terça-feira, 8 de maio de 2012

Embargos Administrativos em matéria de Ambiente


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Direito do Ambiente
2011/2012

Os embargos administrativos em matéria de Ambiente

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Maria João Figueira Freitas
Nº 18266, 4º ano subturma 8




Sumário: I – Introdução; II – A tutela dos direitos subjectivos das relações jurídicas no domínio ambiental através do regime dos Embargos Administrativos; III – Novo regime legal dos “Embargos do Ambiente”; IV- Conclusão; V- Bibliografia.





I

       A Constituição da República Portuguesa (doravante, CRP) estabelece no seu art. 9º como tarefa fundamental do Estado a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais bem como no art. 66º/1 o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

       A este propósito entende PEREIRA DA SILVA, que o art. 66º da CRP, compreende uma dimensão objectiva, que se consubstancia na atribuição de tarefas estaduais, as quais consistem na defesa da natureza e do ambiente (art. 9º, alínea c) CRP) e uma dimensão subjectiva, que visa proteger os interesses dos particulares e considera-os como titulares de direitos subjectivos públicos. Características estas que são frequentemente indicadas por se entender o direito do ambiente prespectivado enquanto direito fundamental[1][2], tendo em conta a sua “dupla natureza”.

       Por outro lado, enquanto direito subjectivo, o direito ao ambiente constitui, pois, o fundamento da existência das relações jurídico-publicas de ambiente: este também deve ser considerado como um “direito de defesa” perante os poderes estaduais face a actuações administrativas que sejam lesivas dos direitos dos particulares. Para além desta vertente negativa do direito ao ambiente, este também pode ser analisado sob o prisma de uma vertente positiva, que tem por base a necessidade de os poderes públicos procederem à prestação de medidas concretizadoras deste direito. Da consideração do direito ao ambiente como um direito fundamental e, portanto, como um direito subjectivo público, sucede a possibilidade da sua invocação directa no domínio das relações jurídicas administrativas – arts. 18º, nº1 e 17º CRP. – dado que, o direito ao ambiente, na sua vertente negativa, possui uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias gozando como tal do respectivo regime jurídico.

       Estão, sobretudo, em causa relações multilaterais que implicam o envolvimento de diferentes particulares e autoridades administrativas situados em pólos diferenciados dessa mesma ligação e isto porque as decisões administrativas no domínio do Ambiente produzem efeitos susceptiveis de afectar um grande número de sujeitos[3].

Desta forma, são estabelecidas relações triangulares compostas pelo Estado, e por dois grupos de cidadãos: uns que são beneficiados pelo Estado e outros que são afectados de forma correspondente a tal benefício. De forma a proteger as posições jurídicas de vantagem dos particulares, a lei prevê direitos de intervenção no procedimento administrativo nos termos do art. 53º, nº2, alínea a) do Código de Procedimento Administrativo (doravante, CPA) bem como a sua tutela judicial efectiva,  seja pela via do recurso de anulação seja pela via das acções de defesa de direitos ou de indemnização.

Cabe apenas referir que o direito ao ambiente comporta a possibilidade de defesa contra quaisquer comportamentos lesivos produzidos não só pelas entidades públicas mas também pelas privadas. Todavia, o grau de vinculação pelo direito ao ambiente em relação aos sujeitos privados não tem a mesma intensidade que a que é imposta aos sujeitos públicos, visto que, tal vinculação não pode oprimir a liberdade e autonomia individuais, portanto é necessário distinguir consoante se verifique uma “vinculação a título principal”, que onera as entidades privadas dotadas de poder e sujeitas a um dever activo de cooperação com os particulares que perante aquelas podem invocar direitos fundamentais, ou uma “vinculação a título secundário”, que obriga qualquer sujeito a respeitar os direitos fundamentais nas esferas interprivadas e que se baseia num dever geral de respeito. Dada a finalidade de tutelar os direitos subjectivos das relações jurídicas no domínio ambiental, a Lei nº 11/87, de 7 de Abril – lei de Bases do Ambiente, no art. 42º, contém a previsão de um meio de garantia denominado por “embargos administrativos”.




