Faculdade
de Direito da Universidade de Lisboa
Direito
do Ambiente
Breve
exposição sobre a tutela penal do ambiente
Trabalho
elaborado por: Petra Faria, nº 18359
4ºano,
subturma 3
Índice
1.Introdução:
Surgimento do Direito Penal do Ambiente
1.2
A função e os limites do Direito Penal Ecológico
2.
A eficácia do direito penal do Ambiente
3.Prós
e contras da tutela sancionatória preferencial pela via penal
4.
Conclusão
5.
Bibliografia
Introdução
1.
Surgimento do Direito Penal do Ambiente
A progressiva tomada de
consciência pela comunidade da gravidade da degradação ambiental potenciada
pela industrialização exponente e pela sofisticação das condutas perigosas para
o equilíbrio ecológico conduziram à consagração da tutela autónoma do ambiente.
Deste modo, assistiu-se a um fenómeno de neocriminalização,
isto é, à qualificação como crime de uma conduta que até então era vista como
não criminosa. Neste sentido, cumpre fazer referência ao conceito de crime:
conduta descrita num tipo legal de crime da Parte Especial do Código Penal por
ser desvaliosa do ponto de vista do bem jurídico a proteger.
Por outro lado, acresce
a este argumento o facto do legislador constitucional, em sede de um modelo
constitucional de Estado de Direito Ambiental, ter configurado o direito ao
ambiente como um direito fundamental autónomo e também como direito social e
económico que reclama prestações positivas por parte do Estado, ficando deste
modo o legislador penal legitimado para criar crimes onde o bem jurídico
protegido seja o ambiente enquanto tal.
A revisão de 1995
introduziu algumas neocriminalizações ao Código Penal de 1982, designadamente a
criação do crime de danos contra a natureza (art.º278 do CP) e do crime de
poluição (art.º 279 do CP), os quais constituem verdadeiros crimes ecológicos
por protegerem o ambiente de forma directa.
Desta forma, o bem
jurídico ambiente é concebido de forma restritiva, sendo exclusivamente
relevantes para efeitos de tutela penal os componentes ambientais naturais: o
solo, o ar, a água, o som, a fauna, a flora e as condições ambientais de
desenvolvimento destas espécies.
A legitimidade da
intervenção penal justifica-se pelo facto da Constituição, lei suprema de um
ordenamento jurídico, expressar o projecto que uma dada comunidade visa
realizar, pelo que deve existir uma congruência entre os valores previstos na
CRP e os bens jurídicos merecedores de tutela penal. Por conseguinte, devemos
considerar que uma conduta só pode constituir um crime quando lesar ou colocar
em perigo um bem jurídico com relevância constitucional.
1.2
A função e os limites do Direito Penal Ecológico
No
entendimento do Professor Figueiredo Dias, a verdade axiomática relativa ao
direito penal ecológico não é “ (…) alcançar uma protecção do meio ambiente em
si mesmo e como um todo, nem ainda menos, alcançar a resolução em último termo
do problema ambiental que sobre todos nós pesa. Não é nada este, insisto, o
problema do direito penal ecológico, antes sim, muito mais modestamente como
sempre, um problema de ordenamento social, concretamente o problema de oferecer
o seu contributo para que os danos ambientais se mantenham dentro de cotas
ainda comunitariamente suportáveis e, em definitivo, não ponham em causa os
fundamentos naturais da vida.”[1]
Desta afirmação resultam duas consequências relevantes para a compreensão da
função e dos limites do direito penal ecológico.
A
primeira é a de que o direito penal ecológico visa tão-somente a tutela
fragmentária e subsidiária dos bens jurídicos enquanto tais. Tudo o que
ultrapasse este domínio já não justifica a legitimidade da intervenção penal,
sendo a sua consideração deferida para meios jurídicos não penais (maxime,
meios jurídico-administrativos), a meios não jurídicos de política social e a
meios de política geral. Ora, esta função de protecção global do meio ambiente
por via do direito penal, é ab initio
um meio absolutamente inadequado e disfuncional para a prossecução dessa
tarefa. Consequentemente, de tal consideração deriva a segunda premissa: embora
restringida a bens ecológicos públicos e colectivos, a tutela penal do meio
ambiente não poderá ser absoluta. Tal como refere o professor Gomes Canotilho,”
(…) tendo o direito penal natureza especialmente gravosa, por ser o único a
permitir a privação da liberdade das pessoas pela aplicação de uma pena de
prisão, o recurso ao mesmo deve obedecer a um critério subsidiário ou de ultima ratio.”[2]Assim,
o direito penal só deve intervir qualificando uma conduta como crime fazendo
corresponder-lhe uma sanção quando as sanções impostas por outros ramos do
direito forem ineficazes ou insuficientes para proteger o bem jurídico.
