Direito do Ambiente
Professor
Regente: Professor Doutor Vasco Pereira da Silva
Professor
Assistente: Professor Doutor João Miranda
A protecção do ambiente no DL 203/98 de 10 de
Julho
Maria Alexandra Branco Estêvão
Nº 18251, subturma 9
Índice
Introdução página
3
Noção de salvação página 4
Os contratos de salvação marítima e o
dever de prestar socorro página 5
Referências ambientais
páginas 6 e 7
O salário de salvação marítima e o
resultado útil página 8
A compensação especial página 9
Danos ambientais para efeitos do DL
203/98 páginas 10
e 11
O valor ambiente na CL de 1989 e na Lei da Salvação
Marítima páginas
12 e 13
Conclusão página 14
Bibliografia página 15
Introdução
O DL 203/98 instituiu em Portugal um
novo regime da salvação marítima. Este diploma revogou os antigos arts. 676º a
691º do Código Comercial cuja epígrafe era ‘Da salvação e assistência’.
A diferença entre salvação e
assistência assenta na doutrina clássica
francesa, questão que ocupou igualmente grande parte da doutrina e
jurisprudência portuguesas, entre os quais Ferreira Borges, Veiga Beirão,
Adriano Anthero entre outros. A verdade é que o legislador decidiu optar pela
designação unitária de ‘salvação’, seguindo os passos da Conveção de Londres de
1989 (CL)- International Convention on Salvage.
Internacionalmente vinculada à
Convenção de Bruxelas de 1910 (CB), Portugal não ratificou a CL de 1989.
A evolução técnica e económica na àrea
do transporte marítimo no séc. XX e o progresso tecnológico influenciaram
decididamente o surgimento de nova legislação marítima.
Foi todavia o transporte de crude e
seus derivados bem como de diversos produtos químicos que constituiu a
pedra-toque na nova legislação sobre salvação marítima.
Apondo-se à CB, o preâmbulo da CL
evidencia preocupações não apenas no domínio da tutela dos privados mas também
na protecção do ambiente, principalmente no combate à poluição por
hidro-carbonetos. O regime da CL pondera a fixação do salário de salvação
marítima com base na tutela do meio ambiente e atribui ainda uma compensação
especial independentemente do resultado útil, a quem o preservar.
Foi
nos anos cinquentaque se despoletaram as
primeiras tentativas de regulamentação criteriosa do controlo da poluição
marinha.
As
décadas de 60 e 70 foram palco dos maiores vazamentos de óleo do século.
Ocorreram diversas catástrofes ecológicas que provocariam extrema transmutação
na consciência humana, no que diz respeito ao meio ambiente marinho.
O
acidente historicamente mais relevante e considerado a maior maré negra do
século XX deu-se a 13 de Maio de 1967, quando
o petroleiro Torrey Canyon encalhou no Canal da Mancha, lançando cem
mil toneladas de óleo cru na água, poluindo as costas Francesas, Belgas e
Britânicas, numa extensão de dezenas de quilômetros.
Analisaremos ao longo do trabalho a
protecção do meio ambiente na Lei da Salvação Marítima, sob clara influência da
CL de 1989, numa tentativa de clarificar o seu sentido.
Noção de Salvação
O art. 1º/1 a) do DL 203/98 de 10
Julho define salvação marítima como: ‘todo o acto ou
actividade que vise prestar socorro a navios, embarcações ou outros bens,
incluindo o frete em risco, quando em perigo no mar’. O número 2 do mesmo
artigo extende o conceito à prestação de socorro por embarcações em quaisquer
àguas nacionais: ‘ Considera-se
ainda salvação marítima a prestação de socorro em quaisquer outras águas sob
jurisdição nacional, desde que desenvolvida por embarcações.’
A CB de 1910, não tendo
optado por um conceito unitário, reconhece que ‘A assistência e salvação das
embarcações marítimas em perigo, das causas que se encontrem a bordo, do frete
e do preço da passagem, bem como os serviços de igual natureza mutuamente
prestados por embarcações marítimas e de navegação interior, ficam sujeitos às
disposições seguintes, sem que haja lugar a distinção entre estas duas espécies
de serviços, e sem que haja de atender-se às águas em que são prestados.