II
Para a tutela dos direitos subjectivos das relações jurídicas no domínio ambiental a Lei de Bases do Ambiente contém a previsão de um meio de garantia. De acordo com o art. 42º da referida lei todos “Aqueles que se julguem ofendidos nos seus direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado poderão requerer que seja mandada suspender imediatamente a actividade causadora do dano, seguindo-se para tal efeito, o processo de embargo administrativo”. Todavia, a interpretação desta norma suscita vários problemas que cabe analisar, uma vez que, influenciam a determinação do seu conteúdo e respectivo regime jurídico.

Em primeiro lugar, coloca-se a questão de saber se os denominados embargos administrativos consistem numa forma de actuação da Administração (um procedimento administrativo) ou num meio jurisdicional (um processo judicial)[4]. Como admite FREITAS DO AMARAL, estamos perante uma contradição insanável, uma vez que, não há nenhum processo de embargos administrativos que seja da competência dos tribunais: ou há embargos administrativos que são da competência da Administração activa, ou há embargos judiciais que são da competência dos tribunais. Será pois, necessário recorrer a uma interpretação correctiva da expressão legal “embargos administrativos” e considerar que ela diz respeito a um processo judicial, querendo isto dizer que, o legislador atribui competência a um tribunal para os “embargos do ambiente”. Apesar de previstos na Lei de Bases, não foram regulados nem concretizados por legislação posterior, desta forma, e caracterizado este meio processual como específico da tutela do ambiente, cuja concretização se encontra incompleta, torna-se necessário tomar uma de duas opções: ou se entende que quele meio apenas se tornará efectivo quando for completamente regulado, ou se pretender fazer corresponder os embargos do ambiente a um meio contencioso pré-existente com o objectivo de garantir a imediata tutela dos direitos subjectivos em matéria ambiental. PEREIRA DA SILVA, considera que esta segunda opção é a mais correcta, visto que, procura salvaguardar a tutela judicial plena e efectiva dos direitos subjectivos dos particulares e adopta uma interpretação da expressão confirme à CRP nos arts. 17º, 18º, 20º e 268/4 e 5.

O segundo problema que se coloca consiste em saber se os “embargos do ambiente” constituem um meio processual do contencioso administrativo ou do processo civil. O art. 45º da Lei de Bases esclarece e acaba por atribuir o conhecimento das acções é competência dos tribunais comuns, ou seja, os embargos administrativos são considerados como um meio processual do processo civil.

Em terceiro lugar, surge relacionado com a natureza dos “embargos do ambiente” como um meio principal ou acessório, ou seja, saber se estamos perante uma acção ou uma providência cautelar. Também aqui, o legislador não foi muito esclarecedor muito embora as sucessivas alterações à Lei 11/87 de 07 de Abril tenham culminado num esclarecimento geral, já que, anteriormente se referia ao meio processual como sendo uma acção (art. 45º da Lei de Bases, na anterior redação), e por outro lado, estabelecia que o pedido do particular, feito ao juíz por intermédio desse meio processual é o da “suspensão imediata” da actividade causadora do dano (art. 42º da referida lei). Eliminado o conceito de acção propriamente dito do art. 45º, a natureza deste “embargo do ambiente” aponta no sentido de estarmos perante uma providência cautelar destinada a proporcionar uma tutela provisória e não definitiva ao direito ao ambiente.
Cumpre, neste ponto, apontar as características dos “embargos administrativos” enquanto meio processual:
1 - Quanto aos elementos do processo temos:
a)      sujeitos activos (lesados) que são titulares do direito ao ambiente ou de quaisquer direitos subjectivos abrangidos pela norma jurídica (pública ou privada, bilateral ou multilateral); e sujeitos passivos que são as entidades públicas ou privadas causadoras de uma lesão ambiental.
b)      O pedido é a suspensão imediata da actividade lesiva do ambiente;
c)      A causa de pedir é o direito subjectivo do lesado que é alegado pelo particular;
2 – Quanto aos pressupostos processuais:
a)      Competência para o conhecimento deste meio processual é dos tribunais comuns de acordo com a anterior redacção do art. 45º
Uma vez que a regulação deste meio processual não é concretizada em legislação específica posterior, torna-se imprescindível corresponder a previsão legal daquele à de um outro meio contencioso pré-existente, com recurso a uma interpretação conforme à Constituição, de modo a não inutilizar os “embargos do ambiente”, como acima referimos. Antes da reforma do processo civil, a doutrina já dividia-se acerca da figura cuja regulação devia subsumir-se à dos embargos do ambiente, FREITAS DO AMARAL e GOMES CANOTILHO consideravam como solução a adoptar nesta sede, a recondução da previsão dos embargos “administrativos” ao procedimento cautelar de embargo judicial de obra nova, previsto nos arts. 412º e segs. do Código de Processo Civil (doravante, CPC) crentes que o legislador, ao utilizar a expressão “embargos administrativos”, procurou atribuir ao lesado o direito de recorrer ao processo especial de embargo judicial de obra nova. Assim, nos termos do art. 413º, nº2 do CPC os particulares cujos direitos subjectivos ao ambiente sejam lesados podem tirar partido do meio processual de embargo de obra nova sem quaisquer limitações de prazo, como se fossem uma autoridade pública.

