Os
embargos administrativos em matéria de Ambiente
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Maria João Figueira Freitas
Nº
18266, 4º ano subturma 8
Sumário:
I – Introdução; II – A tutela dos direitos subjectivos das relações jurídicas
no domínio ambiental através do regime dos Embargos Administrativos; III – Novo
regime legal dos “Embargos do Ambiente”; IV- Conclusão; V- Bibliografia.
I
A Constituição da República Portuguesa
(doravante, CRP) estabelece no seu art. 9º como tarefa fundamental do Estado a
efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais bem como
no art. 66º/1 o direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente
equilibrado e o dever de o defender.
A este propósito entende PEREIRA DA
SILVA, que o art. 66º da CRP, compreende uma dimensão objectiva, que se
consubstancia na atribuição de tarefas estaduais, as quais consistem na defesa
da natureza e do ambiente (art. 9º, alínea c) CRP) e uma dimensão subjectiva,
que visa proteger os interesses dos particulares e considera-os como titulares
de direitos subjectivos públicos. Características estas que são frequentemente
indicadas por se entender o direito do ambiente prespectivado enquanto direito
fundamental[1][2],
tendo em conta a sua “dupla natureza”.
Por outro lado, enquanto direito
subjectivo, o direito ao ambiente constitui, pois, o fundamento da existência
das relações jurídico-publicas de ambiente: este também deve ser considerado
como um “direito de defesa” perante os poderes estaduais face a actuações
administrativas que sejam lesivas dos direitos dos particulares. Para além
desta vertente negativa do direito ao ambiente, este também pode ser analisado
sob o prisma de uma vertente positiva, que tem por base a necessidade de os
poderes públicos procederem à prestação de medidas concretizadoras deste
direito. Da consideração do direito ao ambiente como um direito fundamental e,
portanto, como um direito subjectivo público, sucede a possibilidade da sua
invocação directa no domínio das relações jurídicas administrativas – arts.
18º, nº1 e 17º CRP. – dado que, o direito ao ambiente, na sua vertente
negativa, possui uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias
gozando como tal do respectivo regime jurídico.
Estão, sobretudo, em causa relações
multilaterais que implicam o envolvimento de diferentes particulares e
autoridades administrativas situados em pólos diferenciados dessa mesma ligação
e isto porque as decisões administrativas no domínio do Ambiente produzem
efeitos susceptiveis de afectar um grande número de sujeitos[3].
Desta forma,
são estabelecidas relações triangulares compostas pelo Estado, e por dois
grupos de cidadãos: uns que são beneficiados pelo Estado e outros que são
afectados de forma correspondente a tal benefício. De forma a proteger as
posições jurídicas de vantagem dos particulares, a lei prevê direitos de
intervenção no procedimento administrativo nos termos do art. 53º, nº2, alínea
a) do Código de Procedimento Administrativo (doravante, CPA) bem como a sua
tutela judicial efectiva, seja pela via
do recurso de anulação seja pela via das acções de defesa de direitos ou de
indemnização.
Cabe apenas
referir que o direito ao ambiente comporta a possibilidade de defesa contra
quaisquer comportamentos lesivos produzidos não só pelas entidades públicas mas
também pelas privadas. Todavia, o grau de vinculação pelo direito ao ambiente
em relação aos sujeitos privados não tem a mesma intensidade que a que é
imposta aos sujeitos públicos, visto que, tal vinculação não pode oprimir a
liberdade e autonomia individuais, portanto é necessário distinguir consoante
se verifique uma “vinculação a título principal”, que onera as entidades
privadas dotadas de poder e sujeitas a um dever activo de cooperação com os
particulares que perante aquelas podem invocar direitos fundamentais, ou uma
“vinculação a título secundário”, que obriga qualquer sujeito a respeitar os
direitos fundamentais nas esferas interprivadas e que se baseia num dever geral
de respeito. Dada a finalidade de tutelar os direitos subjectivos das relações
jurídicas no domínio ambiental, a Lei nº
11/87, de 7 de Abril – lei de Bases do
Ambiente, no art. 42º, contém a previsão de um meio de garantia denominado por
“embargos administrativos”.
