O
Direito à informação ambiental:
Ânia
Vaz da Conceição
Nº17190
Subturma2
- Introdução
O
presente trabalho pretende contribuir essencialmente para uma breve
análise sobre o que tem sido a evolução do direito ao acesso aos
documentos ambientais. Ou seja, pretende-se perceber como, onde e
porquê nasceu esta necessidade de autonomizar o acesso à informação
ambiental, face ao já regulado acesso aos documentos
administrativos, partindo-se do ponto de vista do direito
internacional ambiental, para o direito europeu e por fim para o
direito nacional.
Entendi
ainda ser interessante não deixar passar em claro o Acórdão
nº136/2005 do Tribunal Constitucional, que tanta tinta fez correr,
fazendo um pequeno resumo e uma breve apreciação crítica do mesmo.
E,
por fim, não poderia deixar de terminar com uma reflexão sobre as
perspectivas futuras deste direito face aos novos desafios que o
direito do ambiente nos deixa actualmente.
- Os “primórdios” do direito à informação ambiental
Antes
de falarmos num direito ao acesso aos documentos ambientais, não
podíamos deixar de falar no “pai” deste “pequeno-grande”
direito: o direito ao acesso à informação administrativa. Este
último constava inicialmente na Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão de 1789, que, no seu art. 5º, reconhecia à sociedade em
geral o direito a pedir contas às entidades públicas dos actos
praticados no desempenho das suas funções. Foi desde aqui que, se
começou a desenhar a ideia de que, como refere Carla Amado Gomes, “o
acesso à informação não só representa uma inversão da lógica
de segredo tradicionalmente associada ao funcionamento da máquina
administrativa, como e sobretudo, acresce à legitimidade da decisão
por força da potencial abertura a um contraditório público.” Ou
seja, a ideia de que a democracia não se esgota com o voto, de que
uma “Administração fechada” contende em si mesma com a própria
ideia de Estado de Direito.
Assim,
ao longo dos séculos esta ideia foi amadurecendo, passando por
regimes totalitários, até efectivamente as Constituições dos
Estados de Direito Democráticos passarem a consagrar expressamente
este direito a uma “Administração aberta”.
Daí
até à individualização do direito à informação ambiental foi
um pequeno passo e em 1990, derivada da importância crescente do
direito do ambiente na esfera de cada um, foi publicada a Directiva
do Conselho de 7 de Junho de 1990 que tinha como missão principal
obrigar os Estados a reconhecer o direito de qualquer pessoa singular
ou colectiva a aceder à informação ambiental constante de
documentos na posse das Administrações públicas sem necessidade de
provar ou invocar nenhum interesse determinado, tentando assim acabar
com as disparidades legislativas entre os vários Estados-membros,
assegurando a liberdade de acesso e de divulgação das informações
relativas ao ambiente na posse das Administrações públicas.
Também, em 1992 na Declaração do Rio, ficou expressamente definido
a importância do direito à informação como motor do
desenvolvimento de uma pedagogia ambiental, revelando-se como um
instrumento estratégico para a construção de uma nova atitude na
nova “era ecológica”. O direito à informação ambiental surge
aqui também fortemente ligado ao princípio da prevenção, no
sentido em que, tendo-se acesso a documentos que à partida seriam
restritos, conseguir-se-á determinar
possíveis perigos imediatos e concretos para o ambiente, bem como
afastar potenciais riscos futuros através de uma actuação mediata
e de antecipação que de outro modo poderiam tornar-se
irremediáveis.
No
entanto, este esforço levado a cabo, não só pelos Estados que
integravam a comunidade europeia, mas também por outros, revelou-se
infrutífero, dada a multiplicidade de regimes adoptados quanto a
esta matéria. Assim, é neste clima de quase-urgência
que
é assinada a Convenção da Comissão Económica para a Europa das
Nações Unidas sobre o acesso à informação, a participação
pública no processo de decisão e o acesso à justiça em matéria
ambiental (“Convenção de Aarhus”) em 25 de Junho de 1998, que
teve como objectivo primordial proceder à revisão da Directiva
90/313/CEE, inoperante quanto ao fim para que foi criada,
substituindo-a pela Directiva 2003/4/CE. Como pode expressamente
ler-se no considerando segundo desta Directiva, “a
Directiva 90/313/CEE do Concelho (…), iniciou um processo de
mudança na forma como as entidades públicas abordam a questão da
abertura e da transparência, estabelecendo medidas para o exercício
do direito de acesso do público à informação sobre o ambiente,
que deve ser impulsionado e prosseguido. A presente Directiva alarga
o direito de acesso actualmente existente, consagrado na Directiva
90/313/CEE.”.
