sujeito, porém é impossível
afastá-los das relações de vizinhança, da tutela da personalidade e do
ressarcimento civil. É justamente neste ponto em que interesses colectivos e
particulares podem colidir ao demandar em juízo um bem que é unitário, muitas
vezes indivisível e de fruição colectiva. Ou seja, é inegável um carácter
externo e colectivo do bem ambiental, que guarda maior proximidade com sistemas
legais de carácter geral, indeterminado e universalizante, como o Direito
Administrativo.
Até mesmo os
autores de matriz privada reconhecem a capacidade do Direito Público manejar
com mais eficiência os instrumentos de tutela ambiental. Tal afirmação não é
suficiente para afastar as ilações sobre a existência de um direito subjectivo
ao ambiente, ou mesmo negar eventuais limites e operacionalidades do conceito.
Em contrapartida, provocar o debate sobre o equilíbrio ambiental e a sua
protecção em relação à esfera pessoal do indivíduo, revela-se o exercício
democrático peculiar do Estado de Direito Ambiental. É comum nas relações jurídico-ambientais
o cruzamento de direitos individuais e colectivos, inclusive com incidência
directa sobre outros bens constitucionalmente protegidos, como o direito de
propriedade.
Esse cruzamento
provoca o choque de pretensões típico das relações jurídicas multipolares,
tendo em vista que a promoção do ambiente é dever do Estado e direito
fundamental do cidadão. Para Figueiredo Dias “para além dos deveres jurídicos objectivos de protecção por parte do
Estado que podem implicar colisões com direitos dos indivíduos, pode haver
igualmente colisões entre o direito fundamental ao ambiente e outros direitos
fundamentais”.
Ocorre que o
sistema jurídico deve guardar coerência e transmitir a sensação de segurança e
confiança nas suas instituições. Nas relações jurídicas poligonais não se deve
preterir o direito subjectivo, mas também não se pode esquecer o carácter
difuso que toma qualquer decisão em relação a determinados bem ambientais. É
preciso uma ponderação de interesses, sem nunca esquecer que o leque de efeitos
jurídicos se destina, primordialmente, aos indivíduos directamente implicados,
espalhando-se por todas as posições conexas e secundariamente envolvidas na
relação.
4. O Direito Civil e a tutela individual do bem ambiental
O Direito Civil e
os seus instrumentos são construídos para dar conta das relações entre privados,
e tem por objectivo fundamental o exercício da liberdade individual,
albergando-se no exercício independente de concretização das finalidades
autónomas propriamente determinadas.
Em relação ao
ambiente três disciplinas do Direito Civil têm relação directa com a tutela
ambiental: (i) tutela da personalidade, (ii) responsabilização civil e (iii)
relações de vizinhança, que sempre ocuparam lugar de destaque no núcleo
civilístico dos sistemas jurídicos de origem romana.
Ocorre que a
protecção dos valores ambientais passa a ser poligonal, sobremaneira quando
alargado o rol de pessoas directamente implicadas na relação jurídica de cunho
ambiental. Neste contexto de inúmeros interessados, a “privatização” do
ambiente tem o dever de facultar a tutela ambiental aos particulares, e a todo
o cidadão que tenha receio de ofensas, ou efectivo prejuízo, à sua esfera de
direitos.
Esta perspectiva
civilística deve questionar se os instrumentos colocados pelo ordenamento
jurídico são mecanismo eficientes para alcançar o fim que se destinam, ou
melhor, traçar uma nova metodologia amparada em institutos clássicos do direito
civil, a fim de verificar até que ponto eles são benéficos ou prejudiciais para
o desenvolvimento harmónico da tutela de direitos. Como se não bastasse,
identificar com precisão os objectos da tutela privada do ambiente é tarefa por
demais controversa. O objecto do ambiente e a sua conceituação são motivos de
polémica na comunidade jurídica portuguesa e internacional. Se não fosse a sua
relevância para definir as balizas jurídicas da temática ambiental, não valeria
a pena focar este ponto. Mas dado a proeminência da relação do ambiente com a
expectativa dos particulares, e desta com o poder de exigir em juízo um direito
próprio ao ambiente, revela-se imperioso encarar esta querela.