II
Para
a tutela dos direitos subjectivos das relações jurídicas no domínio ambiental a
Lei de Bases do Ambiente contém a previsão de um meio de garantia. De acordo
com o art. 42º da referida lei todos “Aqueles que se julguem ofendidos nos seus
direitos a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado poderão requerer que
seja mandada suspender imediatamente a actividade causadora do dano,
seguindo-se para tal efeito, o processo de embargo administrativo”. Todavia, a
interpretação desta norma suscita vários problemas que cabe analisar, uma vez
que, influenciam
a determinação do seu conteúdo e respectivo regime jurídico.
Em primeiro
lugar, coloca-se a questão de saber se os denominados embargos administrativos
consistem numa forma de actuação da Administração (um procedimento
administrativo) ou num meio jurisdicional (um processo judicial)[4].
Como admite FREITAS DO AMARAL, estamos perante uma contradição insanável, uma
vez que, não há nenhum processo de embargos administrativos que seja da
competência dos tribunais: ou há embargos administrativos que são da
competência da Administração activa, ou há embargos judiciais que são da
competência dos tribunais. Será pois, necessário recorrer a uma interpretação
correctiva da expressão legal “embargos administrativos” e considerar que ela
diz respeito a um processo judicial, querendo isto dizer que, o legislador
atribui competência a um tribunal para os “embargos do ambiente”. Apesar de
previstos na Lei de Bases, não foram regulados nem concretizados por legislação
posterior, desta forma, e caracterizado este meio processual como específico da
tutela do ambiente, cuja concretização se encontra incompleta, torna-se
necessário tomar uma de duas opções: ou se entende que quele meio apenas se
tornará efectivo quando for completamente regulado, ou se pretender fazer
corresponder os embargos do ambiente a um meio contencioso pré-existente com o
objectivo de garantir a imediata tutela dos direitos subjectivos em matéria
ambiental. PEREIRA DA SILVA, considera que esta segunda opção é a mais
correcta, visto que, procura salvaguardar a tutela judicial plena e efectiva
dos direitos subjectivos dos particulares e adopta uma interpretação da
expressão confirme à CRP nos arts. 17º, 18º, 20º e 268/4 e 5.
O segundo
problema que se coloca consiste em saber se os “embargos do ambiente”
constituem um meio processual do contencioso administrativo ou do processo
civil. O art. 45º da Lei de Bases esclarece e acaba por atribuir o conhecimento
das acções é competência dos tribunais comuns, ou seja, os embargos
administrativos são considerados como um meio processual do processo civil.
Em terceiro
lugar, surge relacionado com a natureza dos “embargos do ambiente” como um meio
principal ou acessório, ou seja, saber se estamos perante uma acção ou uma
providência cautelar. Também aqui, o legislador não foi muito esclarecedor
muito embora as sucessivas alterações à Lei 11/87 de 07 de Abril tenham
culminado num esclarecimento geral, já que, anteriormente se referia ao meio
processual como sendo uma acção (art. 45º da Lei de Bases, na anterior redação),
e por outro lado, estabelecia que o pedido do particular, feito ao juíz por
intermédio desse meio processual é o da “suspensão imediata” da actividade
causadora do dano (art. 42º da referida lei). Eliminado o conceito de acção
propriamente dito do art. 45º, a natureza deste “embargo do ambiente” aponta no
sentido de estarmos perante uma providência cautelar destinada a proporcionar
uma tutela provisória e não definitiva ao direito ao ambiente.