Contudo, a recondução da previsão legal dos ditos embargos à regulação do embargo de obra nova não se encontra isenta de dificuldades e levanta alguns problemas de compatibilização: enquanto o embargo de obra nova tem por finalidade a tutela dum direito real, o embargo do ambiente visa proteger os direitos subjectivos em matéria ambiental, que consubstanciam-se em direitos de natureza diferente. Os direitos subjectivos susceptíveis de serem tutelados em matéria ambiental são, em regra, relativos, pois consistem em direitos a uma concreta acção ou omissão por parte de entidades públicas ou privadas, no âmbito de relações obrigacionais de natureza bilateral ou multilateral; Por outro lado, o embargo de obra nova visa suspender uma construção, enquanto que o embargo do ambiente prossegue a imediata cessação de uma actividade poluente; Por último, a versão originária do art. 414º, nº1 do CPC, anterior à reforma do processo civil, colocava outra dificuldade na compatibilização das duas figuras ao proibir o embargo de obras do Estado ou de autarquias locais. Deste modo, o embargo de obra nova apenas poderia ser prosseguido no âmbito das relações jurídico-privadas, e não das jurídico-públicas, de direito do ambiente.

Como solução apontada para resolver este último problema, GOMES CANOTILHO defendia a conjugação das normas do CPC com as da Lei das Associações de Defesa do Ambiente (Lei nº 10/87, de 4 de Abril), nomeadamente com a norma que confere a tais associações legitimidade para “propor acções necessárias à prevenção ou cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam factor de degradação de ambiente” – art. 7º, nº1, a) do referido diploma. Neste entendimento, passaria a ser possível a utilização do embargo de obra nova em matéria ambiental, mesmo relativamente a actuações do Estado ou de autarquias locais, com fundamento jurídico-legal nos preceitos da Lei de Bases do Ambiente e da Lei das Associações de Defesa do Ambiente. No entanto PEREIRA DA SILVA não concorda com a posição de FREITAS DO AMARAL para resolver o problema da aplicabilidade do embargo de obra nova a todas as relações do Ambiente, uma vez que, esta conduz a uma solução “contra legem”: além dos mencionados problemas de compatibilização entre os dois meios processuais, o referido art. 7º, nº1, a) limita-se a atribuir legitimidade processual às associações de defesa do ambiente, e não se pode retirar do seu conteúdo que haja qualquer permissão do funcionamento do embargo contra entidades públicas. Mesmo se tal fosse possível, se o embargo de obra nova ambiental pudesse ser prosseguido contra entidades públicas no caso do pedido ser efectuado por associações de defesa do ambiente, tal meio não podia ser utilizado por qualquer particular em relação à administração, portanto a tutela individual dos privados no âmbito das relações administrativas de ambiente continuaria com graves falhas.

O problema da recondução dos embargos do ambienta à regulação de outros meios processuais pré-existentes, poderia reconduzir, na opinião de PEREIRA DA SILVA a três soluções teoricamente admissíveis:

1. Uma primeira tese, defendida por FREITAS DO AMARAL e GOMES CANOTILHO, procede à equiparação dos embargos do ambiente ao embargo de obra nova, mas apenas comporta a tutela dos direitos subjectivos em matéria ambiental quando estão em causa relações jurídicas privadas e, assim exclui a protecção destes direitos perante entidades públicas;

