domingo, 20 de maio de 2012

O Direito á Informação Ambiental




O Direito à informação ambiental:









Ânia Vaz da Conceição

Nº17190

Subturma2








  1. Introdução

O presente trabalho pretende contribuir essencialmente para uma breve análise sobre o que tem sido a evolução do direito ao acesso aos documentos ambientais. Ou seja, pretende-se perceber como, onde e porquê nasceu esta necessidade de autonomizar o acesso à informação ambiental, face ao já regulado acesso aos documentos administrativos, partindo-se do ponto de vista do direito internacional ambiental, para o direito europeu e por fim para o direito nacional.

Entendi ainda ser interessante não deixar passar em claro o Acórdão nº136/2005 do Tribunal Constitucional, que tanta tinta fez correr, fazendo um pequeno resumo e uma breve apreciação crítica do mesmo.

E, por fim, não poderia deixar de terminar com uma reflexão sobre as perspectivas futuras deste direito face aos novos desafios que o direito do ambiente nos deixa actualmente.



  1. Os “primórdios” do direito à informação ambiental


Antes de falarmos num direito ao acesso aos documentos ambientais, não podíamos deixar de falar no “pai” deste “pequeno-grande” direito: o direito ao acesso à informação administrativa. Este último constava inicialmente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que, no seu art. 5º, reconhecia à sociedade em geral o direito a pedir contas às entidades públicas dos actos praticados no desempenho das suas funções. Foi desde aqui que, se começou a desenhar a ideia de que, como refere Carla Amado Gomes, “o acesso à informação não só representa uma inversão da lógica de segredo tradicionalmente associada ao funcionamento da máquina administrativa, como e sobretudo, acresce à legitimidade da decisão por força da potencial abertura a um contraditório público.” Ou seja, a ideia de que a democracia não se esgota com o voto, de que uma “Administração fechada” contende em si mesma com a própria ideia de Estado de Direito. Assim, ao longo dos séculos esta ideia foi amadurecendo, passando por regimes totalitários, até efectivamente as Constituições dos Estados de Direito Democráticos passarem a consagrar expressamente este direito a uma “Administração aberta”.

Daí até à individualização do direito à informação ambiental foi um pequeno passo e em 1990, derivada da importância crescente do direito do ambiente na esfera de cada um, foi publicada a Directiva do Conselho de 7 de Junho de 1990 que tinha como missão principal obrigar os Estados a reconhecer o direito de qualquer pessoa singular ou colectiva a aceder à informação ambiental constante de documentos na posse das Administrações públicas sem necessidade de provar ou invocar nenhum interesse determinado, tentando assim acabar com as disparidades legislativas entre os vários Estados-membros, assegurando a liberdade de acesso e de divulgação das informações relativas ao ambiente na posse das Administrações públicas. Também, em 1992 na Declaração do Rio, ficou expressamente definido a importância do direito à informação como motor do desenvolvimento de uma pedagogia ambiental, revelando-se como um instrumento estratégico para a construção de uma nova atitude na nova “era ecológica”. O direito à informação ambiental surge aqui também fortemente ligado ao princípio da prevenção, no sentido em que, tendo-se acesso a documentos que à partida seriam restritos, conseguir-se-á determinar possíveis perigos imediatos e concretos para o ambiente, bem como afastar potenciais riscos futuros através de uma actuação mediata e de antecipação que de outro modo poderiam tornar-se irremediáveis.

No entanto, este esforço levado a cabo, não só pelos Estados que integravam a comunidade europeia, mas também por outros, revelou-se infrutífero, dada a multiplicidade de regimes adoptados quanto a esta matéria. Assim, é neste clima de quase-urgência que é assinada a Convenção da Comissão Económica para a Europa das Nações Unidas sobre o acesso à informação, a participação pública no processo de decisão e o acesso à justiça em matéria ambiental (“Convenção de Aarhus”) em 25 de Junho de 1998, que teve como objectivo primordial proceder à revisão da Directiva 90/313/CEE, inoperante quanto ao fim para que foi criada, substituindo-a pela Directiva 2003/4/CE. Como pode expressamente ler-se no considerando segundo desta Directiva, “a Directiva 90/313/CEE do Concelho (…), iniciou um processo de mudança na forma como as entidades públicas abordam a questão da abertura e da transparência, estabelecendo medidas para o exercício do direito de acesso do público à informação sobre o ambiente, que deve ser impulsionado e prosseguido. A presente Directiva alarga o direito de acesso actualmente existente, consagrado na Directiva 90/313/CEE.”.