Cumpre,
neste ponto, apontar as características dos “embargos administrativos” enquanto
meio processual:
1 - Quanto
aos elementos do processo temos:
a)
sujeitos activos (lesados) que são titulares do
direito ao ambiente ou de quaisquer direitos subjectivos abrangidos pela norma
jurídica (pública ou privada, bilateral ou multilateral); e sujeitos passivos
que são as entidades públicas ou privadas causadoras de uma lesão ambiental.
b)
O pedido é a suspensão imediata da actividade lesiva
do ambiente;
c)
A causa de pedir é o direito subjectivo do lesado que
é alegado pelo particular;
2 – Quanto
aos pressupostos processuais:
a)
Competência para o conhecimento deste meio processual
é dos tribunais comuns de acordo com a anterior redacção do art. 45º
Uma vez que
a regulação deste meio processual não é concretizada em legislação específica
posterior, torna-se imprescindível corresponder a previsão legal daquele à de
um outro meio contencioso pré-existente, com recurso a uma interpretação
conforme à Constituição, de modo a não inutilizar os “embargos do ambiente”,
como acima referimos. Antes da reforma do processo civil, a doutrina já
dividia-se acerca da figura cuja regulação devia subsumir-se à dos embargos do
ambiente, FREITAS DO AMARAL e GOMES CANOTILHO consideravam como solução a
adoptar nesta sede, a recondução da previsão dos embargos “administrativos” ao
procedimento cautelar de embargo judicial de obra nova, previsto nos arts. 412º
e segs. do Código de Processo Civil (doravante, CPC) crentes que o legislador,
ao utilizar a expressão “embargos administrativos”, procurou atribuir ao lesado
o direito de recorrer ao processo especial de embargo judicial de obra nova.
Assim, nos termos do art. 413º, nº2 do CPC os particulares cujos direitos
subjectivos ao ambiente sejam lesados podem tirar partido do meio processual de
embargo de obra nova sem quaisquer limitações de prazo, como se fossem uma
autoridade pública.
Contudo, a
recondução da previsão legal dos ditos embargos à regulação do embargo de obra
nova não se encontra isenta de dificuldades e levanta alguns problemas de
compatibilização: enquanto o embargo de obra nova tem por finalidade a tutela
dum direito real, o embargo do ambiente visa proteger os direitos subjectivos
em matéria ambiental, que consubstanciam-se em direitos de natureza diferente.
Os direitos subjectivos susceptíveis de serem tutelados em matéria ambiental
são, em regra, relativos, pois consistem em direitos a uma concreta acção ou
omissão por parte de entidades públicas ou privadas, no âmbito de relações
obrigacionais de natureza bilateral ou multilateral; Por outro lado, o embargo
de obra nova visa suspender uma construção, enquanto que o embargo do ambiente
prossegue a imediata cessação de uma actividade poluente; Por último, a versão
originária do art. 414º, nº1 do CPC, anterior à reforma do processo civil,
colocava outra dificuldade na compatibilização das duas figuras ao proibir o
embargo de obras do Estado ou de autarquias locais. Deste modo, o embargo de
obra nova apenas poderia ser prosseguido no âmbito das relações
jurídico-privadas, e não das jurídico-públicas, de direito do ambiente.