A CL de 1989 por sua vez
define a operação de ‘salvamento’ como ‘todo
o acto ou actividade desenvolvida para assistir um navio ou qualquer
outro bem em perigo, em águas navegáveis ou em quaisquer outras águas’.
O DL 203/98 acolhe assim
influência da CL de 1989 na sua definição de salvação marítima.
A salvação marítima pressupões
uma acção: o reboque do navio, uma reparação no casco, a extinção de um
incêndio que deflagrou a bordo, etc. Tanto qualquer acto relevante material ou
intelctual como por exemplo a prestação de assitência via rádio, solução que
acabou por ser pacífica na doutrina uma vez que a LSM foi beber à CL a
qualificação de any act or activity
undertaken to assist.
Requer ainda a existência
de um perigo no mar como requisito essencial e justificativo da autonomia deste
regime. Este perigo abrange o próprio navio e os bens que este transporte
podendo ser de origem natural ou humana. Relativamente a este conceito é
de mencionar o Acórdão do STJ nº 0016167
de 05.06.2003 relativamente ao caso Ilha da Madeira: ‘o navio "Ilha da ..." encontrava-se à deriva
no mar, que estava encrespado, longe de qualquer porto ou lugar susceptível de
amarração, não podendo navegar pelos seus próprios meios, encontrando-se em
perigo iminente, com possível perda total ou parcial do navio caso não tivesse
sido socorrido pelo ...’. Este perigo, segundo Vasconcelos Esteves e Mário
Raposo não tem de ser iminente, bastando ser real, acrescentando Januário da
Costa Gomes que este deverá ser de ‘concretização altamente provável, à luz da
experiência das coisas.’
Os contratos de salvação marítima e o dever de prestar socorro
O DL 203/98 regula a celebração de
contratos de salvação marítima e um dever geral de prestar socorro por parte de
qualquer capitão ou pessoa com idênticas funções de comando em embarcações, nos
seus arts. 2º e 3º.
O ‘salvador‘ é definido no art. 1º b)
como ‘o que presta socorro aos bens em perigo no
mar’, constituindo obrigação deste segundo o art. 4º b) do diploma ‘evitar ou minimizar
danos ambientais’.
Aliás, o próprio preâmbulo do decreto-lei salienta
como ‘revelante inovação’ a obrigação do salvador de evitar ou minimizar tais
danos: ‘o contrato de salvação marítima passou a estar condicionado pelo
interesse público da defesa do ambiente, impondo-se ao salvador, ao lado de
outras obrigações clássicas, a de evitar ou minimizar danos ambientais’.
Assim, após a principal obrigação do salvador de
‘desenvolver as operações de salvação marítima com a diligência devida, em face
das circunstâncias de cada caso’, surgem preocupações de cariz ambiental na
alínea b) do art 4º.
Esta norma é paralela à da alínea b) do nº1 do art. 8º
da CL, possuindo neste caso o salvador um dever análogo. A CB de 1910 não faz
nenhum tipo de referência ao evitar/minimizar de danos ambientais, situação que
poderá ser explicada pelo facto de a maioria dos desastres ecológicos marítimos
se terem verificado a partir da dédaca de cinquenta com uma abertura das
consciências a nível internacional para a causa ambiental no domínio do
transporte por mar.
Referências ambientais
As referências ambientais encontram-se nos arts. 2º/1,
3º/1, 5º/2 e 3, 6º/1 b), 9º/1 e 10º da LSM.
Diz o artigo 2º/1 que ‘Podem os interessados celebrar
contratos de salvação marítima em que convencionem regime diverso do previsto
no presente diploma, excepto quanto ao preceituado pelos artigos 3.º, 4.º, 9.º
e 16.º’. Assim é estabelecido um regime injuntivo que não pode ser afastado
pelas partes também em matéria de tutela ambiental, designadamente nas
obrigações do salvador e no direito a uma compensação especial. Este é um marco
fundamental do regime em que não é permitida às partes contrantes a
alteração/não inclusão destas cláusulas na celebração do contrato de salvação
marítima.