Neste
sentido, de forma a delimitar o âmbito de aplicação da norma, cumpre
forçosamente distinguir entre ofensas
admissíveis e ofensas inadmissíveis, limitando-se à
criminalização destas últimas. Tal afirmação aponta para o núcleo do programa politica-
criminal e do sentido dogmático da tutela jurídico-penal do meio ambiente,
encontrando expressão no art.º 279 do CP, ao restringir a punição às condutas
poluidoras que ocorram em medida inadmissível.
No
entanto, tal distinção pressupõe uma difícil ponderação de interesses diversos
e complexos que não poderá ser levada a cabo pelo legislador penal, pois para
esse efeito, constituiria uma entidade absolutamente incompetente. Tal
ponderação caberá ao direito administrativo. Assim o reconhece o Professor
Rodríguez Mourillo, concluindo que o tipo de poluição não pode deixar de ser
construído como “um tipo penal remissivo”.[3]Deste
modo, a acessoriedade administrativa, presente no art.º 279/3 do CP,
constitui-se como absolutamente necessária não se divisando, actualmente, outra
alternativa viável.
Nas
palavras do Professor Figueiredo Dias, a construção de um “delito ecológico” tal
como consagrado no art.º 279 do CP, “(…) como substancialmente um delito contra
bens jurídicos ecológicos, mas formalmente como um delito de desobediência às
prescrições emanadas do direito administrativo e/ou dos seus agentes, parece-me
continuar a constituir a via talvez menos farisaica de corresponder às
valorações politico-criminais imanentes ao sistema. De desobediência àquelas
prescrições não (se é preciso acentuá-lo) em nome de um mero “ dever de
fidelidade administrativa”, sim na medida em que prescrições tais visem evitar
a produção- mais próxima ou mais longínqua, mas em todo o caso certa ou
altamente provável- de danos e lesões do ambiente e, por aí, de deteriorações
importantes das condições fundamentais da vida.”[4]
2.A
eficácia do direito penal do Ambiente
Atendendo
à função que ao direito penal cabe desempenhar, a sua intervenção só é legítima
se for eficaz na protecção do bem jurídico.
Consequentemente,
a intervenção do direito penal nas questões ambientais só deve ocorrer se
possuir um carácter de efectividade na defesa do bem jurídico, colocamos de
parte o chamado direito penal simbólico.
Tal
como refere o Professor Gomes Canotilho,” (…) pretende-se significar com
direito penal simbólico que a criação dos crimes ecológicos não corresponderá a
uma efectiva punição dos agentes poluidores, servindo apenas para sossegar
consciências e atirar areia aos olhos da opinião pública, desviando assim a
atenção das medidas que politicamente deveriam ter sido tomadas, mas que o não
foram por economicamente custosas, difíceis ou impopulares.” [5]
O
direito penal simbólico é considerado por parte da doutrina como um instrumento
político de direcção social, que “ (…) confere à defesa do ambiente uma maior
dignidade jurídica, ao mesmo tempo que atribui ao Direito Penal uma função de
pedagogia social.”[6]
No entanto, tal entendimento contraria a função do direito penal na protecção
dos bens jurídicos. Note-se que o seu intuito é o da intimidação pela cominação
de penas que só serão aplicadas a título excepcional e exemplificativo, não
atingindo a finalidade de prevenção que cabe às normas penais. Aos olhos da comunidade
a sua credibilidade será posta em causa pois a sua finalidade de protecção do
meio ambiental tem apenas conteúdo meramente programático.
Deste
modo, a eficácia do direito penal na protecção do ambiente dependerá do
efectivo sancionamento das condutas proibidas e do conhecimento que a comunidade
adquira da aplicação de penas a esses comportamentos.
No
entendimento do Professor Figueiredo Dias, “uma protecção penal do ambiente
legítima e que se queira minimamente eficaz supõe que o ilícito material do
crime ecológico seja visto como residindo na verificação de condutas- activas
ou omissivas- que, em si mesmas consideradas ou em associação a condutas
ocorridas em quantidade inumerável e com frequência devastadora lesem bens
jurídicos ecológicos.”[7]
Em
direito penal do ambiente deparamo-nos com delitos de natureza análoga aos
delitos de perigo abstracto, nos quais a relação entre a acção e o bem jurídico
protegido revela-se particularmente enfraquecida. Tal relação débil coloca o
problema de saber se a tutela dispensada para tal direito não implicará aceitar
estruturas novas e atípicas de imputação, potencialmente censuráveis à luz dos
princípios fundamentais inerentes à ideia de Estado de Direito Democrático.
