terça-feira, 22 de maio de 2012

Problemática da multiplicidade de regimes de responsabilidade civil da Administração Pública em matéria de Ambiente



1. Preliminares

O problema da responsabilidade civil da Administração pública em matéria de ambiente é dominado pela ideia de fragmentação do seu regime jurídico e da competência dos tribunais.

Quanto ao regime jurídico, temos a responsabilidade da Administração e a responsabilidade dos particulares. Sobre a responsabilidade civil ambiental há ainda uma série de fontes de direito (CRP, DL n.º 48051, Lei de Bases do Ambiente, Código Civil, Lei da Acção Popular).
Quanto aos tribunais, temos a competência da jurisdição comum e da jurisdição administrativa, causando problemas de determinação do tribunal competente para a reparação de danos causados pela Administração pública.

Segundo o professor Vasco Pereira da Silva, esta fragmentação conduz a uma multiplicidade de soluções jurídicas, o que actualmente não se justifica. Aliás, esta situação não é inevitável. Basta olharmos para o tratamento unitário e sistemático da responsabilidade ambiental noutros ordenamentos jurídicos, como por exemplo na Alemanha, nos EUA e na Grã-Bretanha.

No direito português existem três regimes jurídicos diferenciados sobre responsabilidade civil ambiental:

a)     Regime da responsabilidade por actos de gestão pública;
b)    Regime da responsabilidade por actos de gestão privada;
c)     Regime especial de responsabilidade comum de actos de gestão pública e de gestão privada, sempre que esteja em causa um actor popular.




2. Responsabilidade por actos de gestão pública

Quanto aos danos causados no desempenho de actividades de gestão privada, a Administração responde segundo o Direito Civil e perante os tribunais judiciais.
Pelos danos causados no desempenho de actividades de gestão pública, a Administração responde segundo o Direito Administrativo e perante os tribunais administrativos.
Hoje em dia esta distinção não faz sentido, tendo em conta que a noção de acto administrativo evoluiu.
Actualmente, temos uma Administração prestadora cujas actividades já não têm por base uma lógica autoritária; antes têm carácter técnico e já não há uma dissociação entre essas actividades prestadas por entidades públicas e entidades privadas. Veja-se, por exemplo, as actividades prestadas por professores, engenheiros, técnicos de informática ou médicos, entre outras. Num exemplo elucidativo referido pelo professor Vasco Pereira da Silva, um médico que trabalha num hospital público presta uma actividade que tem a mesma natureza que a actividade prestada por um médico de um hospital privado, e ambos respondem civilmente nos mesmos termos.
O mesmo professor sugere que na esteira do actual modelo constitucional em que a jurisdição administrativa é autónoma (art.  212.º, nº3 da CRP), a melhor solução para acabar com a dualidade de jurisdições seria remeter todos os litígios em matéria de responsabilidade ambiental da Administração para a jurisdição dos tribunais administrativos. E, o regime da responsabilidade administrativa da competência dos tribunais administrativos é susceptível de tutelar devidamente os direitos dos particulares em matéria de responsabilidade administrativa ambiental.

A responsabilidade administrativa por actos de gestão pública é regulada pelo DL n.º 48051 de 21 de Novembro de 1963.
Com a publicação do Código Civil de 1966, consagrou-se o regime da responsabilidade do Estado e de outras entidades colectivas públicas por danos causados a terceiros por acto dos seus órgãos, agentes ou representantes no exercício de actividades de gestão privada. Mas este código acabou por não regular toda a matéria da responsabilidade civil extracontratual da Administração, e criou-se uma situação de ausência de regulamentação legal sobre a responsabilidade por danos causados por actividades diferentes de actividades de gestão privada.
Esta lacuna manteve-se até à entrada em vigor do DL 48051, de 21 de Novembro de 1963.
Este decreto-lei aborda responsabilidade por actos ílicitos culposos e responsabilidade administrativa (com este diploma admite-se pela primeira vez no nosso ordenamento o princípio geral da responsabilidade da Administração independentemente de culpa) que engloba a responsabilidade por factos causais e por factos lícitos.

Com este diploma o princípio da irresponsabilidade da Administração deixou de ser regra, admitindo-se progressivamente a sua responsabilização.


3. Responsabilidade por actos de gestão privada

O regime da responsabilidade por actos de gestão privada encontra-se regulado nos arts. 483.º e seguintes do Código Civil. Este regime serve as relações interprivadas e as relações em que a Administração intervém sem poderes de autoridade, regime este que é idêntico àquele que vigora para os actos de gestão pública.
A responsabilidade objectiva ou pelo risco em matéria de ambiente encontra-se regulado no art. 509.º do Código Civil (danos causados por energia eléctrica ou de gás).

