domingo, 20 de maio de 2012

Os crimes ambientais: acessoriedade e o princípio da legalidade



O Direito Penal do Ambiente


Os crimes ambientais: acessoriedade e o princípio da legalidade






Madalena Afra Rosa
Nº 18270
4.º ano, Turma A – Subturma 9
20 de Maio de 2012



Introdução
Apesar do carácter eminentemente preventivo do direito do ambiente, a Administração sempre lidará com transgressões, pelo que será essencial a existência de um sistema sancionatório contra-ordenacional e, subsidiariamente, penal.
Os crimes ambientais foram introduzidos no Código Penal português através da Revisão de 1995, não obstante existir, então, alguma legislação avulsa que tratava de matérias como a lei da caça, incêndios florestais e infrações anti-económicas.
Está já ultrapassada a discussão sobre a necessidade de proteção do ambiente enquanto tal, pelo direito penal. Também o problema da responsabilidade penal das pessoas coletivas quanto a este tipo de crimes parece estar suplantado com a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, passando o art. 11.º CP a dispor que: “as pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de outras pessoas coletivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos (…) 262.º a 283.º, (…) quando cometidos: a) Em seu nome e no interesse coletivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem.”
Neste trabalho procurarei decompor cada um dos crimes previstos no Código Penal, assim como analisar os temas da acessoriedade administrativa do Direito Penal do Ambiente e a possível desresponsabilização dos agentes que dela deriva e da violação do princípio da legalidade penal com o recurso às normas penais em branco.


Os crimes ambientais em concreto
Os crimes ambientais puros, aproveitando a denominação de J. Souto Moura, são os previstos nos artigos 278.º, 279.º, 279.º-A e 280.º do Código Penal. Quanto à sua natureza, são crimes públicos, pelo que o respetivo processo penal não se encontra na disponibilidade das partes, tendo o Ministério Público legitimidade para promover o mesmo, independentemente de queixa ou acusação particular, na sequência de uma denúncia.
O bem jurídico-penal tutelado com estas incriminações é a qualidade do ambiente.
Aquando da feitura do Código Penal português de 1982, apenas se previa uma forma de criminalização da poluição. Dispunha o então artigo 269.º, com a epígrafe “contaminação e envenenamento de água” que quem corrompesse, contaminasse ou poluísse, por meio de veneno ou outras substâncias prejudiciais à saúde, água que pudesse ser utilizada para consumo humano, criando um perigo para a vida ou de grave lesão da saúde ou da integridade física de outrem, seria punido com prisão de 2 a 8 anos e multa de 100 a 150 dias.
Em 1995, quando o anterior Código foi revogado, o crime de poluição passou a estar previsto com a epígrafe atual de “poluição”, e com um âmbito bastante mais amplo que o anterior incluindo não só a poluição da água como também a do solo, do ar e a poluição sonora.
Em 1995 foram introduzidos também no nosso Código Penal os crimes de danos contra a natureza e de poluição com perigo comum. Recentemente, em 2011 foi aditado ao Código o crime de atividades perigosas para o ambiente.

A inserção dos crimes ambientais no Código trouxe algumas discussões doutrinárias quanto à sua natureza – seriam crimes de dano, de perigo concreto ou abstrato, de desobediência/dever, sendo que cada uma dessas construções trazia consigo críticas: se crime de perigo abstrato, dificilmente se conciliaria com o princípio da culpa, uma vez que se o perigo for o motivo de incriminação, não haveria necessidade da ação proibida revelar a concreta falta de motivação pela norma e a culpabilidade do agente; se crime de perigo concreto padeceria de dificuldade de prova da causalidade, uma vez que normalmente não é só um agente que produz o efeito intolerável; se crime de dano, pressuporia uma intervenção tardia do Direito Penal, suscitando dificuldades de imputação objetiva em situações de causalidade cumulativa, não havendo propriamente prevenção e sendo impensável enumerar todos os comportamentos proibidos de forma exaustiva; se crime de desobediência, violaria a reserva de lei da Assembleia da República e desvirtuariam o tipo incriminador definido pelo legislador penal.
A solução defendida por Souto Moura seria de que dependeria do grau de dependência do crime face ao direito administrativo, consagrando o Código um sistema misto.