Como solução
apontada para resolver este último problema, GOMES CANOTILHO defendia a
conjugação das normas do CPC com as da Lei das Associações de Defesa do
Ambiente (Lei nº 10/87, de 4 de Abril), nomeadamente com a norma que confere a
tais associações legitimidade para “propor acções necessárias à prevenção ou
cessação de actos ou omissões de entidades públicas ou privadas que constituam
factor de degradação de ambiente” – art. 7º, nº1, a) do referido diploma. Neste
entendimento, passaria a ser possível a utilização do embargo de obra nova em
matéria ambiental, mesmo relativamente a actuações do Estado ou de autarquias
locais, com fundamento jurídico-legal nos preceitos da Lei de Bases do Ambiente
e da Lei das Associações de Defesa do Ambiente. No entanto PEREIRA DA SILVA não
concorda com a posição de FREITAS DO AMARAL para resolver o problema da
aplicabilidade do embargo de obra nova a todas as relações do Ambiente, uma vez
que, esta conduz a uma solução “contra legem”: além dos mencionados problemas
de compatibilização entre os dois meios processuais, o referido art. 7º, nº1,
a) limita-se a atribuir legitimidade processual às associações de defesa do
ambiente, e não se pode retirar do seu conteúdo que haja qualquer permissão do
funcionamento do embargo contra entidades públicas. Mesmo se tal fosse
possível, se o embargo de obra nova ambiental pudesse ser prosseguido contra
entidades públicas no caso do pedido ser efectuado por associações de defesa do
ambiente, tal meio não podia ser utilizado por qualquer particular em relação à
administração, portanto a tutela individual dos privados no âmbito das relações
administrativas de ambiente continuaria com graves falhas.
O problema
da recondução dos embargos do ambienta à regulação de outros meios processuais
pré-existentes, poderia reconduzir, na opinião de PEREIRA DA SILVA a três
soluções teoricamente admissíveis:
1. Uma primeira tese, defendida por FREITAS
DO AMARAL e GOMES CANOTILHO, procede à equiparação dos embargos do ambiente ao
embargo de obra nova, mas apenas comporta a tutela dos direitos subjectivos em
matéria ambiental quando estão em causa relações jurídicas privadas e, assim
exclui a protecção destes direitos perante entidades públicas;
2. A segunda tese procura fazer corresponder os embargos do ambiente a um dos seguintes meios processuais do contencioso administrativo:
a) A suspensão da eficácia do acto administrativo, prevista nos arts. 128º e segs. do CPTA, que consiste numa providência cautelar susceptível de ser utilizada no âmbito das relações administrativas de ambiente, sempre que exista um qualquer acto administrativo recorrível. No entanto, a utilização deste meio ao nível das relações de ambiente seria limitada, tendo em conta que muitas das actuações administrativas que lesem o ambiente não decorrem de actos administrativos, mas sim de actuações de carácter técnico;
b) A intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, prevista nos arts. 109º e segs. do CPTA, é um processo urgente que pode ser requerido quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar –nº1 do art. 109º. De acordo com o nº2 do referido preceito, a intimação também pode ser dirigida contra particulares, como concessionários;
c) A acção para o reconhecimento de direitos ou
interesses legalmente protegidos, referida
nas alíneas a) e b) do nº2 do art. 37º do CPTA, é considerada um meio principal
na qual inexiste o efeito suspensivo imediato que constitui uma característica
dos embargos do ambiente de acordo com a Lei de Bases, sendo assim posta em
causa a plenitude da tutela assim conseguida ao excluir o âmbito das relações
privadas de ambiente.
3. Por fim, a denominada tese “mista” pois equivale os embargos do ambiente tanto ao embargo de obra nova, como aos mencionados meios do contencioso administrativo. Esta tese consegue assegurar, segundo o que afirma PEREIRA DA SILVA, uma tutela mais ampla em matéria ambiental do que as duas anteriores, uma vez que a defesa dos direitos ambientais afectados em relação a privados era prosseguida através do embargo de obra nova, enquanto que em relação a entidades públicas se utilizariam os meios processuais do contencioso administrativo. Esta tese implica a existência de uma dualidade de jurisdições relativa a um único meio processual no que respeita à tutela dos direitos das relações ambientais, e a consequente possibilidade de ocorrência de conflitos de jurisdição. Por outro lado, apesar da conjugação de todos estes meios processuais, os direitos dos particulares continuavam a carecer de uma tutela plena.