Ora,
com esta Directiva podemos efectivamente dizer que se deu o grande
impulso para a harmonização do direito à informação ambiental
nos diversos Estados-Membros, estando, aquando da sua aprovação, os
Estados-Membros consciencializados da sua importância relativamente
às problemáticas ambientais colocadas e dada a necessidade de
promover, acima de tudo num sentido de prevenção e/ou precaução,
a chamada “cidadania ambiental.
- O direito à informação ambiental no ordenamento jurídico português
Surge-nos
no art. 268º, nº1 e 2 da Constituição da República Portuguesa,
um direito à informação globalmente considerada, consubstanciado
este regime um princípio de Administração Aberta, ou seja, nos
seus termos, os documentos administrativos (não reservados) devem
ser de acesso livre e irrestrito, não precisando o particular de
manifestar e demonstrar que possui um interesse legítimo no acesso a
tais documentos. Aliás, não necessitando, sequer, de informar a
Administração de qual o seu interesse na informação requerida.
É,
assim, com base nesta consagração constitucional que podemos
considerar o direito à informação como um direito fundamental a
par do direito ao ambiente, e por isso sujeito, art. 17º CRP, ao
regime dos direitos, liberdades e garantias, o que lhe conferirá
tutela acrescida, como veremos infra.
Apesar
desta tutela da informação ambiental estar enquadrada de forma
abrangente na Constituição, apenas na sequência da transposição
da Directiva 2003/4/CE do Parlamento e do Conselho de 28 de Janeiro
foi aprovada em Portugal a Lei nº19/2006, instrumento que regula
especificamente o acesso à informação sobre o Ambiente. Até a
esta data esta matéria era era regulada pela Lei 65/93 de 26 de
Agosto (agora já revogada pela Lei 46/2007), sendo a matéria
ambiental tratada como qualquer outra matéria administrativa no que
ao seu acesso diz respeito.
Cabe
agora, proceder a uma análise do regime desta nova Lei de acesso à
informação ambiental.
Ora,
se antes tínhamos um direito geral de acesso aos documentos
administrativos, passámos com a LAIA a ter um acesso específico aos
documentos ambientais. Assim, vale a pena realçar neste regime que
quanto à obtenção de dados informativos, ela pode ser requerida
por qualquer pessoa, sem que esta tenha de justificar o seu interesse
(art. 6º, nº1), tendo o requerente direito a uma resposta sobre o
seu pedido no prazo de 10 dias (9º, nº 1 al. a)), podendo a
resposta a este pedido ser positiva, parcialmente positiva (art. 12º)
ou negativa (arts. 11º e 12º).
Os
fundamentos de indeferimento encontram-se previstos no art. 11º, nº.
6, estando estes sujeitos às limitações constantes do nº 7 deste
artigo, ou seja, sempre que estejamos perante pedido de informações
que diga respeito a emissões para o ambiente, e se trate de um caso
que caiba nas als. a), d), f), g) e h), então o pedido de informação
não poderá ser indeferido.
Relativamente
às garantias dos particulares em caso de lhes ser dada resposta
negativa, parcialmente positiva ou no caso de abstenção de decisão,
é lhes dada a possibilidade apresentar queixa à CADA- Comissão de
Acesso aos Documentos Administrativos - ou também a possibilidade de
recorrer aos meios judiciais, como por exemplo intimando a entidade
em causa, para a prestação de informações.
Em
minha opinião, talvez a lei peque por escassa, devendo ter ido
aquando da sua aprovação, um pouco mais longe. E o mesmo digo
quanto à Directiva 2003/4/CE de onde resultou a sua transposição.
Veja-se, por exemplo, o caso do nº8 do art.11º. Apesar de consistir
numa inovação face à anterior lei, pouco nos diz relativamente aos
critérios que deverão ser utilizados face a esta ponderação entre
interesse público que fundamente a divulgação da informação e os
interesses protegidos que fundamentam o indeferimento. Na verdade, a
autonomização da presente lei face à Lei de Acesso aos Documentos
Administrativos devia ter tido como objectivo inovar e não manter
exactamente as coisas como estavam, o que acabou por acontecer.