Antes mesmo de
formular alguma opinião, deve-se trazer à pauta algumas premissas, para então
traçar um plano indutivo do que é o objecto do direito privado do ambiente.
Para a tutela
privada do ambiente, é indispensável uma abordagem ecológica, ou seja, uma
abordagem que abarque os direitos das pessoas de forma integral, ao perfil da
tutela geral da personalidade, por exemplo. Esta é a essência do direito
privado do ambiente, a nova epistemologia ambiental que propõe uma valoração
racional de vários componentes determinantes. O próprio legislador optou por
alargar o objecto da tutela.
Caso contrário,
qualquer questão ligada umbilicalmente às querelas ambientais, ainda que os
seus reflexos se espalhem sobre o direito da saúde, equilibrada e sadia da
qualidade de vida, pleno desenvolvimento, sossego e bem-estar, deveriam ser
submetidos aos instrumentos públicos de regulamentação.
Todavia esse
pensamento compartimentado não atenta mais as necessidades sociais quotidianas.
Não sendo palpável a pretensão de dividir os limites em que a tutela requerida
pelos indivíduos refere-se ora ao ambiente – como bem em si mesmo – ora aos
institutos do Direito Civil clássico como a propriedade, a vizinhança e a
personalidade. O objecto da tutela muitas vezes confunde-se na pretensão final
levada a juízo.
Seja como for,
serão sempre os seres humanos a dar voz às querelas da natureza. Toda a política
ambiental, e toda a sistematização normativa, sejam limitações ao direito de
poluir ou ao dever de preservação absoluta dos recursos, tem por fim último a
manutenção da realização da pacificação social da humanidade, e por
consequência imediata a salvaguarda dos interesses humanos.
A sistemática pura
do Direito Civil de origem positivista já ruiu após a chegada dos direitos
sociais no início do século passado, justamente quando pretendia fundamentar-se
num sistema fechado de metodologia jusracionalista. No entanto, é no campo do
Direito Privado que o direito subjectivo ao ambiente ganha contornos efectivos,
limites concretos e aproveitamento jurídico material. É no fundamento de igualdade
e liberdade oriundo do Direito Civil que a tutela ambiental se manifesta,
sobretudo na protecção dos interesses individuais. Mais a fundo, Rawls afirma
que a base da igualdade está intrinsecamente ligada à ideia de justiça, e esta
molda-se aos homens quando estes são capazes de possuir uma concepção do seu
bem e capazes de possuir um senso de justiça.
Porém, para que a
tutela privada de bens ambientais tenha efectividade, é indispensável que a
lesão atinja também aos bens individuais da pessoa (responsabilidade civil),
lesão nas condições ambientais da propriedade (deveres de vizinhança) e
sustentação das pretensões subjectivas juridicamente relevantes (direito de
personalidade). Por isso é que muitas vezes a tutela ambiental não é
autonomamente requerida, embora possa sê-la. Em inúmeras oportunidades a
protecção do bem ambiente de forma individual dá-se por via reflexa, ao reboque
de outros bens jurídicos.
No entanto, esta
perspectiva reflexa de tutela ambiental não evita que o direito civil invada o
campo ambiental. Inevitavelmente os bens estão interligados, a protecção da
propriedade com a emissão de resíduos, o direito à saúde com o direito ao
ambiente ecologicamente equilibrado, o direito de ressarcimento no caso de
lesões ao património ambiental, etc. A conexão de bens objecto de tutela pelo
direito civil, ao contrário de algumas afirmações, somente reforça que o
direito privado dever tomar a frente destas iniciativas, e somente o impulso
individual tem o condão de estabelecer os limites do que o direito ao ambiente
é para cada um dos interessados, nos estritos contornos das relações jurídicas
interpessoais.
A perspectiva da
tutela individual do ambiente deve afastar o interesse geral e abstracto ao
ambiente, não pode existir qualquer lacuna entre o lesante e o prejudicado na
relação jurídica travada entre as partes. Só desta forma é que se pode admitir
a existência de um direito individual ao ambiente, e concluir que os instrumentos
colocados à disposição dos particulares para salvaguardar a sua parcela de
direito ambiental, são utilizados de forma coerente com o restante do sistema.