Quanto a este ponto, o Professor Figueiredo Dias entende que o crime ecológico
deve ser entendido como um delito de desobediência a prescrições legalmente
impostas, pelas autoridades administrativas competentes, em nome de uma defesa
efectiva dos ecossistemas com suficiente relevância para se arvorarem em bens
colectivos jurídico-penais.
Por
outro lado, persiste a questão de saber se deverá ser tomada como relevante a
relação entre a lesão e o bem jurídico ecológico e os inúmeros comportamentos
que, quando considerados isoladamente, não são imediatamente perigosos ou
significativos, mas que em todo o caso contribuem para aquela lesão. Trata-se
da necessidade de considerar muitas das ofensas ao ambiente que devem
reputar-se jurídico-penalmente relevantes dentro dos tipos designados por aditivos cumulativos. No que toca a esta
questão, o Professor Figueiredo Dias defende que certas ofensas ao ambiente
podem ser legitimamente criminalizadas em nome da sua provável praticamente
segura cumulação. No entanto, entende que mesmo entre os comportamentos susceptiveis
de cumulação, haverá incontáveis acções e omissões destituídas de relevo social
que devem ser excluídas da punibilidade e constituir, no limite, meras
contra-ordenações.
Deste
modo, cabe ao legislador ordinário, dentro dos parâmetros jurídico-constitucionais,
ponderar e decidir se para uma tutela eficaz dos bens jurídicos ecológicos se
torna necessário punir comportamentos em razão da sua cumulação provável e
quais deles devem ser puníveis.
Neste
sentido, o Professor refere o seguinte exemplo: “Suponhamos que, perante a
ausência de qualquer incriminação, a comunidade fabril de uma colectividade,
reunindo consenso sobre o valor da qualidade ambiental, se abstém de condutas
poluidoras do rio que a atravessa. Há no entanto o responsável de uma daquelas
fábricas que faz evacuar no rio uma quantidade de detritos, minimizando, assim,
os custos da sua empresa e beneficiando da conduta de abstenção dos outros, os
quais naturalmente, mais cedo ou mais tarde, tenderão a seguir-lhe o exemplo-
justificando por esta via a incriminação.”[8].É
a figura do free- rider, aquele que
beneficia do esforço de outros para a protecção de determinado valor sem
contribuir para ela, que legitima uma incriminação acumulativa.
Por
outro lado, a via das fórmulas incriminadoras amplas e monistas colocam
entraves à eficácia da tutela penal do ambiente. Tipos legais muito abertos não
permitem fazer a necessária diferenciação entre a pequena e a grande
criminalidade.”Uma multiplicação dos tipos incriminadores permitiria aquela
distinção, se contemplasse com diferentes penas as diversas condutas poluidoras
e descrevesse, minimamente, o bem jurídico e as espécies de meios segundo a sua
perigosidade.”[9]
3.Prós e contras da
tutela sancionatória preferencial pela via penal
Actualmente
persiste uma discussão em aberto quanto a saber se a tutela sancionatória do
ambiente deve ser realizada preferencialmente pela via penal ou pela via
administrativa. Para efeitos desta exposição, serão apenas considerados os
argumentos favoráveis e desfavoráveis à consagração preferencial da tutela
penal do ambiente.
A
favor da tutela sancionatória preferencial pela via penal, a doutrina enumera
os seguintes argumentos:
1) A
importância simbólica da existência de crimes ambientais, que confere à defesa
do ambiente uma maior dignidade jurídica, ao mesmo tempo que atribui ao Direito
Penal uma função pedagógica. (Quanto a este aspecto remete-se para os seus
inconvenientes referidos supra)
2) Uma
tutela ambiental mais intensa, na medida em que se verifica uma reacção mais
enérgica da ordem jurídica contra comportamentos lesivos do meio ambiente,
podendo conduzir não só à aplicação de sanções pecuniárias mas também de penas
privativas da liberdade
3) A
existência de garantias de processo penal que asseguram a todos os cidadãos
todas as garantias de defesa, artsº 27 a 32 da CRP, justificada pela aplicação
de sanções mais severas
Por outro lado, como inconvenientes da
tutela sancionatória preferencial do ambiente pela via penal, são apontados os
seguintes argumentos:
1) A
inadequação do Direito Penal para a tutela do meio ambiente, já que o Direito
Penal actua no pressuposto de repressão de comportamentos anti-jurídicos graves
e o Direito do Ambiente norteia-se pelo princípio da prevenção.
