domingo, 20 de maio de 2012

Breve exposição sobre a tutela penal do ambiente


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa










Direito do Ambiente

Breve exposição sobre a tutela penal do ambiente







Trabalho elaborado por: Petra Faria, nº 18359

4ºano, subturma 3



Índice





1.Introdução: Surgimento do Direito Penal do Ambiente

1.2 A função e os limites do Direito Penal Ecológico

2. A eficácia do direito penal do Ambiente

3.Prós e contras da tutela sancionatória preferencial pela via penal

4. Conclusão

5. Bibliografia















Introdução

1. Surgimento do Direito Penal do Ambiente

A progressiva tomada de consciência pela comunidade da gravidade da degradação ambiental potenciada pela industrialização exponente e pela sofisticação das condutas perigosas para o equilíbrio ecológico conduziram à consagração da tutela autónoma do ambiente. Deste modo, assistiu-se a um fenómeno de neocriminalização, isto é, à qualificação como crime de uma conduta que até então era vista como não criminosa. Neste sentido, cumpre fazer referência ao conceito de crime: conduta descrita num tipo legal de crime da Parte Especial do Código Penal por ser desvaliosa do ponto de vista do bem jurídico a proteger.

Por outro lado, acresce a este argumento o facto do legislador constitucional, em sede de um modelo constitucional de Estado de Direito Ambiental, ter configurado o direito ao ambiente como um direito fundamental autónomo e também como direito social e económico que reclama prestações positivas por parte do Estado, ficando deste modo o legislador penal legitimado para criar crimes onde o bem jurídico protegido seja o ambiente enquanto tal.

A revisão de 1995 introduziu algumas neocriminalizações ao Código Penal de 1982, designadamente a criação do crime de danos contra a natureza (art.º278 do CP) e do crime de poluição (art.º 279 do CP), os quais constituem verdadeiros crimes ecológicos por protegerem o ambiente de forma directa.

Desta forma, o bem jurídico ambiente é concebido de forma restritiva, sendo exclusivamente relevantes para efeitos de tutela penal os componentes ambientais naturais: o solo, o ar, a água, o som, a fauna, a flora e as condições ambientais de desenvolvimento destas espécies.

A legitimidade da intervenção penal justifica-se pelo facto da Constituição, lei suprema de um ordenamento jurídico, expressar o projecto que uma dada comunidade visa realizar, pelo que deve existir uma congruência entre os valores previstos na CRP e os bens jurídicos merecedores de tutela penal. Por conseguinte, devemos considerar que uma conduta só pode constituir um crime quando lesar ou colocar em perigo um bem jurídico com relevância constitucional.

1.2 A função e os limites do Direito Penal Ecológico



No entendimento do Professor Figueiredo Dias, a verdade axiomática relativa ao direito penal ecológico não é “ (…) alcançar uma protecção do meio ambiente em si mesmo e como um todo, nem ainda menos, alcançar a resolução em último termo do problema ambiental que sobre todos nós pesa. Não é nada este, insisto, o problema do direito penal ecológico, antes sim, muito mais modestamente como sempre, um problema de ordenamento social, concretamente o problema de oferecer o seu contributo para que os danos ambientais se mantenham dentro de cotas ainda comunitariamente suportáveis e, em definitivo, não ponham em causa os fundamentos naturais da vida.”[1] Desta afirmação resultam duas consequências relevantes para a compreensão da função e dos limites do direito penal ecológico.

A primeira é a de que o direito penal ecológico visa tão-somente a tutela fragmentária e subsidiária dos bens jurídicos enquanto tais. Tudo o que ultrapasse este domínio já não justifica a legitimidade da intervenção penal, sendo a sua consideração deferida para meios jurídicos não penais (maxime, meios jurídico-administrativos), a meios não jurídicos de política social e a meios de política geral. Ora, esta função de protecção global do meio ambiente por via do direito penal, é ab initio um meio absolutamente inadequado e disfuncional para a prossecução dessa tarefa. Consequentemente, de tal consideração deriva a segunda premissa: embora restringida a bens ecológicos públicos e colectivos, a tutela penal do meio ambiente não poderá ser absoluta. Tal como refere o professor Gomes Canotilho,” (…) tendo o direito penal natureza especialmente gravosa, por ser o único a permitir a privação da liberdade das pessoas pela aplicação de uma pena de prisão, o recurso ao mesmo deve obedecer a um critério subsidiário ou de ultima ratio.”[2]Assim, o direito penal só deve intervir qualificando uma conduta como crime fazendo corresponder-lhe uma sanção quando as sanções impostas por outros ramos do direito forem ineficazes ou insuficientes para proteger o bem jurídico.