Surge, então, o que se pode afirmar um direito subjectivo ao ambiente, na
medida em que o titular do uso e gozo de um equilíbrio ambiental pode fazer
valer a sua posição de vantagem, por si próprio e na defesa da sua condição
humana, para a protecção de um direito constitucionalmente protegido.
5. A tutela dos bens ambientais: entre a esfera individual e a colectiva
Existe na
doutrina portuguesa uma clara divisão em relação ao objecto do dano ambiental:
dano ecológico, quando estamos diante de danos ligados ao ambiente in natura e atingem os recursos naturais
puros (ar, água e ar); e danos ambientais, quando se atinge a esfera individual
personalista ou patrimonial de qualquer pessoa.
Veja-se que,
muito embora a legislação ambiental faça a referência a esta divisão, e muitos
defendam a posição de que os danos puramente ecológicos não são passíveis de
ressarcimento individual, justamente por não figurar no pólo passivo lesados
individuais, a divisão que opta por justificar os seus fundamentos na
delimitação do objecto do dano não é suficiente. Veja-se o motivo.
A degradação
ambiental, em maior ou menor grau, tem sempre incidência nos bens ambientais,
sejam eles os bens puramente ambientais ou extensivamente patrimoniais. Ocorre
que, invariavelmente o dano ambiental tem reflexo sobre outros componentes
humanos que não os genuinamente naturais. Quando se está perante um dano
ambiental há invariavelmente reflexos para a humanidade. A extinção de qualquer
espécie, animal ou vegetal, é sem dúvida a verificação de um prejuízo para a
biodiversidade, desconsiderando a possibilidade de eventuais descobertas científicas
sobre propriedades naturais de determinado elemento. A disposição de resíduos
radioactivos em áreas inócuas pode não representar risco para o presente, mas
talvez risco para o futuro. Devem ser traçadas novas perspectivas para a tutela
do bem ambiental, não somente em relação ao objecto do dano, mas sim, por meio
de um exercício de ponderação axiomática que leve em conta inúmeros factores.
Isto não implica afirmar, por exemplo, que qualquer particular pode ser titular
de uma pretensão reparatória por danos ambientais causados do outro lado do
planeta. Seguem algumas pistas para afastar esta tentação e este conflito de
interesses juridicamente autónomos.
O primeiro
factor que deve ser contabilizado para definir a abrangência da tutela
ambiental (individual ou colectiva) deve ser o (1) maior ou menor expressão
numérica dos titulares interessados: a relação jurídica da tutela de um bem
ambiental pode ser local, regional, nacional ou até mesmo internacional. A
definição de abrangência da relação de interessados tem um critério legal, e é
adoptada pela própria Lei Portuguesa de Organizações Não Governamentais de
Ambiente, nº 35/98 de 18 de Julho, onde cada ONGA tem o seu plano de actuação
definido pelo número de associados. O paralelismo é inevitável. A tutela do bem
ambiental pode ser definida pelo número de interessados e pela abrangência do
seu resultado prático, ou melhor ainda, pelo aproveitamento final dos
interessados no resultado prático, ou melhor ainda, pelo aproveitamento final
dos interessados no resultado desta relação jurídica. Nesta fase de ponderação,
importa recordar que um direito subjectivo ao ambiente deve pautar-se pela
defesa autónoma e privada do equilíbrio ambiental, que tem relação directa com
a esfera particular de cada indivíduo, pois é a própria defesa da pessoa que
está em jogo. Não se descure também que, para que o interesse individual ao
ambiente seja legítimo, a causa de pedir imediata de pretensão jurídica deve
ser o ambiente, e a pluralidade de interessados deve delimitar se a demanda tem
um cariz unicamente privado, ou se os instrumentos da tutela devem obedecer ao
aparato juspublicista do direito administrativo.