A.    Danos contra a natureza (art. 278.º)[1]
O bem jurídico protegido pela incriminação, segundo P. Pinto de Albuquerque, é a preservação da natureza, nas suas vertentes biofísicas (habitat natural, recursos do subsolo) e biológicas (fauna e flora). Tratando-se de um “crime de perigo comum” está em causa uma conduta humana eticamente reprovável. P. Pinto de Albuquerque e J. Souto Moura defendem que o crime de dano contra a natureza em sentido estrito tem uma dupla natureza: é crime de dano quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos protegidos e é um crime de resultado combinado com um delito de desobediência quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação.
O art. 278.º prevê uma conduta típica associada a um resultado também típico: eliminação de exemplares de fauna ou flora; destruição de habitat natural; afetação de recursos do subsolo de forma grave.
A formulação “quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições” aditada ao Código na alteração legislativa de 2007, trouxe maior complexidade ao crime de danos contra a natureza que passa assim a ser caracterizado como crime de desobediência. As expressões “número significativo” nas alíneas a) e b) do nº 1 e “afetação grave”, na alínea c) do mesmo, não são definidas pelo legislador, ficando portanto ao critério do intérprete, sendo este recurso a conceitos indeterminados criticável uma vez que o legislador poderia ter densificado tal significado como fez no art. 279.º, nº 6.
A nova formulação (2011) do nº 2 do artigo é de aplaudir uma vez que a ausência da exigência do observação de disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições dava a ideia de que qualquer espécie protegida, partes dela, ou produtos dela, nunca poderia ser comercializada, questionando, na altura, J. Souto Moura se isso impediria a aquisição de certos animais para jardins zoológicos ou circos, entre outros. Esta recente revisão do CP previu também, quanto crime de danos contra a natureza, que este passe a aplicar-se àqueles que possuírem ou detiverem exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, passando estas situações a ser puníveis, independente e autonomamente da comercialização.

B.     Poluição (art. 279.º)[2]
Considerado como crime de desobediência qualificada por Augusto Silva Dias e Anabela Rodrigues, por exigir um desrespeito à norma administrativa ambiental conjuntamente com um dano significativo ao meio ambiente, classificação criticada por Leones Dantas e Souto Moura, que, defendendo que só se o conceito de poluição inadmissível omitisse qualquer referência à natureza, qualidade ou quantidade dos valores da emissão poluentes, se poderia falar de crime de desobediência, o classifica como crime de dano uma vez que as normas do CP não se contentam com o mero incumprimento das diretivas violadas e com o perigo abstrato para os bens jurídicos ambientais, antes exigindo um dano efetivo derivado desse incumprimento. Já P. Sousa Mendes configura o crime de poluição como um crime de perigo abstrato potencial.
Toda e qualquer atividade humana é suscetível de poluir. Como tal e, como manifestação o princípio da necessidade de tutela penal, só a poluição de que resulte “danos substanciais” (em versões anteriores previa-se noutras formulações como “em medida inadmissível” ou “de forma grave”) é que violará o bem jurídico “qualidade do ambiente”, protegendo-se apenas as violações que ponham em causa os níveis de tolerabilidade suportáveis pela sociedade, ultrapassando os limites do risco permitido, prejudicando a qualidade de vida mínima num ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.
A conduta neste crime confunde-se com o resultado uma vez que o comportamento proibido é poluir, contando que provoque como resultado uma poluição “causando danos substanciais”.
Poluição será o fenómeno de alteração dos elementos naturais do meio ambiente, de forma tal que a sua composição ou o seu estado se alterem, temporária ou permanentemente, prejudicando a sua devida utilização e fruição pelo ser humano em termos comparativos ao seu estado natural antes da atividade humana poluidora.
Este artigo foi alterado em 2011, numa tentativa de tornar a sua previsão mais abrangente e eficaz. Esta alteração correspondeu à transposição da Diretiva nº 2009/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro de 2009, destacando-se a introdução do conceito de “danos substanciais” em substituição da conduta de poluir de forma grave, o aditamento do “modo significativo” ao “modo duradouro” da poluição, aditando ao relevo do horizonte temporal de persistência do dano a importância do seu impacto ambiental e a previsão da punibilidade não só de quem provoque a poluição propriamente dita como de quem cause danos substanciais às qualidades de vários componentes ambientais (como a qualidade do ar, da água e do solo) à fauna ou à flora.