2) A
existência de várias situações danosas que derivam da actuação de pessoas colectivas,
não são objecto de tutela penal face ao disposto no art.º 11 da CP. As medidas
de coacção como a prisão preventiva ou as sanções como a pena de prisão não são
admissíveis com base no apuramento de responsabilidades colectivas, antes se
baseiam em critérios de responsabilidades individuais.
No entanto, tal como refere o Professor Gomes
Canotilho, “ A responsabilização das pessoas colectivas, mormente das grandes
empresas poluidoras já seria possível se o crimes ecológicos tivessem sido
previstos no âmbito do direito penal secundário por aqui não vigorar o caracter
pessoal da responsabilidade jurídico-penal.”[10]
3) O
perigo de subalternização do Direito Penal na medida em que a maioria dos
crimes ambientais decorre da desobediência às prescrições de autoridades
administrativas. Tal facto, coloca o Direito Penal numa situação de
acessoriedade administrativa, passando a ser um instrumento da actuação da
Administração. Assim, a autoridade que controla o respeito pelo Direito Penal
deixa de ser o juiz para passar a ser a Administração.
4) A
ineficácia do sistema sancionatório do ambiente de tipo penal devido à
dificuldade em condenar os criminosos ambientais. De facto, são raras as penas
efectivamente aplicadas e quando aplicadas constituem penas irrisórias.
4.
Conclusão
Efectivamente,
verifica-se uma certa dependência do Direito Penal do Ambiente em relação ao
Direito Administrativo do Ambiente. No nosso ordenamento jurídico assiste-se a
uma preferência pela tutela sancionatória do ambiente pela via administrativa,
o que coloca o Direito Penal do Ambiente numa posição subsidiário, isto é,
reservada aos casos mais graves de comportamentos anti-juridicos lesivos do
ambiente. Contudo, não esteira do que defende o Professor Vasco Pereira da
Silva[11]
entendemos que daí não decorre a substituição dos critérios individualizados da
culpa, ou da imputação subjectiva da conduta criminosa a um dado individuo, por
critérios meramente objectivos de verificação da simples desobediência às
disposições administrativas. Por conseguinte, deve implicar a conjugação de
ambas as dimensões para que possamos estar perante um crime ecológico. Será
necessário aprofundar o estudo do direito contra-ordenacional do Ambiente, ao
lado do Direito Penal do Ambiente, já que este direito autonomizou-se
qualitativamente do Direito Penal embora não se confunda com o Direito
Administrativo.
Consequentemente a
solução consagrada pelo ordenamento jurídico português, de conjugar a tutela
contra-ordenacional com a tutela penal, embora dando preferência à primeira,
permite-nos retirar as respectivas vantagens dos modelos exclusivistas,
permitindo a prossecução de reacções sancionatórias plenas, efectivas e proporcionais
da ordem jurídica contra comportamentos anti-juridicos lesivos do ambiente.
5.Bibliografia
Instituto
Nacional de Administração, Direito do
Ambiente, 1994
Boletim da Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, A Tutela
jurídica do meio ambiente: Presente e Futuro, Coimbra Editora, 2005
Gomes
Canotilho, Introdução ao Direito do
Ambiente, Universidade Aberta
Vasco
Pereira da Silva, Verde cor do Direito-
Lições de Direito do Ambiente, Almedina, 2002
[1]
Professor Figueiredo Dias, A tutela
jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de
direito da universidade de Coimbra, cit., página 185
[2]
Professor Gomes Canotilho, Introdução ao direito do ambiente, universidade
aberta, cit. Pagina 154
[3]
Professor Rodriguez Mourillo , A tutela
jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de
direito da universidade de Coimbra, cit., página 159
[4]
Professor Figueiredo Dias, A tutela
jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de
direito da universidade de Coimbra, cit., página 187
[5]
Professor Gomes Canotilho, Introdução ao direito do ambiente, universidade
aberta, cit. página 168
[6]
Professor Vasco Pereira da Silva, Verde
Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente, cit., página 277
[7]
Professor Figueiredo Dias, A tutela jurídica do meio ambiente: presente
e futuro, Boletim da faculdade de direito da universidade de Coimbra, cit.,
página 197
[8]
Professor Figueiredo Dias, A tutela
jurídica do meio ambiente: presente e futuro, Boletim da faculdade de
direito da universidade de Coimbra, cit., página 200
[9]
Professora Maria Fernanda Palma, Direito Penal
do Ambiente- Uma primeira abordagem, cit. página 446
[10]
Professor Gomes Canotilho, Introdução ao direito do ambiente, universidade
aberta, cit. Pagina 155
[11]
Professor Vasco Pereira da Silva, Verde
Cor de Direito- Lições de Direito do Ambiente, cit., Pagina 280
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