2. A segunda tese procura fazer corresponder os embargos do ambiente a um dos seguintes meios processuais do contencioso administrativo:

a) A suspensão da eficácia do acto administrativo, prevista nos arts. 128º e segs. do CPTA, que consiste numa providência cautelar susceptível de ser utilizada no âmbito das relações administrativas de ambiente, sempre que exista um qualquer acto administrativo recorrível. No entanto, a utilização deste meio ao nível das relações de ambiente seria limitada, tendo em conta que muitas das actuações administrativas que lesem o ambiente não decorrem de actos administrativos, mas sim de actuações de carácter técnico;

b) A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, prevista nos arts. 109º e segs. do CPTA, é um processo urgente que pode ser requerido quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar –nº1 do art. 109º. De acordo com o nº2 do referido preceito, a intimação também pode ser dirigida contra particulares, como concessionários;

c) A acção para o reconhecimento de direitos ou interesses legalmente protegidos,  referida nas alíneas a) e b) do nº2 do art. 37º do CPTA, é considerada um meio principal na qual inexiste o efeito suspensivo imediato que constitui uma característica dos embargos do ambiente de acordo com a Lei de Bases, sendo assim posta em causa a plenitude da tutela assim conseguida ao excluir o âmbito das relações privadas de ambiente.

3. Por fim, a denominada tese “mista” pois equivale os embargos do ambiente tanto ao embargo de obra nova, como aos mencionados meios do contencioso administrativo. Esta tese consegue assegurar, segundo o que afirma PEREIRA DA SILVA, uma tutela mais ampla em matéria ambiental do que as duas anteriores, uma vez que a defesa dos direitos ambientais afectados em relação a privados era prosseguida através do embargo de obra nova, enquanto que em relação a entidades públicas se utilizariam os meios processuais do contencioso administrativo. Esta tese implica a existência de uma dualidade de jurisdições relativa a um único meio processual no que respeita à tutela dos direitos das relações ambientais, e a consequente possibilidade de ocorrência de conflitos de jurisdição. Por outro lado, apesar da conjugação de todos estes meios processuais, os direitos dos particulares continuavam a carecer de uma tutela plena.

Como conclusão, a tentativa de corresponder os embargos em matéria ambiental a outros meios do contencioso não se revelava completamente satisfatória porque não conseguia garantir a tutela de todos os direitos ambientais que necessitavam de ser defendidos. A situação da tutela judicial do direito ao ambiente implicava o surgimento de casos de sobreposição de meios processuais e de jurisdições competentes, susceptível de provocar graves problemas de denegação de justiça. Face a estas consequências, colocou-se a questão da inconstitucionalidade das disposições reguladoras dos embargos do ambiente, por violação dos princípios do acesso à justiça e da tutela jurisdicional plena e efectiva dos cidadãos – arts. 20º e 268º, nos. 4 e 5 da CRP. Deste modo, poderia ser colocada a questão da inconstitucionalidade parcial do art. 42º da Lei de Bases, seja por acção ou por omissão, na medida em que a recondução dos embargos do ambiente a outros meios processuais conduzisse a situações de ausência ou de sobreposição de tutela. Existia inconstitucionalidade por acção nos casos em que o meio processual era considerado inútil ou de difícil e incerta aplicação, pela violação do direito fundamental ao ambiente (art. 66º CRP), que prevê a existência de meios procedimentais e processuais necessários e adequados à tutela do direito em causa, e pela violação do direito fundamental de acesso à Justiça, bem como a uma tutela judicial plena e efectiva dos direitos dos cidadãos consagrado nos arts. 20º e 268º nº 4 e 5 da CRP. Por outro lado, existia inconstitucionalidade por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exigíveis as normas constitucionais (art. 283º da CRP), uma vez que, estava em causa a preterição de um comportamento devido, que consubstanciava-se na obrigação de dar realização processual ao direito ao ambiente.


III

A situação da tutela judicial do Ambiente é alterada pela reforma do Processo Civil de 95/96 no sentido em que a reformulação das normas reguladoras do embargo de obra nova parece representar uma clara intenção do legislador no sentido de considerar que os embargos do ambiente se devem reconduzir a meios contencioso pré-existentes. Resolvemos, desta forma, o problema de aplicabilidade e compatibilização dos referidos meios processuais.