C.    Atividades perigosas para o ambiente (art. 279.º-A)
A tipificação deste crime em 2011, na 28.ª alteração ao CP, correspondeu à transposição de duas diretivas comunitárias, - Diretiva n.º 2008/99/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro, e a Diretiva n.º 2009/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Outubro - com o objetivo de assegurar que em todos os Estados-Membros da União Europeia exista uma proteção penal contra comportamentos que prejudiquem ou ponham em perigo o ambiente e contra a poluição marítima causada por navios.
Este novo artigo 279.º-A tem a seguinte redação: «1 - Quem proceder à transferência de resíduos, quando essa atividade esteja abrangida pelo âmbito de aplicação do n.º 35 do artigo 2.º do Regulamento (CE) n.º 1013/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de Junho, relativo à transferência de resíduos, e seja realizada em quantidades não negligenciáveis, quer consista numa transferência única quer em várias transferências aparentemente ligadas, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias.; 2 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, produzir, importar, exportar, colocar no mercado ou utilizar substâncias que empobreçam a camada de ozono é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.;» O nº3 prevê a punição por negligência das condutas dos nºs 1 e 2.
Parece tratar-se, também, de crime de desobediência.
Entre as atitudes listadas estão a descarga, emissão ou introdução de matérias ionizantes na atmosfera, no solo ou na água, a recolha, o transporte, a valorização ou a eliminação de resíduos, exploração de instalação onde decorram atividades perigosas ou sejam armazenadas substâncias perigosas, ou operações de materiais nucleares.


D.    Poluição com perigo comum[3]
Trata-se de um crime de perigo concreto, originado na poluição, tida como mero instrumento de criação do perigo. Não se tratará, tanto assim, de um crime ecológico puro uma vez que os bens jurídicos protegidos são a vida, a saúde e o património e não diretamente a qualidade ambiental. Como refere J. J. Gomes Canotilho a partir desta norma o ambiente é apenas tutelado de forma mediata.



A acessoriedade do Direito Penal Ambiental face ao Direito Administrativo Ambiental e o problema da admissibilidade da adoção de normas penais em branco, em especial, no artigo 279.º

O Direito do Ambiente é tratado por vários ramos do direito, tanto públicos como privados, a saber, o Direito Constitucional, Administrativo, Penal, Civil, Fiscal, sendo que entre estes se destaca o Direito Público, e no seu seio, o Direito Administrativo.
No ordenamento português verificamos que, quanto ao modelo ideal de tutela sancionatória do meio ambiente, tem privilégio a via administrativa, visto que a maior parte dos delitos ambientais efetivamente sancionados correspondem a contra-ordenações[4] e que o CP como já disse anteriormente, contém um elenco reduzido de crimes ambientais, argumentando, Mª Fernanda Palma, nesta linha, que se atente aos meios sancionatórios que o direito de mera ordenação social oferece (ao nível das sanções acessórias) e ao seu critério predominante de fim e medida da sanção que é a reparação do dano e a desmotivação do infrator através de uma sanção pecuniária.
São apontadas por V. Pereira da Silva como vantagens da tutela administrativa sancionatória ambiental a maior celeridade e eficácia na punição do infrator que decorre da simplicidade do procedimento administrativo por comparação com o processo judicial, a maior facilidade na responsabilização de pessoas coletivas, para além das singulares, e a salvaguarda da autonomia do Direito Penal que não necessita de estar mais subalternizado às estatuições das autoridades administrativas, mantendo-se a “pureza” do tipo legal dos crimes e da dogmática penal. Anabela Rodrigues refere também que o legislador administrativo tem maior facilidade em emitir normas e uma maior proximidade com os processos e progressos tecnológicos.
Como inconvenientes temos que o direito administrativo concede ao agressor menores garantias de defesa em relação ao processo penal, observando-se, também, a tendência de se transformar a sanção administrativa pecuniária num simples custo da atividade económica poluente, levando à necessidade de aplicar multas de valor elevado para que se consiga um efeito dissuasivo dos comportamentos lesivos ao ambiente.
Deste modo a coexistência de sanções administrativas e penais parece ser a melhor solução.