O art. 3º/1 enunciando o dever de prestar socorro
estabelece que ‘O capitão de qualquer embarcação, ou quem nela desempenhe
funções de comando, está obrigado a prestar socorro a pessoas em perigo no mar,
desde que isso não acarrete risco grave para a sua embarcação ou para as
pessoas embarcadas, devendo a sua acção ser conformada com o menor prejuízo
ambiental’. A actuação do capitão deverá então ter em conta a ponderação da
actividade com menor impacto junto do ecossistema marinho, devendo este
critério ser ponderado aquando da assitência à embarcação em perigo no mar.
‘Se o salvador não obtiver resultado útil para o
salvado, mas evitar ou minimizar manifestos danos ambientais, a sua intervenção
é remunerada, nos termos dos artigos 9.º e 10.º, mediante uma retribuição
pecuniária denominada «compensação especial»’ estabelece o art. 5º/2. O DL
203/98 inova aqui face ao regime da ratificada CB de 1910. Vai então buscar a
sua inspiração à CL de 1989 que prevê a compensação especial no seu art. 14º. O
número 3 do mesmo artigo explicita: ‘Para efeitos do número anterior,
entende-se por danos ambientais todos os prejuízos causados à saúde humana,
vida marinha, recursos costeiros, águas interiores ou adjacentes, em resultado
de poluição, contaminação, fogo, explosão ou acidente de natureza semelhante’,
conceitos que serão analisados mais à frente.
‘ O salário de salvação marítima é fixado tendo em
consideração as circunstâncias seguintes: (...) b) Os esforços desenvolvidos
pelo salvador e a eficácia destes a fim de prevenir ou minimizar o dano
ambiental’ segundo o art. 6º/1 b), o que demostra a importância e o incentivo
para o salvador no sentido de consciência e ponderação ecológica aquando do
acto de salvamento.O art. 9º/1 estabelece que ‘Se o salvador desenvolver actividades de salvação marítima em relação a navio ou embarcações que, por eles próprios ou pela natureza da carga transportada, constituam ameaça para o ambiente e não vença salário de salvação marítima, tem direito a uma compensação especial, da responsabilidade dos proprietários do navio ou embarcação e dos restantes bens que se conseguiram salvar, igual ao montante das despesas efectuadas, acrescido de 30%’, designando tal retribuição como compensação especial.
Por fim o art. 10º/1 refere que ‘Não tendo o devedor da compensação especial procedido ao seu pagamento dentro dos 60 dias contados da interpelação judicial ou extrajudicial pelo salvador, pode este exigir imediatamente ao Estado a respectiva satisfação’.
O salário de salvação marítima e o resultado útil
O salário de salvação marítima é a contrapartida
pecuniária a auferir pelo salvador, no caso de produção de resultado útil:
‘Havendo resultado útil para o salvado, é a salvação marítima remunerada
mediante uma retribuição pecuniária denominada «salário de salvação marítima»’
(art. 5º/1).
O resultado útil traduz-se numa melhoria da situação
dos bens objecto de salvação, a avaliar tendo em conta o momento, lugar e
circustâncias específicas.
A
CB de 1910 fixa que ‘Todo e qualquer acto de assistência ou de salvação que
houver tido um resultado útil dará lugar a uma remuneração equitativa’ e que
‘Nenhuma remuneração será devida no caso de o socorro não ter dado resultado
útil’. A CL de 1989 não utiliza todavia a expressão ‘resultado útil’ mas
‘resultado benéfico’ afirmando que ‘Salvo disposição em contrário, nenhuma
recompensa é devida de acordo com esta Convenção,caso as operações de
salvamento marítimo não tenham obtido um resultado benéfico.’ É a regra no cure no pay.Enquanto critério de fixação do valor do salário de salvação marítima, o art. 6º/1 b) destaca ‘os esforços desenvolvidos pelo salvador e a eficácia destes a fim de prevenir ou minimizar o dano ambiental’.
As preocupações ambientais estão até subjacentes no montante a auferir pelo salvador, servindo como elemento valorativo e persuasor, uma vez que este será mais elevado se o salvador tiver em conta o facto ambiente.
Independentemente do resultado útil, o salvador pode todavia ver os seus esforços recompensados se mesmo assim evitar danos ambientais. A sua actuação é assim remunerada através de uma compensação especial.
Deste modo, a influência do salvador no ambiente é duplamente valorada: na fixação do salário de salvação marítima e na atribuição da compensação especial.