- Breve reflexão sobre o Acórdão nº136/2005 do Tribunal Constitucional
O
caso em apreço no referido Acórdão refere-se a um requerimento de
intimação do Primeiro-ministro interposto no Tribunal
Administrativo do Círculo de Lisboa por uma organização
ambientalista de forma a poder ter acesso às certidões à
totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as
empresas de um determinado grupo empresarial com o objectivo de
avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de
implantação de uma unidade industrial em Esposende. Tanto a
primeira instância, como o Tribunal Central Administrativo negaram a
pretensão da organização ambientalista, sempre com fundamento de
que a recusa seria permitida, uma vez que a comunicação destes
documentos poria em causa segredos industriais protegidos pela lei.
Aliás, chegou mesmo o TCA a admitir que nem sequer o conflito em
causa deveria levar à ponderação dos valores em apreço, uma vez
que tínhamos lei expressa que protegeria o segredo industrial face a
outros interesses (na altura, art. 10º da Lei 65/93). Assim, e dado
que também de uma das cláusulas do contrato, aprovado por Resolução
de Conselho de Ministros, resultava a “vinculação do Estado
português ao dever de sigilo”, então não teríamos sequer que
ponderar os interesses invocados pela contra-parte. Por último,
recorreu a organização ambientalista para o Tribunal
Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes do
art. 10º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei nº8/95,
de 29 de Março (neste
pode ler-se: “A
Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação
ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida
interna das empresas.”), e
a do DL nº321/95, de 28 de Novembro (de onde resulta: “As
informações relacionadas com operações de investimento
estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos
seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento
público.”).
Defendeu
sempre a Autora ao longo dos autos o deferimento da sua pretensão,
com o argumento principal de que o direito à informação para
protecção do ambiente teria que prevalecer em relação às normas
protectoras de segredo industrial, propriedade privada, de liberdade
de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção. Como
fundamento a Autora invocou o direito à informação como um direito
fundamental, que só deverá ser restringido nos termos previstos
pela Constituição (arts. 17º e 18º CRP), tendo em conta
princípios como o da proporcionalidade ou o do respeito pelo núcleo
essencial do direito. Assim, concluiu a organização ambientalista
que as normas que fundamentaram a decisão dos Tribunais de primeira
e segundas instâncias seriam inconstitucionais, por violação de
várias normas e princípios constitucionais, a saber, o direito à
vida (art. 24º), à integridade física e moral das pessoas (art.
25º), ao ambiente e qualidade de vida (art. 66º), e à faculdade de
prevenir tais violações (arts. 266º e 268º).
O
Tribunal Constitucional acabou por negar provimento ao recurso, dando
razão aos fundamentos alegados pelo Primeiro-ministro.
Assim,
na perspectiva do Tribunal a própria Constituição admite remissão
para lei expressa no que toca às limitações ao direito à
informação procedimental, não se limitando às referidas no
próprio art. 268º, nº2 da CRP, limitações essas que poderão até
constar de lei ordinária, como acaba por acontecer no caso agora em
análise. Passando posteriormente a uma comparação entre os
direitos contrapostos na acção, o TC considera que ambos assumem
relevância pública, mas que dada a natureza generalizada da ameaça
alegada pela organização ambientalista, contraposta a um verdadeiro
dever de sigilo ao qual o Estado português já se tinha vinculado e
ainda não existindo verdadeiros danos ambientais concretos que
ponham em causa a rejeição do pedido por parte do
Primeiro-Ministro, razões não existem para aceitar provimento do
recurso. Além do mais, tendo já existido aprovação do projecto
pelas entidades competentes, a tutela do direito do ambiente não
deixou de ser salvaguardada.
Cumpre
agora apreciar esta “verdíssima” (ironicamente, note-se) decisão
do Tribunal Constitucional. Chocou-me acima de tudo aquando da
leitura do referido Acórdão o absoluto desconhecimento, e
consequente inaplicação, dos instrumentos comunitários que
vigoravam já na ordem jurídica portuguesa, a saber, a Convenção
de Aarhus e a Directiva 2003/4/CE, que apesar de ainda não
transposta à data do Acórdão para o nosso ordenamento vinculava já
os Tribunais. Certamente a decisão teria sido outra, não se
subvalorizando o valor Ambiente nos termos em que o foi feito. Se não
repare-se: ao longo de todo o Acórdão, nem por uma única vez se
admite a expressão concreta do direito à informação ambiental na
Constituição, admitindo que este não tem qualquer conteúdo
expresso vertido na lei fundamental. Mas a verdade é que não é o
facto de não estar vertido este direito na Constituição formal,
não significa que não o esteja na Constituição material, como
ensina o Professor Jorge Miranda, uma vez que este direito resulta da
própria Ideia de Estado de Direito Democrático, vejam-se os arts.