O Direito Penal somente intervém quando se tratem de comportamentos cuja censurabilidade seja indiscutível e consensual dentro da comunidade – princípio da culpa -, e perante a ineficácia de outros meios na proteção do bem jurídico, visto que a pena criminal deve ser estritamente necessária e adequada, só sendo criminalizadas as condutas que ponham em causa, de forma inadmissível, os bens jurídicos essenciais para a convivência em sociedade – princípio da necessidade da pena, o que só comprova o já referido protagonismo administrativo na solução das infrações ambientais, ficando o direito penal responsável por punir as que representem uma maior gravidade.

Cabe ao Direito Administrativo e não ao Direito Penal, pelas razões já enunciadas, definir os níveis toleráveis e intoleráveis pela sociedade das ofensas ao meio ambiente, justificando-se assim a dependência do Direito Penal face ao Direito Administrativo em respeito pelo princípio da unidade da ordem jurídica.
Esta dependência comporta vários modelos possíveis. A. Silva Dias distingue entre a sua inexistência, a sua forma absoluta ou a sua forma relativa. A primeira está absolutamente afastada, pelas razões já apontadas, não cabendo ao direito penal punir, por exemplo, o crime de poluição em termos absolutos, tornando impossível a utilização dos recursos naturais pelo Homem. O oposto também não pode ser permitido, uma vez que assim o tipo incriminador se esgotaria na descrição administrativa, transformando-se a autoridade administrativa responsável no legislador penal.
Assim, dever-se-á adoptar o modelo de acessoriedade ou dependência administrativa relativa, constituindo a infração de deveres administrativos um elemento constitutivo do tipo incriminador complementar. Esta acessoriedade do direito penal face ao administrativo, como defendido por Anabela Rodrigues permite uma maior segurança jurídica, já que o preenchimento da norma penal em branco é feito por prescrições administrativas ou legais, que representarão, então, uma condição objectiva de punibilidade.

O legislador penal recorre, assim, a normas penais em branco para definir a norma de comportamento, remetendo para outras disposições legais ou para normas administrativas, que não poderão definir elementos relevantes do tipo penal.

Caberá, aqui, uma exposição mais detalhada desta questão das normas penais em branco.
Nos termos do princípio da legalidade penal (art. 29.º, nº 1 CRP), a lei que define o crime tem de ser uma lei certa (nullum crimen nula poena sine lege certa”), pelo que o tipo incriminador deverá ser determinado ou objetivamente determinável. Isto traz o problema da constitucionalidade das normas penais em branco. A norma penal em branco será aquela da qual consta a sanção/ameaça penal por inteiro (estatuição) mas cuja previsão está incompleta por remeter em parte para outra norma. Figueiredo Dias considera inevitável a formulação de tipos legais que não renunciem à utilização de elementos normativos, conceitos indeterminados, cláusulas gerais e de fórmulas gerais de valor. Esta dificuldade prende-se também com a remissão da lei penal, não só para outras disposições legais, para regulamentos ou inclusivamente atos administrativos promulgados em outro tempo e lugar, que poderá contrariar a competência exclusiva da Assembleia da República na definição de crimes (art. 165.º, 1, c) CRP) e o art. 112.º, nº 5 da CRP
O Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre este tema no Acórdão 427/95, no qual foi relatora conselheira Mª Fernanda Palma, sobre o conceito indeterminado da “utilização de aditivos nos géneros alimentícios”, sendo que será admissível a remissão para outras formas legais desde que não se delegue, através da mesma, o poder de definir o conteúdo da incriminação, devendo constar da norma penal em branco os três critérios do ilícito penal - desvalor da ação proibida, desvalor do resultado lesivo e identificação do bem jurídico tutelado. É permitida a concretização técnica da delimitação negativa da regra geral de proibição. A segurança dos destinatários não será afetada pela indeterminação da norma legal remissiva, existindo uma imediata possibilidade de orientar a consciência ética para o desvalor do direito quando se realiza a conduta prevista na norma legal incriminadora.
A tipificação penal deverá ser o mais completa possível restando às normas ou atos administrativos uma função auxiliar de compreensão da norma penal.
Como já referi, tanto o crime de danos contra a natureza como o crime de poluição têm na sua previsão o seguinte “quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições”. Tal constitui precisamente uma norma penal em branco, admissível e constitucional, a meu ver, uma vez que orienta, tomando como exemplo o crime de poluição do artigo 279.º, suficientemente os destinatários quanto às condutas proibidas, existindo uma imediata possibilidade de orientar a consciência ética para o desvalor do direito quanto se realiza a conduta prevista na norma legal incriminadora. Estão preenchidos os critérios do ilícito penal: temos como desvalor da ação proibida “provocar poluição sonora ou poluir o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais”, como desvalor do resultado lesivo “causando danos substanciais” e como bem jurídico tutelado a qualidade do ambiente (ar, água, solo). Assim podemos observar recorrendo ao tipo incriminador o nexo entre a conduta e o resultado material, sendo que serão imputáveis criminalmente os resultados de ações poluidoras que ultrapassem os valores-limite juridicamente fixados, de risco permitido, causando um resultado substancialmente danoso, privando ou reduzindo a possibilidade de fruição do bem ambiental. Esta formulação do artigo é o suficiente para conseguir que o agente se motive pela norma, respeitando o princípio da culpa.
Não vejo, de igual modo, outra alternativa que não esta remissão para o direito administrativo, uma vez que não era prático sujeitar o Código Penal a sucessivas alterações, nem cabe, como já disse, ao legislador penal a definição de certas prescrições, eminentemente administrativas.