A nova formulação dada ao art. 414º do CPC estabelece que “não podem ser embargadas (…) as obras do Estado, das demais pessoas colectivas públicas e das entidades concessionárias de obras ou serviços públicos quando, por o litígio se reportar a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos direitos ou interesses lesados se dever efectivar através dos meios previstos na lei de processo administrativo contencioso”. Deste preceito se retira a contrario que o embargo pode ser utilizado também contra entidades públicas, no âmbito de relações administrativas de ambiente, sempre que não exista um meio específico do contencioso administrativo. Deste modo, a reforma do processo civil veio conferir sentido útil aos embargos administrativos previstos na Lei de Bases do Ambiente, fazendo-o corresponder ao embargo de obra nova, assim como a outros meios do contencioso administrativo.

Em suma, do regime legal resulta o seguinte:
1.      A aplicabilidade do embargo de obra nova em matéria ambiental, sempre que estejam em causa relações jurídico-privadas;
2.      A aplicabilidade do embargo de obra nova também às relações administrativas apenas nos casos em que não exista um meio específico do contencioso administrativo. Deste modo, se se estiver perante uma relação administrativa do ambiente, deve-se apurar:
a) Se a lesão do direito ao ambiente foi causada por um acto administrativo recorrível, caso em que existe um meio específico do contencioso administrativo, que consiste na suspensão da eficácia do acto, pelo que é ele o aplicável;
b) Se a lesão do direito subjectivo ambiental foi provocada por um privado no âmbito de uma relação administrativa multilateral, neste caso existe um meio específico do contencioso administrativo para paralisar essa actividade, que é a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
c) Nos restantes casos de relações administrativas ambientais, e na ausência de outras providências cautelares específicas do contencioso administrativo, pode ser utilizado o embargo de obra nova (v.g. num caso onde se verifica uma lesão no ambiente causada por uma actuação administrativa de carácter técnico).

No balanço do regime legal cabe também enumerar as suas vantagens:
1.      A clara vontade do legislador no sentido de proceder à equiparação da previsão legal do embargo do ambiente ao embargo de obra nova, como meio eficaz de tutela dos direitos subjectivos nas relações jurídicas ambientais, ainda que sem abdicar da utilização dos meios processuais do contencioso administrativo;
2.       A extensão do âmbito do embargo de obra nova também às relações administrativas de ambiente, sempre que não exista outro meio processual específico do contencioso administrativo. Deste modo são solucionados os problemas levantados pela fraca tutela dos direitos subjectivos públicos em matéria ambiental através da preferência por um meio processual mais eficaz;
3.      Clarificação dos diferentes meios processuais, no que diz respeito à utilização de meios do processo civil e do processo administrativo.

Cumpre também apresentar os principais inconvenientes deste regime legal:
1.      Manutenção da dualidade de jurisdições em matéria de contencioso do ambiente, com a agravante do facto da delimitação de jurisdições já não estar relacionada com a natureza da relação jurídica em causa;
2.      Probabilidade de existirem conflitos positivos e negativos de jurisdição, uma vez que os direitos das relações administrativas em matéria ambiental tanto podem ser da competência dos tribunais comuns como dos tribunais administrativos. Esta situação pode equacionar uma incompatibilidade entre este regime legal e a opção constitucional de atribuir aos tribunais administrativos a competência para “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas” – art. 212º, nº3 CRP.

Feitas as ponderações, concluímos que, teria sido preferível uma diferente opção por parte do legislador.


IV

Por o que ficou supra exposto, cabe concluir frisando a ideia de que o legislador não clarificou o actual regime jurídico dos embargos administrativos. Como refere PEREIRA DA SILVA, uma opção correcta teria sido a criação de um meio específico de tutela provisória ou cautelar dos direitos subjectivos ambientais, susceptível de ser aplicado a todo o universo das relações jurídicas ambientais (públicas ou privadas), e da competência de uma única jurisdição, cuja solução mais adequada era ser a comum, mas que também poderia ser a administrativa. Por outro lado, também devia ser criada uma acção específica para os direitos subjectivos do ambiente (públicos e privados), adequada à especial natureza dos interesses em conflito e das necessidades de tutela neste âmbito. 


Deste modo, o contencioso ambiental passaria a abranger não só um específico meio de tutela cautelar, mas também um específico meio de tutela definitiva, os quais seriam atribuídos a uma única jurisdição.