O segundo factor
é a (2) capacidade de individualização do dano e a quantificação do respectivo
prejuízo: aqui o interesse individual e a respectiva tutela particular do
bem ambiental deve ter o seu limite definido pelos interesses económicos
individuais, isto é, o bem ambiental deve guardar o mínimo valor materialmente
expressivo, deve conter certa expressão económica, caso contrário a sua tutela
ambiental deve ser submetida aos interesses públicos e colectivos. A lesão do
património ambiental do interessado, quando não relacionados com a saúde,
sossego e bem-estar, deve conter a ideia de prejuízo (ex: poluição de recursos
hídricos de abastecimento doméstico e industrial). A afectação de um bem aos
fins individuais de determinada pessoa deve ser um dos requisitos
indispensáveis para a tutela individual do bem ambiental. Veja-se também que a
ideia de prejuízo está directamente ligada com a perda de uma situação
favorável que o particular desfrutava em situação anterior à consumação do
dano, ou seja, são direitos e vantagens de fruição previamente determinados. É
justamente essa a vertente do direito privado ao ambiente, o direito subjectivo
de protecção do património ambiental deve ser exercitado pela iniciativa do seu
titular, caso o não faça o Estado não o fará, e o particular lesado e
prejudicado não obterá qualquer reparação, devendo suportar o prejuízo
isoladamente, desde que haja valor quantificável e apreensível.
(3) Pretensão conexa ou reflexiva de
tutela: não cabe a crítica de que o bem ambiental não é autonomamente o
objecto da tutela pelo particular. Veja-se que o bem ambiental, conforme já se
alertou em cima, tem a peculiaridade de exigir dos operadores uma nova
epistemologia. O ambiente é uma rede de conexões que não podem ser isoladas de
maneira estanque. Não pode existir a pretensão purificadora da tutela ambiental
de forma isolada, já que nenhum direito fundamental constitucionalmente
protegido goza de total independência, pois estão sempre em causa outras
pretensões conexas. A mais descomprometida análise não escapa desta
constatação. Não se deve querer o contrário para o direito do ambiente, até
porque é necessária esta tutela reflexiva ou conexa com outros bens.
Não se separa o
direito de vizinhança da emissão de ruídos e outros resíduos poluentes, assim
como não se desenvolve a personalidade num local de degradantes condições
ambientais. A possibilidade autónoma de defesa ambiental deve estar assim
conectada com outro bem circunscrito aos institutos do direito de vizinhança,
da personalidade e da responsabilidade civil.
Os três vectores
acima identificados possibilitam separar as águas entre os interesses
dicotómicos. Eles não são cumulativos, em determinadas relações jurídicas eles
podem coexistir ou não, porém há-de sempre existir um deles, e assim ponderar
qual o interesse em causa.
Ainda que nos
dias de hoje prevaleça a referida divisão dos sistemas, multiplicam-se as
situações juridicamente relevantes em que os campos público e privado,
colectivo e individual, objectivo e subjectivo se confundem, sobremaneira na
temática ambiental. Porém a divisão continua válida e nalguns planos mostra-se
útil para afirmar um direito subjectivo ao ambiente, e também operacionalizar
os instrumentos que o particular dispõe para tutela do seu ambiente particular.
O Direito Civil
é o escudo de protecção do indivíduo contra os actos de outras pessoas, e
também do Estado, que eventualmente avancem sobre direitos legalmente
protegidos pelo ordenamento jurídico. A construção das vontades individuais
pode solidificar a vontade colectiva e orientar políticas públicas na área
ambiental, o contrário conduz ao aumento da ingerência estadual na vida dos
particulares e viola os preceitos do Estado Democrático de Direito.
Assim, podemos
afirmar que a construção do ambiente equilibrado deve passar primeiro pelos
indivíduos, pois são estes que compõem a colectividade.
6. Conclusão
Negar o recurso à
tutela privada do ambiente, sob a justificação de que se trata única e
exclusivamente de uma decisão colectiva, que diz respeito a todos, portanto
legitimidade de todos, revela-se a morte da liberdade e da individualidade da
pessoa humana. Utilizar os instrumentos de Direito Civil como prática efectiva
de um direito subjectivo é elevar o direito pessoal ao conceito de dignidade da
pessoa humana. Afastar do indivíduo a sua capacidade de autodeterminação, autonomia
e vontade própria é recusar que cada pessoa, no limite da sua esfera privada
defina o que quer para si, e o que pode pretender para si. Não é a
colectividade que tem essa capacidade.