Para o crime de poluição existe, para além disto, a exigência de uma condição objetiva de punibilidade, devendo a autoridade administrativa competente notificar previamente o infrator de que caso ultrapasse os limites ou condições por ela fixados, irá incorrer no crime de poluição do art. 279.º. Na falta desta notificação, se o infrator ultrapassar tais limites não poderá ser responsabilizado criminalmente.
Na minha opinião tal situação é inconcebível, uma vez que traduzirá numa dependência absoluta do Direito Penal em relação ao Direito Administrativo, tirando autonomia ao Direito Penal, transformando-se a Administração no legislador penal e afrontando o princípio da subsidiariedade da tutela penal, ampliando a criminalização, uma vez que as normas administrativas são como que elevadas a um cariz criminal. O bem jurídico carece de delimitação uma vez que a conduta criminal atenderá a um ato administrativo e não a um bem essencial da sociedade.
Assim, creio que, neste caso teríamos sim uma violação do princípio da legalidade penal, uma vez que não se determinou neste artigo de forma suficiente o tipo incriminador, já que a falta de uma norma ou ato administrativo impossibilitará, não obstante a provocação de poluição com danos substanciais, a constituição do crime, deixando o crime de ser o de poluição mas eminentemente a desobediência administrativa (como afirmam portanto Anabela Rodrigues e Augusto Silva Dias).
Melhor solução seria a secundarização da componente da desobediência do crime, sendo prevista como mera possibilidade de preenchimento do tipo, ao lado do desrespeito de normas, sem a necessidade do ato administrativo de notificação, do mesmo modo que está previso o crime de danos contra a natureza do Código.
Paulo Sousa Mendes apresenta outra crítica ao crime de poluição, ligada à possível invalidade do ato administrativo cuja desobediência é condição para a punibilidade da conduta. Se por exemplo, uma licença for ilegal e o juiz anulá-la (o Professor dá o exemplo da licença ilegal por desvio de poder) tal anulação não destruirá as consequências jurídicas já produzidas pela licença, mas o agente não será responsabilizado. O que também se figura como inadmissível.
Anabela Rodrigues soluciona este problema afirmando que tratando-se do crime de poluição de um crime de desobediência qualificada às limitações impostas pela autoridade administrativa tendo como resultado danos ecológicos, não interessa a ilegitimidade do ato, bastando que tenha havido intenção de poluir pelo agente. Assim se o agente agiu ao abrigo de uma licença que não respeita os limites, tendo esta sido obtida por coação ou fraude, será punido em função da atuação mediante autorização ilegítima com intenção de poluir em medida administrativa proibida e não por ter atuado através de uma autorização considerada administrativamente nula.
Fica também por resolver os casos em que o particular não peça a autorização ou licença, em que aparentemente não haverá responsabilização pela poluição que cause danos substanciais.