Como
conclusão, a tentativa de corresponder os embargos em matéria ambiental a outros
meios do contencioso não se revelava completamente satisfatória porque não
conseguia garantir a tutela de todos os direitos ambientais que necessitavam de
ser defendidos. A situação da tutela judicial do direito ao ambiente implicava
o surgimento de casos de sobreposição de meios processuais e de jurisdições
competentes, susceptível de provocar graves problemas de denegação de justiça. Face
a estas consequências, colocou-se a questão da inconstitucionalidade das
disposições reguladoras dos embargos do ambiente, por violação dos princípios
do acesso à justiça e da tutela jurisdicional plena e efectiva dos cidadãos –
arts. 20º e 268º, nos. 4 e 5 da CRP. Deste modo, poderia ser colocada a questão
da inconstitucionalidade parcial do art. 42º da Lei de Bases, seja por acção ou
por omissão, na medida em que a recondução dos embargos do ambiente a outros
meios processuais conduzisse a situações de ausência ou de sobreposição de
tutela. Existia inconstitucionalidade por acção nos casos em que o meio
processual era considerado inútil ou de difícil e incerta aplicação, pela
violação do direito fundamental ao ambiente (art. 66º CRP), que prevê a
existência de meios procedimentais e processuais necessários e adequados à
tutela do direito em causa, e pela violação do direito fundamental de acesso à
Justiça, bem como a uma tutela judicial plena e efectiva dos direitos dos
cidadãos consagrado nos arts. 20º e 268º nº 4 e 5 da CRP. Por outro lado,
existia inconstitucionalidade por omissão das medidas legislativas necessárias
para tornar exigíveis as normas constitucionais (art. 283º da CRP), uma vez que,
estava em causa a preterição de um comportamento devido, que consubstanciava-se
na obrigação de dar realização processual ao direito ao ambiente.
III
A situação
da tutela judicial do Ambiente é alterada pela reforma do Processo Civil de
95/96 no sentido em que a reformulação das normas reguladoras do embargo de
obra nova parece representar uma clara intenção do legislador no sentido de
considerar que os embargos do ambiente se devem reconduzir a meios contencioso
pré-existentes. Resolvemos, desta forma, o problema de aplicabilidade e
compatibilização dos referidos meios processuais.
A nova
formulação dada ao art. 414º do CPC estabelece que “não podem ser embargadas
(…) as obras do Estado, das demais pessoas colectivas públicas e das entidades
concessionárias de obras ou serviços públicos quando, por o litígio se reportar
a uma relação jurídico-administrativa, a defesa dos direitos ou interesses
lesados se dever efectivar através dos meios previstos na lei de processo
administrativo contencioso”. Deste preceito se retira a contrario que o embargo pode ser utilizado também contra
entidades públicas, no âmbito de relações administrativas de ambiente, sempre
que não exista um meio específico do contencioso administrativo. Deste modo, a
reforma do processo civil veio conferir sentido útil aos embargos
administrativos previstos na Lei de Bases do Ambiente, fazendo-o corresponder
ao embargo de obra nova, assim como a outros meios do contencioso
administrativo.
Em suma, do regime legal resulta o seguinte:
1.
A aplicabilidade do embargo de obra nova em matéria
ambiental, sempre que estejam em causa relações jurídico-privadas;
2.
A aplicabilidade do embargo de obra nova também às
relações administrativas apenas nos casos em que não exista um meio específico
do contencioso administrativo. Deste modo, se se estiver perante uma relação
administrativa do ambiente, deve-se apurar:
a) Se a
lesão do direito ao ambiente foi causada por um acto administrativo recorrível,
caso em que existe um meio específico do contencioso administrativo, que
consiste na suspensão da eficácia do acto, pelo que é ele o aplicável;
b) Se a lesão do direito subjectivo ambiental foi provocada por um privado no âmbito de uma relação administrativa multilateral, neste caso existe um meio específico do contencioso administrativo para paralisar essa actividade, que é a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
b) Se a lesão do direito subjectivo ambiental foi provocada por um privado no âmbito de uma relação administrativa multilateral, neste caso existe um meio específico do contencioso administrativo para paralisar essa actividade, que é a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;
c) Nos
restantes casos de relações administrativas ambientais, e na ausência de outras
providências cautelares específicas do contencioso administrativo, pode ser
utilizado o embargo de obra nova (v.g. num caso onde se verifica uma lesão no
ambiente causada por uma actuação administrativa de carácter técnico).