Neste sentido, de forma a delimitar o âmbito de aplicação da norma, cumpre forçosamente distinguir entre ofensas admissíveis e ofensas inadmissíveis, limitando-se à criminalização destas últimas. Tal afirmação aponta para o núcleo do programa politica- criminal e do sentido dogmático da tutela jurídico-penal do meio ambiente, encontrando expressão no art.º 279 do CP, ao restringir a punição às condutas poluidoras que ocorram em medida inadmissível.

No entanto, tal distinção pressupõe uma difícil ponderação de interesses diversos e complexos que não poderá ser levada a cabo pelo legislador penal, pois para esse efeito, constituiria uma entidade absolutamente incompetente. Tal ponderação caberá ao direito administrativo. Assim o reconhece o Professor Rodríguez Mourillo, concluindo que o tipo de poluição não pode deixar de ser construído como “um tipo penal remissivo”.[3]Deste modo, a acessoriedade administrativa, presente no art.º 279/3 do CP, constitui-se como absolutamente necessária não se divisando, actualmente, outra alternativa viável.

Nas palavras do Professor Figueiredo Dias, a construção de um “delito ecológico” tal como consagrado no art.º 279 do CP, “(…) como substancialmente um delito contra bens jurídicos ecológicos, mas formalmente como um delito de desobediência às prescrições emanadas do direito administrativo e/ou dos seus agentes, parece-me continuar a constituir a via talvez menos farisaica de corresponder às valorações politico-criminais imanentes ao sistema. De desobediência àquelas prescrições não (se é preciso acentuá-lo) em nome de um mero “ dever de fidelidade administrativa”, sim na medida em que prescrições tais visem evitar a produção- mais próxima ou mais longínqua, mas em todo o caso certa ou altamente provável- de danos e lesões do ambiente e, por aí, de deteriorações importantes das condições fundamentais da vida.”[4]

2.A eficácia do direito penal do Ambiente



Atendendo à função que ao direito penal cabe desempenhar, a sua intervenção só é legítima se for eficaz na protecção do bem jurídico.

Consequentemente, a intervenção do direito penal nas questões ambientais só deve ocorrer se possuir um carácter de efectividade na defesa do bem jurídico, colocamos de parte o chamado direito penal simbólico.

Tal como refere o Professor Gomes Canotilho,” (…) pretende-se significar com direito penal simbólico que a criação dos crimes ecológicos não corresponderá a uma efectiva punição dos agentes poluidores, servindo apenas para sossegar consciências e atirar areia aos olhos da opinião pública, desviando assim a atenção das medidas que politicamente deveriam ter sido tomadas, mas que o não foram por economicamente custosas, difíceis ou impopulares.” [5]

O direito penal simbólico é considerado por parte da doutrina como um instrumento político de direcção social, que “ (…) confere à defesa do ambiente uma maior dignidade jurídica, ao mesmo tempo que atribui ao Direito Penal uma função de pedagogia social.”[6] No entanto, tal entendimento contraria a função do direito penal na protecção dos bens jurídicos. Note-se que o seu intuito é o da intimidação pela cominação de penas que só serão aplicadas a título excepcional e exemplificativo, não atingindo a finalidade de prevenção que cabe às normas penais. Aos olhos da comunidade a sua credibilidade será posta em causa pois a sua finalidade de protecção do meio ambiental tem apenas conteúdo meramente programático.

Deste modo, a eficácia do direito penal na protecção do ambiente dependerá do efectivo sancionamento das condutas proibidas e do conhecimento que a comunidade adquira da aplicação de penas a esses comportamentos.