A compensação especial
A compensação especial é uma prestação retributiva a
atribuir ao salvador se este desenvolver actividades de salvação marítima
relativamente a embarcações que constituam perigo para o ambiente mas não vença
salário de salvação marítima, isto é, não produza resultado útil.
O art. 9º/1 diz então ‘Se o salvador desenvolver
actividades de salvação marítima em relação a navio ou embarcações que, por
eles próprios ou pela natureza da carga transportada, constituam ameaça para o
ambiente e não vença salário de salvação marítima, tem direito a uma compensação
especial, da responsabilidade dos proprietários do navio ou embarcação e dos
restantes bens que se conseguiram salvar, igual ao montante das despesas
efectuadas, acrescido de 30%.’
O legislador assiná-la no preâmbulo como sendo esta
igualmente uma inovação: ‘ a fim de incentivar o interesse dos salvadores na
defesa do ambiente cria-se uma compensação especial a atribuir ainda que não
tenha havido resultado útil para o salvado e, consequentemente, o salvador não
vença salário de salvação marítima (princípio no cure no pay)‘.
Para
efeitos do dipoma, ‘despesas’ são todos os gastos
realizados com pessoal e material, incluída a amortização deste, realizados
pelo salvador.
No número 3 do art. 9º o legislador refere ainda quem
em casos de especial dificuldade na operação de salvação, o tribunal pode
elevar o valor da compensação até ao dobro das despesas realizadas. Assim e no
máximo, o valor acrescido ao montante das despesas pode ser elevado aos
100%.Este é um especial factor de incentivo ao salvador uma vez que mesmo na
ausência de resultado útil, vê a sua actuação remunerada até ao dobro das
despesas que na realidade realizou.
Aqui o regime do DL 203/98 é evidentemente fruto da CL
1989 (em especial artigo 14º): ‘1.Caso o salvador tenha realizado operações de
salvamento marítimo em relação a um navio em que ele próprio, ou a respectiva carga, tenha constituído ameaça ao meio-ambiente, e não
tenha recebido uma recompensa nos termos do artigo 13 no mínimo equivalente à
compensação especial calculada de acordo com o presente artigo, o salvador fará
jus a uma compensação especial, a ser paga pelo proprietário daquele navio,
equivalente às suas despesas, como aqui
definidas.
2. Caso, nas circunstâncias previstas no parágrafo 1,
o salvador tenha prevenido ou minimizado danos ao meio-ambiente ao realizar as
operações de salvamento, a compensação especial a ser pagapelo proprietário do
navio ao salvador, de acordo com o previsto no parágrafo 1, poderá ser elevadaaté
o máximo de 30% das despesas efetuadas pelo salvador. No entanto, caso julgado
razoável justo, e considerando o critério
relevante estabelecido no artigo 13
parágrafo 1, tal compensação especial poderá ser ainda mais elevada por decisão
judicial, mas em circunstância alguma ultrapassando 100% das despesas efetuadas
pelo salvador.’
Danos ambientais para efeitos do DL 203/98
Não tenho o salvador obtido resultado útil, o
recebimento da compensação especial está na dependência da sua actuação de
´evitar ou minimizar manifestos danos ambientais’.
Para efeitos do número 2 do art. 5º, o número 3 do
mesmo artigo considera danos
ambientais ‘todos os prejuízos causados à saúde humana, vida marinha, recursos
costeiros, águas interiores ou adjacentes, em resultado de poluição,
contaminação, fogo, explosão ou acidente de natureza semelhante’.