Por outro lado,
não podemos abrir mão também de um direito objectivo ao ambiente,
constitucionalmente definido e plasmado no mais alto nível hierárquico do
sistema jurídico. Tão pouco se pretende deitar fora todos os instrumentos
administrativos que de forma mais eficiente definem o ordenamento dos
poluidores, do urbanismo, da preservação e destino dos recursos ambientais. Ocorre
que as duas vertentes muitas vezes se confundem, e os critérios de tutela
ambiental, ora colectivos, ora privados, misturam-se. Para que o sistema
jurídico não entre em rota de colisão, os critérios apresentados até ao momento
podem ser mecanismos eficientes, porém não exaustivos, para dar cabo desta
deficiência axiológica na protecção do direito ambiental. Outros mecanismos
podem e devem ser criados para ponderar o público e o privado, evitar abusos,
cobrir enriquecimentos ilícitos e ilícitos sem reparação.
As breves linhas
de investigação ora despendidas, podem, ao menos em parte, ambicionar algumas
soluções para a problemática colocada na introdução deste trabalho. Defende-se
que a tutela privada do ambiente não pode sobrepor-se a interesses colectivos,
mas isso significa afirmar que o apuramento da pretensão deve ser tratado
conforme o número de interessados, e também sobre a perspectiva do bem
pretendido e o seu aproveitamento individual.
Caso o número de envolvidos e o bem em causa não permitir uma
verificação de plano sobre os efeitos de determinada decisão jurídica, então
evidentemente que não mais se trata de uma solução individual, e assim o
direito subjectivo do particular fica sufragado pela tutela colectiva do bem
ambiental.
Os instrumentos do
Direito Civil, hoje adaptados para solucionar as contendas da crise ambiental,
são ainda o aparelho jurídico mais eficiente para a protecção da
individualidade humana. Mas colocados em juízo o rol das necessidades da
pessoa, observa-se facilmente que mesmo estes instrumentos não dão conta de
assegurar plenamente o desenvolvimento do ambiente sadio e equilibrado.
O Direito Civil
tem mecanismos eficazes, mas não suficientes. Determinadas questões ambientais
suplantam o interesse individual, passando inclusive pelo exercício metafísico
de garantias jurídicas intemporais, como é o caso da preservação de recursos
por solidariedade intergeracional. E aqui a dinâmica dos bens ambientais não
tem conexão com interesses individualizados. Outro exemplo seria também o
pedido de indemnização por danos ecológicos, os quais suscitam dúvidas sobre a
legitimidade de um pedido indemnizatório de natureza privada. Teria alguém
legitimidade para pedir indemnização pelo desaparecimento induzido por qualquer
espécie em vias de extinção? Opta-se pela resposta negativa, justamente porque
este bem não causa prejuízo imediato ao particular, tão pouco tem apreensível
um conteúdo económico directo e individualizado. Mas o curioso é que a lei abre
esta possibilidade.
O peso e a medida
da prestação jurisdicional nos casos em que a pretensão individual se configura
ilegítima deverá, inevitavelmente, dividir os limites do público e do privado,
abrigando ou não o direito subjectivo ao ambiente.
O Direito tem a
missão por excelência de pensar a intervenção nesta situação jurídica, o que
reconstitui a própria identidade da pessoa enquanto actor do desenvolvimento,
da sustentabilidade e da adequação das suas pretensões jurídicas.
A marca de desafio
é exactamente a irreversibilidade dos processos políticos. Definir com precisão
o encargo na defesa do bem ambiental, mais do que contrapor interesses entre o
público e o privado, é compor harmoniosamente o que é dever de todos, para que
o limite não se interponha entre o individual e o colectivo, mas que seja
afinado aos anseios individuais e colectivos do bem ambiental.
7.Bibliografia
AMADO GOMES,
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Vol., AAFDL, Lisboa, 2008.
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Vol., Almedina, Coimbra, 2010.
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