Também a Lei de Bases do Ambiente, dispõe no seu art. 41.º sobre a responsabilidade objectiva da competência dos tribunais comuns. Mas o n.º 2 deste artigo remete a fixação do quantitativo da indemnização para legislação complementar. Todavia, isto não deve ser entendido como um entrave à existência de responsabilidade objectiva, pois a remissão opera só quanto ao montante da indemnização e não quanto aos pressupostos da responsabilidade objectiva. E, na ausência de legislação específica, a legislação complementar é preenchida por qualquer outra norma que caiba no âmbito da hipótese legal (por exemplo, o art. 510.º do Código Civil – faz-se aplicação directa, pois este preceito é subsumível na previsão legal do art. 41.º, n.º 2 da Lei de Bases do Ambiente).

Ainda, o art. 43.º da Lei de Bases do Ambiente dispõe sobre o seguro obrigatório de responsabilidade civil relativamente a actividades que comportem um risco elevado para o ambiente. Estes seguros destinam-se tanto às actividades privadas, como às actividades administrativas. E, têm as seguintes vantagens: atribuição de montantes indemnizatórios às vítimas de lesão ambiental que por vezes podem ser bastante superiores aos que permitiria a capacidade económica da entidade poluidora; favorecem económica e financeiramente as empresas que não vêem as suas economias afectadas pelas altas indemnizações a pagar; incentivam atitudes favoráveis ao ambiente através de prémios de seguro; reduzem os custos administrativos de fiscalização do cumprimento das regras jurídicas em matéria ambiental, transferindo esses custos para as seguradoras; reduzem o número de litígios de responsabilidade ambiental.


4. Responsabilidade comum a actos de gestão pública e de gestão privada

Comum à responsabilidade administrativa da gestão pública e da gestão privada temos a Lei da Acção Popular – Lei n.º 83/95 – decorrente dos direitos fundamentais consagrados no art. 52.º da CRP (direito de petição e de acção popular).
Esta lei “mistura” a tutela objectiva da legalidade e do interesse público com a tutela jurídico-subjectiva (defesa de direitos e interesses próprios). Além disso, associar a responsabilidade civil com a acção popular é um erro, pois são duas figuras distintas. A primeira prende-se com o ressarcimento de um dano, e a segunda com o alargamento do direito de agir em juízo para defesa da legalidade e do interesse público.

Resumidamente, temos vários problemas face aos arts. 22.º (responsabilidade civil subjectiva), 23.º (responsabilidade civil objectiva) e 24.º (seguro de responsabilidade civil) desta lei.
Os números 1 e 3 do art. 22.º referem-se a uma indemnização em matéria de ambiente quando na realidade estão em causa lesões individualizáveis, que não consubstanciam uma situação de legitimidade nos termos da acção popular, mas antes de defesa de interesses próprios.
O número 2 do art. 22º não é claro, pois não se percebe se trata da defesa de interesses comuns a vários titulares ou da defesa do interesse público.
Já quanto ao art. 23.º, não se resolve o problema da fixação do quantitativo da indemnização, e o problema da responsabilidade objectiva (sem culpa), é independente da questão da acção popular, não existindo qualquer vantagem na junção destas duas questões.
Finalmente, o art. 24º não acrescente nada ao seguro obrigatório previsto na Lei de Bases do Ambiente, supra mencionado.


6. Conclusões

Pelo exposto, impõe-se a unificação do regime da responsabilidade civil da Administração pública no domínio ambiental.
Quanto à responsabilidade por actos de gestão pública, vimos que o regime da responsabilidade administrativa da competência dos tribunais administrativos é capaz de tutelar adequadamente os direitos dos particulares no âmbito da responsabilidade administrativa ambiental.
Já o regime da responsabilidade por actos de gestão privada é tão semelhante ao regime que vigora para os actos de gestão pública, que não se entende o porquê da dissociação dos dois regimes.
Finalmente, quanto aos actos comuns, a Lei da Acção Popular representa vários problemas, como foi referido, pelo que deve a jurisprudência reconstruir esta mesma lei, de modo a permitir uma tutela efectiva da lesão objectiva dos bens públicos bem como da lesão de interesses de grupo ou individuais homogéneos.



Bibliografia:

FREITAS DO AMARAL, Diogo – Direito Administrativo, vol. III, Almedina;
PEREIRA DA SILVA, Vasco – Verde Cor de Direito, Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2005;
RANGEL DE MESQUITA, Maria José – Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública in Responsabilidade Civil da Administração Pública, coordenação de Fausto Quadros, Almedina, 1995.





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