No entendimento do Professor Figueiredo Dias, “uma protecção penal do ambiente legítima e que se queira minimamente eficaz supõe que o ilícito material do crime ecológico seja visto como residindo na verificação de condutas- activas ou omissivas- que, em si mesmas consideradas ou em associação a condutas ocorridas em quantidade inumerável e com frequência devastadora lesem bens jurídicos ecológicos.”[7]

Em direito penal do ambiente deparamo-nos com delitos de natureza análoga aos delitos de perigo abstracto, nos quais a relação entre a acção e o bem jurídico protegido revela-se particularmente enfraquecida. Tal relação débil coloca o problema de saber se a tutela dispensada para tal direito não implicará aceitar estruturas novas e atípicas de imputação, potencialmente censuráveis à luz dos princípios fundamentais inerentes à ideia de Estado de Direito Democrático. Quanto a este ponto, o Professor Figueiredo Dias entende que o crime ecológico deve ser entendido como um delito de desobediência a prescrições legalmente impostas, pelas autoridades administrativas competentes, em nome de uma defesa efectiva dos ecossistemas com suficiente relevância para se arvorarem em bens colectivos jurídico-penais.

Por outro lado, persiste a questão de saber se deverá ser tomada como relevante a relação entre a lesão e o bem jurídico ecológico e os inúmeros comportamentos que, quando considerados isoladamente, não são imediatamente perigosos ou significativos, mas que em todo o caso contribuem para aquela lesão. Trata-se da necessidade de considerar muitas das ofensas ao ambiente que devem reputar-se jurídico-penalmente relevantes dentro dos tipos designados por aditivos cumulativos. No que toca a esta questão, o Professor Figueiredo Dias defende que certas ofensas ao ambiente podem ser legitimamente criminalizadas em nome da sua provável praticamente segura cumulação. No entanto, entende que mesmo entre os comportamentos susceptiveis de cumulação, haverá incontáveis acções e omissões destituídas de relevo social que devem ser excluídas da punibilidade e constituir, no limite, meras contra-ordenações.

Deste modo, cabe ao legislador ordinário, dentro dos parâmetros jurídico-constitucionais, ponderar e decidir se para uma tutela eficaz dos bens jurídicos ecológicos se torna necessário punir comportamentos em razão da sua cumulação provável e quais deles devem ser puníveis.

Neste sentido, o Professor refere o seguinte exemplo: “Suponhamos que, perante a ausência de qualquer incriminação, a comunidade fabril de uma colectividade, reunindo consenso sobre o valor da qualidade ambiental, se abstém de condutas poluidoras do rio que a atravessa. Há no entanto o responsável de uma daquelas fábricas que faz evacuar no rio uma quantidade de detritos, minimizando, assim, os custos da sua empresa e beneficiando da conduta de abstenção dos outros, os quais naturalmente, mais cedo ou mais tarde, tenderão a seguir-lhe o exemplo- justificando por esta via a incriminação.”[8].É a figura do free- rider, aquele que beneficia do esforço de outros para a protecção de determinado valor sem contribuir para ela, que legitima uma incriminação acumulativa.

Por outro lado, a via das fórmulas incriminadoras amplas e monistas colocam entraves à eficácia da tutela penal do ambiente. Tipos legais muito abertos não permitem fazer a necessária diferenciação entre a pequena e a grande criminalidade.”Uma multiplicação dos tipos incriminadores permitiria aquela distinção, se contemplasse com diferentes penas as diversas condutas poluidoras e descrevesse, minimamente, o bem jurídico e as espécies de meios segundo a sua perigosidade.”[9]













3.Prós e contras da tutela sancionatória preferencial pela via penal



Actualmente persiste uma discussão em aberto quanto a saber se a tutela sancionatória do ambiente deve ser realizada preferencialmente pela via penal ou pela via administrativa. Para efeitos desta exposição, serão apenas considerados os argumentos favoráveis e desfavoráveis à consagração preferencial da tutela penal do ambiente.



A favor da tutela sancionatória preferencial pela via penal, a doutrina enumera os seguintes argumentos:



1)    A importância simbólica da existência de crimes ambientais, que confere à defesa do ambiente uma maior dignidade jurídica, ao mesmo tempo que atribui ao Direito Penal uma função pedagógica. (Quanto a este aspecto remete-se para os seus inconvenientes referidos supra)

2)    Uma tutela ambiental mais intensa, na medida em que se verifica uma reacção mais enérgica da ordem jurídica contra comportamentos lesivos do meio ambiente, podendo conduzir não só à aplicação de sanções pecuniárias mas também de penas privativas da liberdade

3)    A existência de garantias de processo penal que asseguram a todos os cidadãos todas as garantias de defesa, artsº 27 a 32 da CRP, justificada pela aplicação de sanções mais severas



Por outro lado, como inconvenientes da tutela sancionatória preferencial do ambiente pela via penal, são apontados os seguintes argumentos:



1)    A inadequação do Direito Penal para a tutela do meio ambiente, já que o Direito Penal actua no pressuposto de repressão de comportamentos anti-jurídicos graves e o Direito do Ambiente norteia-se pelo princípio da prevenção.