Ora, com esta Directiva podemos efectivamente dizer que se deu o grande impulso para a harmonização do direito à informação ambiental nos diversos Estados-Membros, estando, aquando da sua aprovação, os Estados-Membros consciencializados da sua importância relativamente às problemáticas ambientais colocadas e dada a necessidade de promover, acima de tudo num sentido de prevenção e/ou precaução, a chamada “cidadania ambiental.



  1. O direito à informação ambiental no ordenamento jurídico português



Surge-nos no art. 268º, nº1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, um direito à informação globalmente considerada, consubstanciado este regime um princípio de Administração Aberta, ou seja, nos seus termos, os documentos administrativos (não reservados) devem ser de acesso livre e irrestrito, não precisando o particular de manifestar e demonstrar que possui um interesse legítimo no acesso a tais documentos. Aliás, não necessitando, sequer, de informar a Administração de qual o seu interesse na informação requerida.

É, assim, com base nesta consagração constitucional que podemos considerar o direito à informação como um direito fundamental a par do direito ao ambiente, e por isso sujeito, art. 17º CRP, ao regime dos direitos, liberdades e garantias, o que lhe conferirá tutela acrescida, como veremos infra.

Apesar desta tutela da informação ambiental estar enquadrada de forma abrangente na Constituição, apenas na sequência da transposição da Directiva 2003/4/CE do Parlamento e do Conselho de 28 de Janeiro foi aprovada em Portugal a Lei nº19/2006, instrumento que regula especificamente o acesso à informação sobre o Ambiente. Até a esta data esta matéria era era regulada pela Lei 65/93 de 26 de Agosto (agora já revogada pela Lei 46/2007), sendo a matéria ambiental tratada como qualquer outra matéria administrativa no que ao seu acesso diz respeito.



Cabe agora, proceder a uma análise do regime desta nova Lei de acesso à informação ambiental.

Ora, se antes tínhamos um direito geral de acesso aos documentos administrativos, passámos com a LAIA a ter um acesso específico aos documentos ambientais. Assim, vale a pena realçar neste regime que quanto à obtenção de dados informativos, ela pode ser requerida por qualquer pessoa, sem que esta tenha de justificar o seu interesse (art. 6º, nº1), tendo o requerente direito a uma resposta sobre o seu pedido no prazo de 10 dias (9º, nº 1 al. a)), podendo a resposta a este pedido ser positiva, parcialmente positiva (art. 12º) ou negativa (arts. 11º e 12º).

Os fundamentos de indeferimento encontram-se previstos no art. 11º, nº. 6, estando estes sujeitos às limitações constantes do nº 7 deste artigo, ou seja, sempre que estejamos perante pedido de informações que diga respeito a emissões para o ambiente, e se trate de um caso que caiba nas als. a), d), f), g) e h), então o pedido de informação não poderá ser indeferido.

Relativamente às garantias dos particulares em caso de lhes ser dada resposta negativa, parcialmente positiva ou no caso de abstenção de decisão, é lhes dada a possibilidade apresentar queixa à CADA- Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos - ou também a possibilidade de recorrer aos meios judiciais, como por exemplo intimando a entidade em causa, para a prestação de informações.


Em minha opinião, talvez a lei peque por escassa, devendo ter ido aquando da sua aprovação, um pouco mais longe. E o mesmo digo quanto à Directiva 2003/4/CE de onde resultou a sua transposição. Veja-se, por exemplo, o caso do nº8 do art.11º. Apesar de consistir numa inovação face à anterior lei, pouco nos diz relativamente aos critérios que deverão ser utilizados face a esta ponderação entre interesse público que fundamente a divulgação da informação e os interesses protegidos que fundamentam o indeferimento. Na verdade, a autonomização da presente lei face à Lei de Acesso aos Documentos Administrativos devia ter tido como objectivo inovar e não manter exactamente as coisas como estavam, o que acabou por acontecer.