No balanço do regime legal cabe também enumerar as suas vantagens:
1.
A clara vontade do legislador no sentido de proceder à
equiparação da previsão legal do embargo do ambiente ao embargo de obra nova,
como meio eficaz de tutela dos direitos subjectivos nas relações jurídicas
ambientais, ainda que sem abdicar da utilização dos meios processuais do
contencioso administrativo;
2.
A extensão do
âmbito do embargo de obra nova também às relações administrativas de ambiente,
sempre que não exista outro meio processual específico do contencioso
administrativo. Deste modo são solucionados os problemas levantados pela fraca
tutela dos direitos subjectivos públicos em matéria ambiental através da
preferência por um meio processual mais eficaz;
3.
Clarificação dos diferentes meios processuais, no que
diz respeito à utilização de meios do processo civil e do processo
administrativo.
Cumpre também apresentar os
principais inconvenientes deste regime legal:
1.
Manutenção da dualidade de jurisdições em matéria de
contencioso do ambiente, com a agravante do facto da delimitação de jurisdições
já não estar relacionada com a natureza da relação jurídica em causa;
2.
Probabilidade de existirem conflitos positivos e
negativos de jurisdição, uma vez que os direitos das relações administrativas
em matéria ambiental tanto podem ser da competência dos tribunais comuns como
dos tribunais administrativos. Esta situação pode equacionar uma
incompatibilidade entre este regime legal e a opção constitucional de atribuir
aos tribunais administrativos a competência para “o julgamento das acções e
recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das
relações jurídicas administrativas” – art. 212º, nº3 CRP.
Feitas as
ponderações, concluímos que, teria sido preferível uma diferente opção por
parte do legislador.
IV
Por o que
ficou supra exposto, cabe concluir
frisando a ideia de que o legislador não clarificou o actual regime jurídico
dos embargos administrativos. Como refere PEREIRA DA SILVA, uma opção correcta
teria sido a criação de um meio específico de tutela provisória ou cautelar dos
direitos subjectivos ambientais, susceptível de ser aplicado a todo o universo
das relações jurídicas ambientais (públicas ou privadas), e da competência de
uma única jurisdição, cuja solução mais adequada era ser a comum, mas que
também poderia ser a administrativa. Por outro lado, também devia ser criada
uma acção específica para os direitos subjectivos do ambiente (públicos e
privados), adequada à especial natureza dos interesses em conflito e das
necessidades de tutela neste âmbito.
Deste modo, o contencioso ambiental passaria a abranger não só um específico meio de tutela cautelar, mas também um específico meio de tutela definitiva, os quais seriam atribuídos a uma única jurisdição.
Deste modo, o contencioso ambiental passaria a abranger não só um específico meio de tutela cautelar, mas também um específico meio de tutela definitiva, os quais seriam atribuídos a uma única jurisdição.
Uma última
questão se coloca: se o novo regime legal dos embargos administrativos criado
pela reforma do processo civil respeita a Constituição. O problema que se pode
continuar a suscitar acerca da eventual inconstitucionalidade deste regime legal
já não está relacionado com a questão da plenitude da tutela do direito
fundamental ao ambiente (art. 20º e 268 nº 4 e 5 CRP), mas sim com a
efectividade dessa tutela. A efectividade dos embargos do ambiente pode ser
posta em causa devido à possibilidade de verificação de frequentes conflitos de
jurisdição e à existência de problemas de harmonização do embargo de obra nova
com o universo do ambiente, tendo em conta que se trata de um meio
originariamente concebido para a tutela de direitos reais e não de direitos
que, em regra, apresentam uma natureza obrigacional, e, por outro lado, o
pedido de suspensão de uma construção é diferente do pedido de cessação duma
actividade poluente. Em suma, se os tribunais vão ser capazes de “subverter” o
embargo de obra nova fazendo dele o meio contencioso por execelência de tutela
dos direitos subjectivos do ambiente, se isto não acontecer, caímos de novo no
domínio da inconstitucionalidade.