Procuremos então clarificar os conceitos:
Ø Prejuízo
causado à saúde humana no âmbito de
operações de salvação:
Poderá ser o
caso de sujeitos aquando da operação de salvação, a bordo de embarcação que
transporte substâncias explosivas (uma
substância que não seja por si só um explosivo, mas que possa formar uma
atmosfera explosiva de gás, vapores ou pó), artigos explosivos (dispositivos contendo substâncias explosivas em
quantidade tal, ou com características tais, que a sua ignição ou iniciação inadvertida
ou acidental durante o transporte cause qualquer efeito externo ao dispositivo),
gases inflamáveis (possuem uma faixa
de inflamabilidade com o ar de pelo menos 12%, independentemente do limite
inferior de inflamabilidade), gases
tóxicos(os que são reconhecidamente tóxicos ou corrosivos para seres
humanos, a ponto de constituírem um risco para a saúde) líquidos inflamáveis (líquidos, ou misturas de líquidos, ou
líquidos contendo sólidos em solução ou em suspensão que produzam vapores
inflamáveis a 60°C ou menos num ensaio em vaso fechado,normalmente referido
como “ponto de fulgor”), substâncias
tóxicas (substâncias passíveis de causar a morte, lesões graves ou danos à
saúde humana se ingeridas ou inaladas, ou através de contato com a pele), substâncias corrosivas (substâncias
que, por meio de uma acção química, causam danos graves quando em contato com
tecidos vivos ou, em caso de vazamento, causam danos materiais, ou até mesmo
destroem, outros produtos ou o próprio meio de transporte) ou substâncias infectantes (substâncias
que se saiba, ou que seja razoavelmente esperado, que contenham patógenos.
Patógenos são definidos como microorganismos e outros agentes, que podem causar doenças em seres humanos).
Ø Prejuízo
causado à vida marinha, recursos costeiros e àguas interiores ou adjacentes no
âmbito de operações de salavação:
Poderá ser o caso de embarcações que transportem substâncias
que oferecem risco ao meio ambiente abrangendo, entre outras, substâncias
líquidas ou sólidas, poluentes para o meio ambiente aquático, e soluções e misturas de tais
substâncias (como preparados e resíduos). Neste grupo destacam-se os àcidos, os compostos de amônio, os
bromatos, cloratos, cloritos, cianetos,metais pesados e seus sais, chumbo e
seus compostos, hidrocarbonetos líquidos e mercúrio e seus compostos. O
meio aquático possui características particulares que favorecem os efeitos nocivos da poluição. Por
um lado, a natural mobilidade da água contribui para a rápida dispersão dos
poluentes nela lançados. Os rios transportam-nos até ao mar e as correntes
marítimas dispersam-nos por todos os oceanos,pelo que o equilíbrio dos recursos
marinhos se encontram seriamente ameaçados pela poluição química. O petróleo é
o principal causador de poluição aquática. Por um lado, a luz que penetra na
água, é fortemente reduzida pelos lençóis de petróleo que se formam, afectando
assim a fotossíntese. Por outro lado, diminui a quantidade do oxigénio
dissolvido, o que leva à asfixia da fauna. É de notar que a biodegradação de um
litro de petróleo, consome o oxigénio dissolvido em 320 000 litros de água do
mar.
O valor ambiente na CL de 1989 e na Lei da Salvação
Marítima
A protecção do valor ambiente relativamente ao meio marinho é das
principais preocupações da comunidade internacional, estando tal patente na
Secção 5 da Parte XII da Convenção de Montego Bay. É de destacar o art. 211º
relativo à ‘poluição proveniente de embarcações’. Este artigo define que os
Estados devem estabelecer regras e normas de
carácter internacional para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio
marinho proveniente de embarcações e promover a adopção de sistemas de fixação
de tráfego destinados a minimizar o risco de acidentes que possam causar a
poluição do meio marinho. O art. 192º dispõe também que ‘Os Estados têm a
obrigação de proteger e preservar o meio marinho’.
De entre as regras internacionais, é a
Convenção de Londres de 1989 que se destaca no tema em análise.
Sendo reconhecido o papel de continuidade da CL
face à CB 1910, que mantem várias das suas soluções, são de destacar:
Ø a consagraçao do princípio ‘no cure no pay’;
Ø a consagração do perigo dos bens socorridos como elemento essencial;
Ø a consagração do dever de socorro a pessoas em perigo no mar;
Ø o relevo da
autonomia da vontade na celebração dos contratos de salvação;
Ø a definição
de critérios para o cálculo da remuneração.
Todavia, apesar de ser uma continuação, a CL é mais que um avanço,
é uma superação, contendo diversos traços novos e distintivos:
Ø o alargamento
do âmbito de aplicação, deixando de se falar em ‘salvação maritima’ para se
falar em ‘salvação’;
Ø o relevo
conferido à protecção do ambiente com aquilo que o Prof. Januário da Costa
Gomes designa como ‘brechas ao princípio no cure no pay’;
Ø o relevo dos
contratos de salvação marítima e a sua disciplina;
Ø a preocupação
com a equidade da remuneração.