  1. Breve reflexão sobre o Acórdão nº136/2005 do Tribunal Constitucional


O caso em apreço no referido Acórdão refere-se a um requerimento de intimação do Primeiro-ministro interposto no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa por uma organização ambientalista de forma a poder ter acesso às certidões à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas de um determinado grupo empresarial com o objectivo de avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende. Tanto a primeira instância, como o Tribunal Central Administrativo negaram a pretensão da organização ambientalista, sempre com fundamento de que a recusa seria permitida, uma vez que a comunicação destes documentos poria em causa segredos industriais protegidos pela lei. Aliás, chegou mesmo o TCA a admitir que nem sequer o conflito em causa deveria levar à ponderação dos valores em apreço, uma vez que tínhamos lei expressa que protegeria o segredo industrial face a outros interesses (na altura, art. 10º da Lei 65/93). Assim, e dado que também de uma das cláusulas do contrato, aprovado por Resolução de Conselho de Ministros, resultava a “vinculação do Estado português ao dever de sigilo”, então não teríamos sequer que ponderar os interesses invocados pela contra-parte. Por último, recorreu a organização ambientalista para o Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes do art. 10º da Lei 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei nº8/95, de 29 de Março (neste pode ler-se: “A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas.”), e a do DL nº321/95, de 28 de Novembro (de onde resulta: “As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público.”).

Defendeu sempre a Autora ao longo dos autos o deferimento da sua pretensão, com o argumento principal de que o direito à informação para protecção do ambiente teria que prevalecer em relação às normas protectoras de segredo industrial, propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção. Como fundamento a Autora invocou o direito à informação como um direito fundamental, que só deverá ser restringido nos termos previstos pela Constituição (arts. 17º e 18º CRP), tendo em conta princípios como o da proporcionalidade ou o do respeito pelo núcleo essencial do direito. Assim, concluiu a organização ambientalista que as normas que fundamentaram a decisão dos Tribunais de primeira e segundas instâncias seriam inconstitucionais, por violação de várias normas e princípios constitucionais, a saber, o direito à vida (art. 24º), à integridade física e moral das pessoas (art. 25º), ao ambiente e qualidade de vida (art. 66º), e à faculdade de prevenir tais violações (arts. 266º e 268º).

O Tribunal Constitucional acabou por negar provimento ao recurso, dando razão aos fundamentos alegados pelo Primeiro-ministro.

Assim, na perspectiva do Tribunal a própria Constituição admite remissão para lei expressa no que toca às limitações ao direito à informação procedimental, não se limitando às referidas no próprio art. 268º, nº2 da CRP, limitações essas que poderão até constar de lei ordinária, como acaba por acontecer no caso agora em análise. Passando posteriormente a uma comparação entre os direitos contrapostos na acção, o TC considera que ambos assumem relevância pública, mas que dada a natureza generalizada da ameaça alegada pela organização ambientalista, contraposta a um verdadeiro dever de sigilo ao qual o Estado português já se tinha vinculado e ainda não existindo verdadeiros danos ambientais concretos que ponham em causa a rejeição do pedido por parte do Primeiro-Ministro, razões não existem para aceitar provimento do recurso. Além do mais, tendo já existido aprovação do projecto pelas entidades competentes, a tutela do direito do ambiente não deixou de ser salvaguardada.

Cumpre agora apreciar esta “verdíssima” (ironicamente, note-se) decisão do Tribunal Constitucional. Chocou-me acima de tudo aquando da leitura do referido Acórdão o absoluto desconhecimento, e consequente inaplicação, dos instrumentos comunitários que vigoravam já na ordem jurídica portuguesa, a saber, a Convenção de Aarhus e a Directiva 2003/4/CE, que apesar de ainda não transposta à data do Acórdão para o nosso ordenamento vinculava já os Tribunais. Certamente a decisão teria sido outra, não se subvalorizando o valor Ambiente nos termos em que o foi feito. Se não repare-se: ao longo de todo o Acórdão, nem por uma única vez se admite a expressão concreta do direito à informação ambiental na Constituição, admitindo que este não tem qualquer conteúdo expresso vertido na lei fundamental. Mas a verdade é que não é o facto de não estar vertido este direito na Constituição formal, não significa que não o esteja na Constituição material, como ensina o Professor Jorge Miranda, uma vez que este direito resulta da própria Ideia de Estado de Direito Democrático, vejam-se os arts. 9ºe), 48º, nº2, 66º e 268º da Constituição. Bem como a própria Convenção de Aarhus, relembre-se ratificada pelo Estado português em 2003, dois anos antes da data do Acórdão, no seu art. 4º definia já os termos em que devia ser exercido este direito à informação a documentos ambientais. Não se percebe assim o total “esquecimento” destas normas.

