1. Preliminares
O problema da
responsabilidade civil da Administração pública em matéria de ambiente é
dominado pela ideia de fragmentação do seu regime jurídico e da competência dos
tribunais.
Quanto ao regime
jurídico, temos a responsabilidade da Administração e a responsabilidade dos
particulares. Sobre a responsabilidade civil ambiental há ainda uma série de
fontes de direito (CRP, DL n.º 48051, Lei de Bases do Ambiente, Código Civil,
Lei da Acção Popular).
Quanto aos
tribunais, temos a competência da jurisdição comum e da jurisdição
administrativa, causando problemas de determinação do tribunal competente para
a reparação de danos causados pela Administração pública.
Segundo o
professor Vasco Pereira da Silva, esta fragmentação conduz a uma multiplicidade
de soluções jurídicas, o que actualmente não se justifica. Aliás, esta situação
não é inevitável. Basta olharmos para o tratamento unitário e sistemático da
responsabilidade ambiental noutros ordenamentos jurídicos, como por exemplo na
Alemanha, nos EUA e na Grã-Bretanha.
No direito
português existem três regimes jurídicos diferenciados sobre responsabilidade
civil ambiental:
a)
Regime da responsabilidade por actos de gestão pública;
b)
Regime da responsabilidade por actos de gestão privada;
c)
Regime especial de responsabilidade comum de actos de
gestão pública e de gestão privada, sempre que esteja em causa um actor
popular.
2. Responsabilidade por actos de gestão
pública
Quanto aos danos
causados no desempenho de actividades de gestão privada, a Administração
responde segundo o Direito Civil e perante os tribunais judiciais.
Pelos danos
causados no desempenho de actividades de gestão pública, a Administração
responde segundo o Direito Administrativo e perante os tribunais
administrativos.
Hoje em dia esta
distinção não faz sentido, tendo em conta que a noção de acto administrativo
evoluiu.
Actualmente,
temos uma Administração prestadora cujas actividades já não têm por base uma
lógica autoritária; antes têm carácter técnico e já não há uma dissociação
entre essas actividades prestadas por entidades públicas e entidades privadas.
Veja-se, por exemplo, as actividades prestadas por professores, engenheiros,
técnicos de informática ou médicos, entre outras. Num exemplo elucidativo
referido pelo professor Vasco Pereira da Silva, um médico que trabalha num
hospital público presta uma actividade que tem a mesma natureza que a
actividade prestada por um médico de um hospital privado, e ambos respondem
civilmente nos mesmos termos.
O mesmo
professor sugere que na esteira do actual modelo constitucional em que a
jurisdição administrativa é autónoma (art.
212.º, nº3 da CRP), a melhor solução para acabar com a dualidade de
jurisdições seria remeter todos os litígios em matéria de responsabilidade
ambiental da Administração para a jurisdição dos tribunais administrativos. E,
o regime da responsabilidade administrativa da competência dos tribunais administrativos
é susceptível de tutelar devidamente os direitos dos particulares em matéria de
responsabilidade administrativa ambiental.
A
responsabilidade administrativa por actos de gestão pública é regulada pelo DL
n.º 48051 de 21 de Novembro de 1963.
Com a publicação
do Código Civil de 1966, consagrou-se o regime da responsabilidade do Estado e
de outras entidades colectivas públicas por danos causados a terceiros por acto
dos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de gestão
privada. Mas este código acabou por não regular toda a matéria da
responsabilidade civil extracontratual da Administração, e criou-se uma
situação de ausência de regulamentação legal sobre a responsabilidade por danos
causados por actividades diferentes de actividades de gestão privada.
Esta lacuna
manteve-se até à entrada em vigor do DL 48051, de 21 de Novembro de 1963.
Este decreto-lei
aborda responsabilidade por actos ílicitos culposos e responsabilidade
administrativa (com este diploma admite-se pela primeira vez no nosso
ordenamento o princípio geral da responsabilidade da Administração
independentemente de culpa) que engloba a responsabilidade por factos causais e
por factos lícitos.
Com este diploma
o princípio da irresponsabilidade da Administração deixou de ser regra,
admitindo-se progressivamente a sua responsabilização.
3. Responsabilidade por actos de gestão
privada
O regime da
responsabilidade por actos de gestão privada encontra-se regulado nos arts.
483.º e seguintes do Código Civil. Este regime serve as relações interprivadas
e as relações em que a Administração intervém sem poderes de autoridade, regime
este que é idêntico àquele que vigora para os actos de gestão pública.
A
responsabilidade objectiva ou pelo risco em matéria de ambiente encontra-se
regulado no art. 509.º do Código Civil (danos causados por energia eléctrica ou
de gás).