Bibliografia:
·         Mª Fernanda Palma, Direito Penal do Ambiente – Uma Primeira Abordagem, 1994;
·         J. J. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, 1998
·         Mª Fernanda Palma, Acerca do estado actual do Direito Penal do Ambiente, 2000;
·         P. de Sousa Mendes, Vale a pena o Direito Penal do Ambiente, 2000;
·         V. Pereira da Silva, Verde Cor de Direito – Lições de Direito do Ambiente, 2002;
·         J. de Figueiredo Dias, Sobre a Tutela Jurídico-Penal do Ambiente: Um ponto de vista português, 2005
·         J. Souto Moura, Crimes Ambientais, 2007;
·         P. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2010
·         Anabela M. Rodrigues, Comentário Conimbricense ao Código Penal, 2001
·         Anabela M. Rodrigues, Princípio da Responsabilidade e direito ao ambiente (o crime de poluição), 2002
·         http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/primeiro-ministro/secretario-de-estado-da-presidencia-do-conselho-de-ministros/documentos-oficiais/20110811-comunicado-cm.aspx
·         Parecer da Proposta de Lei nº10/XII/1ª (GOV), de 30 de Agosto de 2011 pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias da Assembleia da República.


[1] «1 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições: a) Eliminar, destruir ou capturar exemplares de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens ou eliminar exemplares de fauna ou flora em número significativo; b) Destruir ou deteriorar significativamente habitat natural protegido ou habitat natural causando a estes perdas em espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens ou em número significativo; ou c) Afectar gravemente recursos do subsolo; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias. 2 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, comercializar ou detiver para comercialização exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, vivo ou morto, bem como qualquer parte ou produto obtido a partir daquele, é punido com pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. 3 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, possuir ou detiver exemplar de espécies protegidas da fauna ou da flora selvagens, vivo ou morto, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias. 4 - A conduta referida no número anterior não é punível quando: a) A quantidade de exemplares detidos não for significativa; e b) O impacto sobre a conservação das espécies em causa não for significativo. 5 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.»
[2] «1 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, provocar poluição sonora ou poluir o ar, a água, o solo, ou por qualquer forma degradar as qualidades destes componentes ambientais, causando danos substanciais, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias. 2 - Quem, não observando disposições legais, regulamentares ou obrigações impostas pela autoridade competente em conformidade com aquelas disposições, causar danos substanciais à qualidade do ar, da água, do solo, ou à fauna ou à flora, ao proceder: a) À descarga, à emissão ou à introdução de matérias ionizantes na atmosfera, no solo ou na água; b) Às operações de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação de resíduos, incluindo o tratamento posterior dos locais de eliminação, bem como as actividades exercidas por negociantes e intermediários; c) À exploração de instalação onde se exerça actividade perigosa ou onde sejam armazenadas ou utilizadas substâncias perigosas; ou d) À produção, ao tratamento, à manipulação, à utilização, à detenção, ao armazenamento, ao transporte, à importação, à exportação ou à eliminação de materiais nucleares ou de outras substâncias radioactivas perigosas; é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 600 dias. 3 - Quando as condutas descritas nos números anteriores forem susceptíveis de causar danos substanciais à qualidade do ar, da água ou do solo ou à fauna ou à flora, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 360 dias. 4 - Se as condutas referidas nos nºs 1 e 2 forem praticadas por negligência, o agente é punido com pena de prisão até um 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. 5 - Se as condutas referidas no n.º 3 forem praticadas por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias. 6 - Para os efeitos dos nºs 1, 2 e 3, são danos substanciais aqueles que: a) Prejudiquem, de modo significativo ou duradouro, a integridade física, bem como o bem-estar das pessoas na fruição da natureza; b) Impeçam, de modo significativo ou duradouro, a utilização de um componente ambiental; c) Disseminem microrganismo ou substância prejudicial para o corpo ou saúde das pessoas; d) Causem um impacto significativo sobre a conservação das espécies ou dos seus habitats; ou e) Prejudiquem, de modo significativo, a qualidade ou o estado de um componente ambiental.»

[3] «Quem, mediante conduta descrita nos nºs 1 e 2 do artigo 279.º, criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, para bens patrimoniais alheios de valor elevado ou para monumentos culturais ou históricos, é punido com pena de prisão: a) De um a oito anos, se a conduta e a criação do perigo forem dolosas; b) Até cinco anos, se a conduta for dolosa e a criação do perigo ocorrer por negligência.»

[4] De entre os vários diplomas legais que prevêem as sanções administrativas face aos atentados ao ambiente, destaca-se a lei-quadro de contra-ordenações ambientais (Lei nº 50/2006).

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