Por outro lado, o Tribunal parece ainda ter ignorado a ideia de prevenção de que o valor ambiente deve ser alvo. Ou seja, ao invocar nos autos que “caso a laboração da empresa venha a provocar danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre os direitos da propriedade privada e da livre iniciativa (…)”, parece que estamos perante uma atitude de preferir “arriscar” e depois “remediar”, o que é de todos os modos inconcebível.

Valha-nos a declaração de voto vencido do Juiz Conselheiro Mário Torres, acompanhado pela adesão aos argumentos por si invocados pela Juíza Conselheira Maria Fernanda Palma. Esta sim é “verde”, explicando o Meritíssimo Juiz que se estamos perante uma colisão de direitos consagrados constitucionalmente, e não existindo entre eles qualquer relação de hierarquia (sendo ambos direitos fundamentais), deveria ter sido feita uma ponderação em face do caso concreto. Nas palavras do Exmo. Juiz, “deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto, e não em geral, a todos os documentos”, relembrando ainda que derivado a estarmos perante um direito fundamental as suas restrições só poderão ser feitas com base num juízo de proporcionalidade, o que considerou não ter sido feito no caso em apreço.


  1. O direito à informação ambiental: que futuro?

Há que sermos directos, há que enfrentar a realidade. A cada dia que passa, a degradação e poluição ambientais ganham dimensões alarmantes, e os fenómenos tornam-se cada vez mais diversificados e difíceis de enfrentar. Naturalmente, a passividade por parte dos organismos públicos terá que ser substituída por uma pro-actividade em nome da tutela ambiental. O Estado não poderá limitar-se a decidir, terá que intervir muito mais do que o faz actualmente. Ora, à medida que os novos desafios forem surgindo, maior terá que ser também a abrangência do direito à informação nesta matéria ambiental. Passo a explicar: na minha opinião, o Estado não actua nem deve actuar sozinho. O Estado precisa das pessoas. E por isso, deve promover uma administração cada vez mais “aberta”, limitando o segredo aos mais restritos casos, promovendo a consciencialização dos cidadãos sobre os novos desafios ambientais que temos pela frente. Arrisco dizer: a informação deve chegar às pessoas antes de as pessoas chegarem a ela.

Volto assim a realçar, nos dias que correm, em que as questões ambientais estão intimamente ligadas com as questões económicas e sociais, não nos podemos dar ao luxo de não darmos a conhecer os problemas aos cidadãos. O futuro só passa por nós se de facto conhecermos os seus contornos.


  1. Conclusão

Chegado o final, sinto que cumpri com o objectivo a que me propus no presente trabalho: fazer uma breve reflexão sobre o direito à informação ambiental desde os seus primórdios até aos dias de hoje, terminando com uma breve reflexão sobre o possível futuro deste direito e o carácter mais abrangente que necessariamente terá que ter. E mesmo não tendo sido talvez tão exaustiva como se desejaria, tentei ao máximo ser clara e que a minha opinião fosse perceptível nos pontos que considerei mais importantes.

Realço ainda o especial gozo que me deu pesquisar artigos e jurisprudência, comparar diferentes leis, ler pareceres e no final perceber que o direito à informação ambiental é muito mais do que aparenta ser, é um direito intrínseco a cada um de nós, mas que parece ainda estar numa fase embrionária, o que talvez aconteça em nome de outros “interesses” que nenhuma “vantagem” terão na sua maior expansão!



  1. Bibliografia

- CONDESSO, Fernando dos Reis, Direito do Ambiente, Almedina, 2001;

- Revista do Ministério Público, nº109 – Jan/Mar 2007, Carlos Amado Gomes, O direito à informação ambiental: velho direito, novo regime.


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