Também a Lei de
Bases do Ambiente, dispõe no seu art. 41.º sobre a responsabilidade objectiva
da competência dos tribunais comuns. Mas o n.º 2 deste artigo remete a fixação
do quantitativo da indemnização para legislação complementar. Todavia, isto não
deve ser entendido como um entrave à existência de responsabilidade objectiva,
pois a remissão opera só quanto ao montante da indemnização e não quanto aos
pressupostos da responsabilidade objectiva. E, na ausência de legislação
específica, a legislação complementar é preenchida por qualquer outra norma que
caiba no âmbito da hipótese legal (por exemplo, o art. 510.º do Código Civil –
faz-se aplicação directa, pois este preceito é subsumível na previsão legal do
art. 41.º, n.º 2 da Lei de Bases do Ambiente).
Ainda, o art.
43.º da Lei de Bases do Ambiente dispõe sobre o seguro obrigatório de
responsabilidade civil relativamente a actividades que comportem um risco
elevado para o ambiente. Estes seguros destinam-se tanto às actividades privadas,
como às actividades administrativas. E, têm as seguintes vantagens: atribuição
de montantes indemnizatórios às vítimas de lesão ambiental que por vezes podem
ser bastante superiores aos que permitiria a capacidade económica da entidade
poluidora; favorecem económica e financeiramente as empresas que não vêem as
suas economias afectadas pelas altas indemnizações a pagar; incentivam atitudes
favoráveis ao ambiente através de prémios de seguro; reduzem os custos
administrativos de fiscalização do cumprimento das regras jurídicas em matéria
ambiental, transferindo esses custos para as seguradoras; reduzem o número de
litígios de responsabilidade ambiental.
4. Responsabilidade comum a actos de gestão
pública e de gestão privada
Comum à
responsabilidade administrativa da gestão pública e da gestão privada temos a
Lei da Acção Popular – Lei n.º 83/95 – decorrente dos direitos fundamentais
consagrados no art. 52.º da CRP (direito de petição e de acção popular).
Esta lei
“mistura” a tutela objectiva da legalidade e do interesse público com a tutela
jurídico-subjectiva (defesa de direitos e interesses próprios). Além disso,
associar a responsabilidade civil com a acção popular é um erro, pois são duas
figuras distintas. A primeira prende-se com o ressarcimento de um dano, e a
segunda com o alargamento do direito de agir em juízo para defesa da legalidade
e do interesse público.
Resumidamente,
temos vários problemas face aos arts. 22.º (responsabilidade civil subjectiva),
23.º (responsabilidade civil objectiva) e 24.º (seguro de responsabilidade
civil) desta lei.
Os números 1 e 3
do art. 22.º referem-se a uma indemnização em matéria de ambiente quando na
realidade estão em causa lesões individualizáveis, que não consubstanciam uma
situação de legitimidade nos termos da acção popular, mas antes de defesa de
interesses próprios.
O número 2 do
art. 22º não é claro, pois não se percebe se trata da defesa de interesses
comuns a vários titulares ou da defesa do interesse público.
Já quanto ao
art. 23.º, não se resolve o problema da fixação do quantitativo da
indemnização, e o problema da responsabilidade objectiva (sem culpa), é
independente da questão da acção popular, não existindo qualquer vantagem na
junção destas duas questões.
Finalmente, o
art. 24º não acrescente nada ao seguro obrigatório previsto na Lei de Bases do
Ambiente, supra mencionado.
6. Conclusões
Pelo exposto,
impõe-se a unificação do regime da responsabilidade civil da Administração
pública no domínio ambiental.
Quanto à
responsabilidade por actos de gestão pública, vimos que o regime da
responsabilidade administrativa da competência dos tribunais administrativos é
capaz de tutelar adequadamente os direitos dos particulares no âmbito da
responsabilidade administrativa ambiental.
Já o regime da
responsabilidade por actos de gestão privada é tão semelhante ao regime que
vigora para os actos de gestão pública, que não se entende o porquê da
dissociação dos dois regimes.
Finalmente,
quanto aos actos comuns, a Lei da Acção Popular representa vários problemas,
como foi referido, pelo que deve a jurisprudência reconstruir esta mesma lei,
de modo a permitir uma tutela efectiva da lesão objectiva dos bens públicos bem
como da lesão de interesses de grupo ou individuais homogéneos.
Bibliografia:
FREITAS DO AMARAL, Diogo – Direito
Administrativo, vol. III, Almedina;
PEREIRA DA SILVA, Vasco – Verde Cor de
Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2005;
RANGEL DE MESQUITA, Maria José – Responsabilidade
Civil Extracontratual da Administração Pública in Responsabilidade Civil da Administração Pública, coordenação de
Fausto Quadros, Almedina, 1995.
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