Uma última questão se coloca: se o novo regime legal dos embargos administrativos criado pela reforma do processo civil respeita a Constituição. O problema que se pode continuar a suscitar acerca da eventual inconstitucionalidade deste regime legal já não está relacionado com a questão da plenitude da tutela do direito fundamental ao ambiente (art. 20º e 268 nº 4 e 5 CRP), mas sim com a efectividade dessa tutela. A efectividade dos embargos do ambiente pode ser posta em causa devido à possibilidade de verificação de frequentes conflitos de jurisdição e à existência de problemas de harmonização do embargo de obra nova com o universo do ambiente, tendo em conta que se trata de um meio originariamente concebido para a tutela de direitos reais e não de direitos que, em regra, apresentam uma natureza obrigacional, e, por outro lado, o pedido de suspensão de uma construção é diferente do pedido de cessação duma actividade poluente. Em suma, se os tribunais vão ser capazes de “subverter” o embargo de obra nova fazendo dele o meio contencioso por execelência de tutela dos direitos subjectivos do ambiente, se isto não acontecer, caímos de novo no domínio da inconstitucionalidade.



V. Bibliografia:

ANDRADE, José Carlos Vieira, A justiça Administrativa, Almedina, 11º ed, 2011.
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Lei de Bases do Ambiente e Lei das Associações de Defesa do Ambiente, Direito do Ambiente, Instituto Nacional de Administração, 1994.
GOMES CANOTILHO, José, Privativismo, associativismo e publicismo na justiça administrativa do Ambiente, Revista de legislação e jurisprudência.
PEREIRA DA SILVA, Vasco, Os denominados embargos Administrativos em matéria de Ambiente; Revista Jurídica de Urbanismo e Ambiente, nº7, Almedina, 2007.
SILVA, Vasco Pereira, O contencioso administrativo no divã da psicanálise, Ensaios sobre as acções no novo processo administrativo; Almedina; 2ºed, 2009. 
SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado, Direito Administrativo Geral, Tomo III, D. Quixote, 2ºed. 2009.



[1] A questão de saber se o direito ao ambiente é ou não análogo aos direitos, liberdades e garantias gira em torno da distinção feita, pela doutrina e jurisprudência nacionais, de classificação e de regime dos direitos, liberdades e garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais, não obstante ao artigo 66º da Constituição da República Portuguesa que, apesar de prever que o direito ao ambiente é um direito fundamental, não é suficientemente esclarecedor quanto a saber se “se está ainda perante um “verdadeiro” direito fundamental ou se se trata antes de uma tarefa estadual “disfarçada”, em razão da necessidade de intervenção estadual de que depende a concretização da disposição constitucional”

[2] Como refere PEREIRA DA SILVA, os direitos fundamentais radicam num princípio axiológico, permanente e absoluto, que é a dignidade da pessoa humana. Para este efeito cabe distinguir três gerações de direitos fundamentais: os direitos fundamentais da primeira geração, nascidos com o constitucionalismo liberal, enquanto liberdades perante o estado e direitos civis e políticos. Esses direitos possuíam um conteúdo meramente negativo, correspondente a um dever de abstenção das entidades públicas. Os direitos de segunda geração, que nasceram com o estado social, não são mais direitos de abstenção, mas antes de intervenção estadual, implicando a colaboração dos poderes públicos para a sua realização. E, por último, os direitos fundamentais de terceira geração vêm introduzir uma tónica de protecção jurídica individual dos novos domínios do ambiente, da informática e das novas tecnologias, da genética.

[3] Veja-se o exemplo de uma autorização legislativa concedida a uma indústria poluente em que constitui uma vantagem para o empresário e um prejuízo para o vizinho atingido pelas suas emissões. Neste caso, quando a administração autoriza uma entidade a exercer determinada actividade poluidora, o particular lesado não contesta o titular da licença administrativa, mas sim o Estado que autorizou tais comportamentos, ou seja, o particular reage contra a licença administrativa, não contra o seu titular.

[4] Isto porque até o próprio legislador nos fornece indicações contraditórias: por um lado, a denominação “embargos administrativos” aponta para a consideração de que se trata de um meio administrativo mas, por outro lado, encontramos o art. 45º da Lei de Bases do Ambiente onde tudo indica tratar-se num meio processual.

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