Quanto ao valor da protecção do ambiente, Bonassies diz que ele se
encontra ‘no coração do sistema’. Diversamente dos considerandos da CL 1989,
que consideram a necessidade desta nova regulamentação face à evolução técnica
e tecnológica e com o surgimento de novas preocupações ambientais, o preâmbulo
da LSM enumera as principais inovações do diploma, unificando os conceitos de ‘assitência’
e ‘salvação’. Enumera de seguida o preâmbulo as mais ‘relevantes inovações’
entre as quais a ‘obrigação do salvador de evitar ou minimizar danos ambientais’
e a ‘compensação especial’.
No preâmbulo é dito que ‘o contrato de salvação marítima passa a
estar condicionado pelo interesse público de defesa do ambiente’, expressão
infeliz uma vez que esta tutela se alarga também à salvação espontânea.
O art. 4º da LSM enuncia o ‘código de conduta das operações de
salvação’ segundo Bonassies. Entre estes deveres encontra-se o de desenvolver
as operações de salvação ‘com a diligência devida em face das circunstâncias de
cada caso’.Este dever e numa lógica obrigacionista, seria a prestação principal
do salvador.
Na alínea b) do art. 4º surge o dever de o salvador ‘evitar ou
minimizar danos ambientais’. O Prof. Januário da Costa Gomes salienta aqui mais
uma vez técnica obrigacionista do estabelecimento de deveres para as partes.
Todavia o seu incumprimento tem apenas reflexo no salário de salvação- art.
6º/1 b).
Continuando na linha do regime da CB 1910, o art. 3º/1 LSM impõe
ao capitão o dever de prestar socorro a pessoas em perigo no mar, ‘desde que
isso não acarrete risco grave para a sua embarcação ou para as pessoas embarcadas,
devendo a sua acção ser conformada com o menor prejuízo ambiental’. Esta sim é
uma inovação face à CB 1910. Para Mário Raposo, há aqui um desvirtuar do
sentido da obrigação de prestar socorro, havendo uma colisão entre valores
ambientais e a vida humana, com primazia para os primeiros. O Prof. Januário da
Costa Gomes critica esta opinião como ‘exagerada’.
A compensação especial começou por ser uma criação da prática de
operações de salvação a petroleiros. O art. 14º/5 da CL 1989 admite que o
salvador seja privado de parte ou da totalidade da compensação se por
negligência não tiver podido evitar ou minorar danos ambientais.
A LSM prevê a atribuição de compensação especial sobre clara
influência da CL 1989. O art. 5º consagra no seu nº1 o príncipio da salvação
clássica: o princípio no cure no pay. No nº 2 prevê a compensação especial.
Enquanto que o pagamento do salário de salvação é feito de acordo com o
clássico regime da avaria grossa, o pagamento da compensação especial é feito
de acordo com as regras comuns.
Conclusão
O regime do DL 203/98 foi criado na esteira da CL 1989, todavia
não ratificada por Portugal, que apenas ratificou a CB 1910.
Possuindo um regime de salvação marítima inovador face aos
revogados artigos do Código Comercial cuja epígrafe era ‘Da salvação e
Assistência’, a LSM introduz conceitos como ‘compensação especial’ e faz surgir
um novo dever junto do salvador de ‘evitar ou minimizar danos ambientais’.
Após uma análise histórico-comparativa entre os regimes da CB
1910, da CL 1989 e do DL 203/98, procurei clarificar certos conceitos
relativamente à produção de danos ambientais, procurando exemplificar mais
detalhadamente que prejuízos estariam em causa. Esta densificação de conceitos
pode ser útil uma vez que as operações de salvação marítima são acções
complexas em que a ponderação de diversos factores têm de ser tidos em conta de
forma a ser conciliada a tutela da vida humana e os valores ambientais.
Bibliografia
AURELIANO, Nuno, A Salvação Marítima, Edições Almedina 2006
GOMES, Manuel Januário da Costa, O Ensino do Direito Marítimo,Edições
Almedina 2005
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