V. Bibliografia:
ANDRADE,
José Carlos Vieira, A justiça
Administrativa, Almedina, 11º ed, 2011.
FREITAS
DO AMARAL, Diogo, Lei de Bases do
Ambiente e Lei das Associações de Defesa do Ambiente, Direito do Ambiente,
Instituto Nacional de Administração, 1994.
GOMES
CANOTILHO, José, Privativismo,
associativismo e publicismo na justiça administrativa do Ambiente, Revista
de legislação e jurisprudência.
PEREIRA
DA SILVA, Vasco, Os denominados embargos
Administrativos em matéria de Ambiente; Revista Jurídica de Urbanismo e
Ambiente, nº7, Almedina, 2007.
SILVA,
Vasco Pereira, O
contencioso administrativo no divã da psicanálise, Ensaios sobre as acções no
novo processo administrativo; Almedina; 2ºed, 2009.
SOUSA, Marcelo Rebelo, MATOS, André Salgado, Direito Administrativo Geral,
Tomo III, D. Quixote, 2ºed. 2009.
[1] A
questão de saber se o direito ao ambiente é ou não análogo aos direitos,
liberdades e garantias gira em torno da distinção feita, pela doutrina e
jurisprudência nacionais, de classificação e de regime dos direitos, liberdades
e garantias e dos direitos económicos, sociais e culturais, não obstante ao
artigo 66º da Constituição da República Portuguesa
que, apesar de prever que o direito ao ambiente é um direito fundamental, não é
suficientemente esclarecedor quanto a saber se “se está ainda perante um
“verdadeiro” direito fundamental ou se se trata antes de uma tarefa estadual
“disfarçada”, em razão da necessidade de intervenção estadual de que depende a
concretização da disposição constitucional”
[2]
Como refere PEREIRA DA SILVA, os direitos fundamentais radicam num princípio
axiológico, permanente e absoluto, que é a dignidade da pessoa humana. Para
este efeito cabe distinguir três gerações de direitos fundamentais: os direitos
fundamentais da primeira geração, nascidos com o constitucionalismo liberal,
enquanto liberdades perante o estado e direitos civis e políticos. Esses
direitos possuíam um conteúdo meramente negativo, correspondente a um dever de
abstenção das entidades públicas. Os direitos de segunda geração, que
nasceram com o estado social, não são mais direitos de abstenção, mas antes de
intervenção estadual, implicando a colaboração dos poderes públicos para a sua
realização. E, por último, os direitos fundamentais de terceira geração vêm
introduzir uma tónica de protecção jurídica individual dos novos domínios do
ambiente, da informática e das novas tecnologias, da genética.
[3] Veja-se o exemplo de uma
autorização legislativa concedida a uma indústria poluente em que constitui uma
vantagem para o empresário e um prejuízo para o vizinho atingido pelas suas
emissões. Neste caso, quando a
administração autoriza uma entidade a exercer determinada actividade poluidora,
o particular lesado não contesta o titular da licença administrativa, mas sim o
Estado que autorizou tais comportamentos, ou seja, o particular reage contra a
licença administrativa, não contra o seu titular.
[4] Isto porque até o próprio
legislador nos fornece indicações contraditórias: por um lado, a denominação
“embargos administrativos” aponta para a consideração de que se trata de um
meio administrativo mas, por outro lado, encontramos o art. 45º da Lei de Bases
do Ambiente onde tudo indica tratar-se num meio processual.
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