9ºe), 48º, nº2, 66º e 268º da Constituição. Bem como a própria
Convenção de Aarhus, relembre-se ratificada pelo Estado português
em 2003, dois anos antes da data do Acórdão, no seu art. 4º
definia já os termos em que devia ser exercido este direito à
informação a documentos ambientais. Não se percebe assim o total
“esquecimento” destas normas.
Por
outro lado, o Tribunal parece ainda ter ignorado a ideia de prevenção
de que o valor ambiente deve ser alvo. Ou seja, ao invocar nos autos
que “caso
a laboração da empresa venha a provocar danos ambientais sempre
ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das
quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao
ambiente sobre os direitos da propriedade privada e da livre
iniciativa (…)”,
parece que estamos perante uma atitude de preferir “arriscar” e
depois “remediar”, o que é de todos os modos inconcebível.
Valha-nos
a declaração de voto vencido do Juiz Conselheiro Mário Torres,
acompanhado pela adesão aos argumentos por si invocados pela Juíza
Conselheira Maria Fernanda Palma. Esta sim é “verde”, explicando
o Meritíssimo Juiz que se estamos perante uma colisão de direitos
consagrados constitucionalmente, e não existindo entre eles qualquer
relação de hierarquia (sendo ambos direitos fundamentais), deveria
ter sido feita uma ponderação em face do caso concreto. Nas
palavras do Exmo. Juiz, “deve ser feita em relação a cada tipo de
documento em concreto, e não em geral, a todos os documentos”,
relembrando ainda que derivado a estarmos perante um direito
fundamental as suas restrições só poderão ser feitas com base num
juízo de proporcionalidade, o que considerou não ter sido feito no
caso em apreço.
- O direito à informação ambiental: que futuro?
Há
que sermos directos, há que enfrentar a realidade. A cada dia que
passa, a degradação e poluição ambientais ganham dimensões
alarmantes, e os fenómenos tornam-se cada vez mais diversificados e
difíceis de enfrentar. Naturalmente, a passividade por parte dos
organismos públicos terá que ser substituída por uma
pro-actividade em nome da tutela ambiental. O Estado não poderá
limitar-se a decidir, terá que intervir muito mais do que o faz
actualmente. Ora, à medida que os novos desafios forem surgindo,
maior terá que ser também a abrangência do direito à informação
nesta matéria ambiental. Passo a explicar: na minha opinião, o
Estado não actua nem deve actuar sozinho. O Estado precisa das
pessoas. E por isso, deve promover uma administração cada vez mais
“aberta”, limitando o segredo aos mais restritos casos,
promovendo a consciencialização dos cidadãos sobre os novos
desafios ambientais que temos pela frente. Arrisco dizer: a
informação deve chegar às pessoas antes de as pessoas chegarem a
ela.
Volto
assim a realçar, nos dias que correm, em que as questões ambientais
estão intimamente ligadas com as questões económicas e sociais,
não nos podemos dar ao luxo de não darmos a conhecer os problemas
aos cidadãos. O futuro só passa por nós se de facto conhecermos os
seus contornos.
- Conclusão
Chegado
o final, sinto que cumpri com o objectivo a que me propus no presente
trabalho: fazer uma breve reflexão sobre o direito à informação
ambiental desde os seus primórdios até aos dias de hoje, terminando
com uma breve reflexão sobre o possível futuro deste direito e o
carácter mais abrangente que necessariamente terá que ter. E mesmo
não tendo sido talvez tão exaustiva como se desejaria, tentei ao
máximo ser clara e que a minha opinião fosse perceptível nos
pontos que considerei mais importantes.
Realço
ainda o especial gozo que me deu pesquisar artigos e jurisprudência,
comparar diferentes leis, ler pareceres e no final perceber que o
direito à informação ambiental é muito mais do que aparenta ser,
é um direito intrínseco a cada um de nós, mas que parece ainda
estar numa fase embrionária, o que talvez aconteça em nome de
outros “interesses” que nenhuma “vantagem” terão na sua
maior expansão!
- Bibliografia
-
CONDESSO, Fernando dos Reis, Direito
do Ambiente,
Almedina, 2001;
-
Revista do Ministério Público, nº109 – Jan/Mar 2007, Carlos
Amado Gomes, O
direito à informação ambiental: velho direito, novo regime.
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