2)    A existência de várias situações danosas que derivam da actuação de pessoas colectivas, não são objecto de tutela penal face ao disposto no art.º 11 da CP. As medidas de coacção como a prisão preventiva ou as sanções como a pena de prisão não são admissíveis com base no apuramento de responsabilidades colectivas, antes se baseiam em critérios de responsabilidades individuais.

 No entanto, tal como refere o Professor Gomes Canotilho, “ A responsabilização das pessoas colectivas, mormente das grandes empresas poluidoras já seria possível se o crimes ecológicos tivessem sido previstos no âmbito do direito penal secundário por aqui não vigorar o caracter pessoal da responsabilidade jurídico-penal.”[10]

3)    O perigo de subalternização do Direito Penal na medida em que a maioria dos crimes ambientais decorre da desobediência às prescrições de autoridades administrativas. Tal facto, coloca o Direito Penal numa situação de acessoriedade administrativa, passando a ser um instrumento da actuação da Administração. Assim, a autoridade que controla o respeito pelo Direito Penal deixa de ser o juiz para passar a ser a Administração.

4)    A ineficácia do sistema sancionatório do ambiente de tipo penal devido à dificuldade em condenar os criminosos ambientais. De facto, são raras as penas efectivamente aplicadas e quando aplicadas constituem penas irrisórias.

















4. Conclusão

Efectivamente, verifica-se uma certa dependência do Direito Penal do Ambiente em relação ao Direito Administrativo do Ambiente. No nosso ordenamento jurídico assiste-se a uma preferência pela tutela sancionatória do ambiente pela via administrativa, o que coloca o Direito Penal do Ambiente numa posição subsidiário, isto é, reservada aos casos mais graves de comportamentos anti-juridicos lesivos do ambiente. Contudo, não esteira do que defende o Professor Vasco Pereira da Silva[11] entendemos que daí não decorre a substituição dos critérios individualizados da culpa, ou da imputação subjectiva da conduta criminosa a um dado individuo, por critérios meramente objectivos de verificação da simples desobediência às disposições administrativas. Por conseguinte, deve implicar a conjugação de ambas as dimensões para que possamos estar perante um crime ecológico. Será necessário aprofundar o estudo do direito contra-ordenacional do Ambiente, ao lado do Direito Penal do Ambiente, já que este direito autonomizou-se qualitativamente do Direito Penal embora não se confunda com o Direito Administrativo.

Consequentemente a solução consagrada pelo ordenamento jurídico português, de conjugar a tutela contra-ordenacional com a tutela penal, embora dando preferência à primeira, permite-nos retirar as respectivas vantagens dos modelos exclusivistas, permitindo a prossecução de reacções sancionatórias plenas, efectivas e proporcionais da ordem jurídica contra comportamentos anti-juridicos lesivos do ambiente.















5.Bibliografia



Instituto Nacional de Administração, Direito do Ambiente, 1994

 Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, A Tutela jurídica do meio ambiente: Presente e Futuro, Coimbra Editora, 2005

Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta

Vasco Pereira da Silva, Verde cor do Direito- Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002







[1] Professor Figueiredo Dias, A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de direito da universidade de Coimbra, cit., página 185

[2] Professor Gomes Canotilho, Introdução ao direito do ambiente, universidade aberta, cit. Pagina 154
[3] Professor Rodriguez Mourillo , A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de direito da universidade de Coimbra, cit., página 159


[4] Professor Figueiredo Dias, A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de direito da universidade de Coimbra, cit., página 187


[5] Professor Gomes Canotilho, Introdução ao direito do ambiente, universidade aberta, cit. página 168

[6] Professor Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente, cit., página 277
[7] Professor Figueiredo Dias,  A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de direito da universidade de Coimbra, cit., página 197


[8] Professor Figueiredo Dias, A tutela jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de direito da universidade de Coimbra, cit., página 200



[9] Professora Maria Fernanda Palma, Direito Penal do Ambiente- Uma primeira abordagem, cit. página 446
[10] Professor Gomes Canotilho, Introdução ao direito do ambiente, universidade aberta, cit. Pagina 155
[11] Professor Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente, cit., Pagina 280

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